Uma mulher na presidência do clube que viu nascer Gonçalo Inácio
Num universo ainda largamente dominado por homens, é no futebol distrital que começam a surgir histórias que fogem ao padrão e abrem caminho para novas realidades. Cada vez mais, as mulheres ocupam lugares de decisão e demonstram que também podem liderar em ambientes tradicionalmente masculinos. Em Almada, com o Cristo-Rei a servir de guardião e símbolo da cidade, escreve-se um desses capítulos.
Andreia Santos, 41 anos, tornou-se a primeira mulher a assumir a presidência do histórico Almada Atlético Clube, instituição com mais de 80 anos e atualmente na I Divisão distrital da AF Setúbal, ao lado do Vitória de Setúbal, do Cova da Piedade, do Fabril ou do Barreirense. Em entrevista a A BOLA, começou por falar sobre a sua entrada no clube.
Em entrevista a A BOLA, começou a falar sobre a sua entrada no clube: «Fui durante um ano vice-presidente para as modalidades e enfrentámos vários problemas. O Almada tinha perdido quase toda a sua formação no andebol. Fomos recuperando jovens e, nessa altura, realizaram-se eleições. O presidente era o João Vieira e convidou-me. Fez-me uma espécie de ultimato e disse que eu seria a melhor presidente para o Almada. O que me fez assumir foi exatamente o amor pelo clube e ver o crescimento de todos os jovens que formamos aqui.»
Em abril de 2024, Andreia Santos assumiu a presidência e falou sobre o momento em que decidiu avançar: «O futebol não estava bem há algum tempo, o andebol subiu rapidamente e isso fez com que João Vieira [ex-presidente e atual líder da MAG] visse em mim uma presidente capaz de levar o Almada a outros patamares e, se calhar, levá-lo onde já esteve anteriormente. Foi um desafio que aceitei com medo, não vou mentir, pois é um clube demasiado grande», concluiu.
Ainda são poucas as mulheres presidentes de clubes em Portugal. Na Liga, por exemplo, apenas o Rio Ave tem uma mulher na liderança, Alexandrina Cruz. Andreia Santos conta que o início da presidência não foi fácil: «Eu sei que para os sócios, no início, foi difícil, porque isto é um clube de 81 anos, com história de homens. E ser uma mulher jovem a assumir a presidência, apesar de ter tido muitos sócios a votar, não foi fácil. Fui muito bem aceite pelos outros clubes do distrital, porque tento sempre ser diplomática.»
Gerir um clube na distrital tem inúmeros desafios, como nos explica a presidente do Almada: «Além de sermos um clube da distrital, temos património próprio, o que origina poucas verbas camarárias. As instalações são muito velhas e degradadas e, há pouco tempo, o campo esteve interditado, mas a câmara ajudou-nos. Foi necessária resiliência durante este ano e meio.»
Andreia Santos aponta algumas desvantagens em ser mulher no mundo do futebol: «Temos que ter uma postura mais séria e concisa para nos levarem a sério. Esta é a realidade. É essencial ser assertiva.»
No complexo do Almada AC vão nascer dois projetos distintos, mas muito importantes para o clube. O Sporting irá assumir toda a formação: «As expectativas são muito grandes. O Almada tem vindo, ao longo dos anos, a perder jovens nas camadas de futebol. O nosso complexo está degradado e os jovens não aderem. A vinda do Sporting é diferente, porque o seu nome, por si só, já atrai pessoas. Este projeto vai dar vida ao Almada e só há vida com crianças», explicou a presidente. Andreia Santos acrescentou: «Eles começam os treinos em setembro. Vão ser duas equipas por escalão. Treinam pelo Sporting e jogam pelo Almada Atlético Clube.»
Em relação ao outro projeto, o clube vai construir um complexo desportivo, «o maior da Península Ibérica», segundo diz. Antes de Andreia Santos assumir a presidência, o Almada tinha em mãos o projeto, mas a dirigente não gostou da primeira abordagem: «Não achei viável. Este projeto tem oito anos no Almada e, logo no início, ofereceram 1 milhão de euros ao clube, mas iríamos ficar sem o campo da formação. Depois passou para 1 milhão e duzentos mil, mas seria para colocar sintético, pagar o terreno à Câmara Municipal, que são 300 mil euros, e algumas dívidas do Almada. E o campo? Ficávamos sem ele e andávamos para trás e para a frente. Assim não se cresce, teríamos sempre que alugar outro campo e não achei viável.»
