O malogrado Fernando Gomes com Quinito, em 1988, quando este orientou o FC Porto
O malogrado Fernando Gomes com Quinito, em 1988, quando este orientou o FC Porto (Foto: A BOLA)

'Mister' Quinito, temos saudades suas

Agora que Villas-Boas disse já chega e Anselmi faz as malas, lembrei-me de um nome grande do futebol português, o senhor Joaquim Lucas Duro de Jesus. 'Hat trick' é o espaço de opinião semanal do jornalista Paulo Cunha

André Villas-Boas vai despedir o segundo treinador desde que, a 27 de abril de 2024, venceu as eleições para a presidência do FC Porto. Depois de prescindir de Vítor Bruno, em janeiro, o Mundial de Clubes foi a gota de água na enxurrada de asneiras que custarão o lugar a Martín Anselmi.

O primeiro técnico de que me lembro não ter completado uma temporada ao leme dos dragões foi Joaquim Lucas Duro de Jesus, em 1988. Talvez esteja agora a puxar pela cabeça a pensar de quem estou a falar. Mas se lhe disser que o homem do futebol em questão — para utilizar uma expressão querida aos meus amigos Miguel Correia e Nuno Paralvas — é um tal de… Quinito, então, aposto, todas as dúvidas se dissiparão.

Nesta vida de jornalista, pouco convivi com ele. Lembro-me de ter acompanhado, em Troia, um estágio de dois dias do V. Guimarães que, à data, treinava, em finais dos anos 90, além de contactos pontuais quando assumiu o papel de diretor para o futebol do V. Setúbal, o clube da cidade onde nasceu há 76 anos.

Nas memórias de infância, porém, Quinito é um daqueles nomes que retive logo a partir das primeiras coleções de cromos, algumas em que surgia como jogador dos bracarenses, no ocaso da carreira, já espalhara magia nos espanhóis do Santander.

Na final da Taça de Portugal de 1982, ao comando do SC Braga, apresentou-se no Estádio Nacional vestido de smoking branco e pappilon preto, indumentária de gala a condizer com o caráter cerimonioso da partida que terminaria com o Sporting a festejar. Se quiser um exemplo do que é ser fora da caixa, do que é ser carismático, este é apenas um entre variadíssimos… Em meados dos anos 80, rumou ao Kuwait para orientar o Al Yarmouk, ainda aquele país do Médio Oriente não entrara nas bocas do mundo devido à invasão do Iraque em 1990. Era vê-lo com a dishdasha, uma peça branca de vestuário tradicional usada naquelas paragens das mil e uma noites.

De regresso a Portugal, agarrou os destinos do SC Espinho, duas épocas de sucesso que lhe abriram as portas das Antas, no verão de 1988. Mesmo com quatro troféus (Liga, Taça de Portugal, Taça Intercontinental e Supertaça Europeia) no currículo no espaço de um ano, Tomislav Ivic não convenceu Pinto da Costa e a aposta recaiu em Quinito.

«Comigo é Fernando Gomes e mais dez», disse, alusão ao peso do capitão na equipa portista, após o antecessor ter decretado, meses antes, que «Gomes é finito». Por essa altura afirmou também que «se fosse colecionador de autógrafos, pedia já aqui um a cada um dos jogadores do FC Porto», outra tirada memorável no primeiro dia de trabalho de um reinado curto que não resistiu a goleada de 0-5 em Eindhoven diante do PSV, duelo da Taça dos Clubes Campeões Europeus — a primeira vez que Pinto da Costa optou por uma chicotada psicológica para tentar inverter os maus resultados.

Quinito era o entrevistado ideal, capaz de proporcionar frases em catadupa para títulos ou manchetes de jornal apelativas. Inventava expressões e neologismos que continuam a ser usados sem que saibamos a origem, como linha de água, a fronteira entre a permanência e a despromoção, ou carne toda no assador, para explicar substituições de cariz ofensivo no tudo ou nada na luta pelas vitórias. De cabeça recordo ainda uma daquelas metáforas pitorescas em que era especialista.

«Se tivesse dinheiro comprava o Pedro Barbosa para o pôr a jogar no meu quintal, só para mim», assim elogiou o médio/extremo que o encantava no V. Guimarães.

A sorte foi madrasta para Quinito. Em 2009, perdeu um filho e não se perdoou.

«Tive um menino maravilhoso que na realidade não conheci, o futebol saiu-me caro», partilhou num encontro público de amigos, em 2016, momento em que vários homens do futebol procuraram puxá-lo acima da linha de água: «Nesta fase da minha vida estou a perder por 50-0. Não valeu de nada o que ganhei, o que perdi, o que empatei.»

Mister Quinito, temos saudades suas, apareça que será recebido de braços abertos.