Gyokeres deixou cair a máscara
O avançado sueco é o ator principal desta novela. Querer fazer do empresário dele o mau da fita era tratar o goleador como se fosse um pau mandado sem capacidade para decidir o futuro. 'Hat trick' é o espaço de opinião semanal do jornalista Paulo Cunha
Viktor Gyokeres foi a estrela que iluminou o Sporting e encandeou os adversários na via láctea do bicampeonato. O avançado sueco chegou, viu e marcou e de quase incógnito no Coventry transformou-se num dos goleadores mais temíveis da Europa. Um trajeto exemplar percorrido a um ritmo vertiginoso. Contudo, desde o ponto final na temporada — assinalado com a conquista da Taça de Portugal e consequente dobradinha (de novo) à custa do Benfica — tanto Gyokeres como o compatriota Hasan Çetinkaya, o empresário, resolveram pisar na bola e arriscam-se a dar valente trambolhão.
Com o mercado só agora a dar os primeiros sinais de vida, numa longa marcha que terminará no último dia de agosto, exigia-se discrição ao ídolo de todos os sportinguistas e ao representante dele. Ao invés, aquilo a que assistimos é a uma crescente pressão, alimentada por informações estrategicamente plantadas no espaço público, ruído em redor de uma (eventual) saída como se o prazo para fechar os plantéis estivesse prestes a esgotar-se sem que Fabrizio Romano proclamasse o definitivo here we go.
É aqui que se pode ter a tentação de apontar apenas o dedo a Hasan Çetinkaya, culpá-lo em exclusivo como se Gyokeres fosse pau mandado sem capacidade para decidir sobre os objetivos do próprio futuro e o melhor caminho para alcançá-los. Ora, o senhor Viktor Einar Gyokeres, 27 anos, é maior e vacinado e não pode ser desresponsabilizado — é ele o ator principal desta novela que ameaça bater recordes de audiência no verão. E se Çetinkaya age como tem agido é porque recebeu carta branca do futebolista que trouxe para Alvalade, em 2023, à data com manobras semelhantes a estas que o Coventry sentiu na pele...
«Há muitas conversas neste momento, a maioria delas falsas. Irei falar no momento certo», escreveu o jogador nas redes sociais, já Frederico Varandas manifestara a posição dos leões: «O Sporting não vai exigir a cláusula de rescisão, mas já me deviam conhecer melhor: ameaças, chantagens e ofensas, comigo não funcionam. Mas posso garantir: Gyokeres não sai por €60 milhões mais €10 milhões. Não sai, nunca o permiti, e com este jogo que o agente está a fazer só piora a situação.»
Admitamos, longe de estar provado, que alguém com poder de decisão na SAD do Sporting prometera tornar exequível a fórmula mágica dos 60+10 — Varandas já negou taxativamente que isso tivesse acontecido, embora reconheça que facilitaria o adeus com desconto que considero generoso, enquanto Gyokeres e o agente não mostraram provas de que essa promessa terá sido feita. Se entretanto as exibissem para todos vermos, sem margem para dúvidas quanto ao teor, então o presidente do Sporting sofreria desautorização e humilhação públicas inauditas.
Qualquer que seja a verdade dos factos, na perspetiva de quem quer dar o salto para paragens mais rentáveis é pouco prudente esticar a corda quando ainda há tanta estrada para andar e dois meses e meio de período de transferências para fazê-lo.
Capaz de ostentar cartão de visita de 54 golos e 13 assistências em 52 jogos disputados em 2024/25, terá Gyokeres receio de que o Arsenal ou outros tubarões da Premier League percam a paciência e desistam num abrir e fechar de olhos do craque? Se o fizerem... talvez se arrependam, mas isso é outra conversa.
Certo é que o caso expõe um problema estrutural no futebol moderno — até onde pode ir a pressão dos empresários e que níveis de resistência devem exibir os clubes? O que seria ideal? Diálogo e clareza. Se há propostas, coloquem-nas em cima da mesa; se não há, respeitem-se os contratos — o de Gyokeres vigora por mais três épocas e inclui cláusula de rescisão de 100 milhões de euros. Sempre que as relações azedam, todos perdem. Quererá Gyo sair do Sporting pela porta da frente ou dos fundos? Na memória dos adeptos, a forma de partir pode determinar o legado que se deixa. Com ou sem máscara...