Após as primeiras negociações assumidas por Andreia Santos, surgiu outra proposta: «Em vez de um milhão e duzentos mil, davam-nos infraestruturas». E foi assim que o negócio avançou. A líder explicou quais serão: «A requalificação total do campo número 1, transformando-o em híbrido certificado pela FIFA. Vão colocar todo o sistema de rega e iluminação, bem como nivelar o terreno. O complexo irá crescer na parte de baixo, com três pisos e estacionamento no meio. As piscinas serão uma olímpica e outra para crianças, que terá quatro salas de grupo e também um mega ginásio. Na parte superior será o campo número 2, dividido em dois: um com medidas de futebol 11 e, no meio, dois campos de futebol 7, que receberão toda a formação.»
Um campo para a formação era algo que Andreia Santos exigia, pois entende que os jovens são muito importantes para qualquer clube. «Sem formação nenhum clube sobrevive, porque é a formação que dá dinheiro, independentemente do clube que seja.» Ainda relativamente à formação, afirma: «O Almada vai voltar a ter vida e dar nome ao Almada para que ele volte a ser aquilo que foi há uns anos. Somos o clube da cidade», concluiu.
Quanto às principais dificuldades que o Almada tenta ultrapassar, Andreia Santos aponta a falta de meios humanos: «Contratos fazem-se, dinheiro e patrocínios procuram-se, o problema são os meios humanos. Precisamos de pessoas. Hoje em dia ninguém trabalha de graça, toda a gente quer ganhar e o clube cada vez tem menos dinheiro, o que origina sermos cada vez menos; daí achar que a maior dificuldade são os meios humanos.»
A terminar, Andreia Santos explicou o legado que gostaria de deixar: «Hoje em dia, há muitas pessoas que, na brincadeira, me dizem: ‘És presidente do Almada? Mas isso ainda existe?’ Quero que um dia, quando eu saia do clube, não digam isso. Quero que digam: ‘Foste presidente do Almada, grande clube’.» E acrescentou: «O legado que quero deixar é mostrar que estamos vivos, estamos cá, não desistimos e vamos à luta contra tudo e contra todos. Espero que quem cá fique continue o nosso trabalho e possa mostrar que continuamos a ser o grande clube da cidade», concluiu a primeira presidente do Almada AC.
Baliza assinada por Goncalo Inácio
No Campo de Jogos do Pragal, casa do Almada Atlético Clube, nasceram talentos como Oceano, Edinho e Gonçalo Inácio, apenas para citar alguns internacionais portugueses. Oceano iniciou a carreira no clube da Margem Sul, representando os sub-17, sub-19 e a equipa sénior entre 1976 e 1982.
Edinho vestiu a camisola do Almada durante nove épocas, começando em 1992/93 nos sub-13. Mais recentemente, Gonçalo Inácio jogou no clube entre 2010 e 2012, antes de ingressar na academia de Alcochete.
Andreia Santos destacou a importância de ter internacionais formados no Almada: «Os mais jovens percebem que não estão num clube qualquer. Além de ser o clube da cidade, já formou muitos atletas, alguns dos quais seguiram carreira no estrangeiro.»
Em fevereiro, após cumprir 200 jogos pelo Sporting, Gonçalo Inácio visitou as instalações do Almada, de onde partira diretamente para a Academia Cristiano Ronaldo. Para Andreia Santos, foi um momento de orgulho: «Foi muito especial. O Gonçalo é uma pessoa simpática e acessível. Vê-lo de volta ao Almada foi gratificante. Mesmo no topo, soube reconhecer as origens e dar valor a isso.»
A presidente recordou ainda uma história partilhada pelo defesa durante a visita: «Um dia, depois de marcar um golo, a mãe, que estava na bancada, entrou em campo para festejar. Uma das nossas balizas, onde ele marcou esse golo, está hoje assinada por ele.»
«Inês de Medeiros é uma mulher de garra»
A Câmara Municipal de Almada é também liderada por uma mulher, Inês de Medeiros. Sobre a relação com a autarquia, Andreia Santos mostra-se satisfeita: «A senhora presidenta Inês de Medeiros é uma mulher de garra; assertiva, decisiva e frontal no que toca a Almada, aos atletas e aos clubes. As relações são boas e temos recebido os apoios considerados necessários. O facto de ambas sermos mulheres facilita o entendimento: a comunicação é mais simples, sem necessidade de imposições. Não tenho nada a apontar à Câmara Municipal, que tem ajudado dentro das suas possibilidades.»
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