Ronaldo não está morto
Portugal venceu a Arménia por nove golos contra um, sem Cristiano Ronaldo em campo, e uma parte significativa do país aproveitou o feito para destilar o seu ódio contra o jogador. E eu juro que tento, mas sou absolutamente incapaz de compreender de onde vem esta ingratidão com aquele que é o melhor jogador de todos os tempos ou, como dizem os meus filhos, a cabra (numa tradução literal de GOAT — Greatest Of All Time). E não, não sou uma ronaldete, mas basta olhar para os números para percebermos que Cristiano merece mais do que publicações e comentários depreciativos. Porque ao longo dos mais de vinte anos em que tem vestido a camisola da Selecção, Ronaldo foi verdadeiramente decisivo em dezenas de momentos, tal como o provam os golos marcados — não é por acaso que se tornou no jogador da história com mais golos internacionais numa selecção masculina.
É mesmo possível que alguém não se lembre do golo contra o País de Gales, na meia-final do Euro-2016, que nos permitiu chegar à final do torneio? Ou do golo já este ano, contra a Alemanha, na meia-final da Liga das Nações? Não fossem estes golos de Ronaldo e não teríamos nenhum dos dois troféus mais relevantes conquistados pela selecção nacional. E isto para não falar de muitos outros golos como, por exemplo, aquele que marcou contra a mesma Arménia que agora goleámos, num jogo de qualificação para o Euro-2016, onde vencemos por 1-0 e onde a vitória foi determinante para o nosso apuramento.
Demasiadas vezes sinto que somos um povo com memória curta. Tão curta que ousamos vilipendiar o nosso melhor de sempre. É claro que é lícito achar que Ronaldo, neste momento, não devia ter lugar no onze inicial, mas aquilo que tenho lido, na sua esmagadora maioria, são comentários absolutamente destrutivos de gente que o mais que fez em termos futebolísticos foi vencer o jogo de solteiros contra casados nas festas da santa terrinha.
Cristiano Ronaldo é uma referência mundial, mas já a minha avó dizia que os santos da casa não fazem milagres. E é mesmo daqui, do seu país, que lhe chovem as críticas mais duras. E não, não estou a dizer que Cristiano é incriticável, simplesmente existem formas de criticar sem tresandar ódio e ingratidão.
Sabem, eu tenho uma teoria e ainda há pouco tempo escrevi sobre ela. Em abono da verdade, a teoria nem é minha, mas decidi roubá-la ao Padre António Vieira que, já no século XVII, escrevia que «entre os portugueses, o mérito é pecado que só se perdoa com a morte». E eu acho que é um bocadinho isto que acontece com Ronaldo: demasiado mérito e demasiado sucesso irritam sempre o povo da nação valente e imortal, mas que padece de uma inveja crónica que faz com que, já dizia Vergílio Ferreira, «não queira ser mais, mas queira que o outro seja menos».
Ronaldo, queiram ou não, está longe de estar acabado. Talvez não tenha a capacidade de física de há vinte anos, mas continua a ser uma peça demasiado importante. E aposto o que for preciso que ainda vai ser decisivo e dar-nos muitas alegrias no Campeonato do Mundo que aí vem.
Já agora, faz-me um bocadinho de confusão que ande tanta gente preocupada com Ronaldo e tão pouca preocupada com a forma como Roberto Martínez gere o restante plantel. Porque, deixem-me que vos diga, há decisões deste seleccionador que são absolutamente incompreensíveis — sim, ainda tenho a não estreia de Quenda entalada e a coisa só piorou quando vi agora entrar em campo Carlos Forbs, mas adiante…
Já que, nesta crónica, decidi falar sobre jogadores, deixem-me fazer uma vénia a outro que já por uma vez elogiei no destaque no pódio e de quem é impossível não falar após a vitória sobre a Arménia: senhoras e senhores, a minha vénia a João Neves.
Caramba, que prazer é ver jogar o miúdo que apesar de franzino é um verdadeiro gigante em termos de visão de jogo, maturidade e capacidade de decidir sob pressão. E a alegria que transmite quando joga? Ainda na semana que passou lia as notícias sobre a selecção espanhola e pensava que tínhamos muita sorte em Portugal por ter um João em vez de um Lamine. Porque se o nosso menino respira humildade, Yamal começa a tornar-se um caso sério e bastante insuportável de arrogância precoce.
Reparem, não estou, de forma nenhuma, a contestar o talento do jogador e sei que a juventude, nestes casos, não ajuda, mas a verdade é que se ninguém travar Yamal, o caminho que tem pela frente não me parece auspicioso. Lembro-me perfeitamente de quando, durante o Euro-2024, Espanha soube que Yamal tinha passado nas provas ESO (Ensino Secundário Obrigatório) e celebrou como uma vitória colectiva: o menino de ouro tinha conseguido concluir o secundário e entrava assim numa nova fase da sua vida. Ou quando, num concerto, os Estopa, conhecido grupo musical espanhol, adaptaram a conhecida canção Djobi Djoba para a versão Lamine/Yamal /cada día yo te quiero más/Lamine/Lamine/Lamine Yamal. Yamal tinha tudo para se tornar adorado por todos, mas, infelizmente, tem escolhido um caminho tortuoso. Da polémica festa de anos com a Máfia como tema e contratação de chicas de imagen louras e de busto avantajado às declarações antes do jogo com o Real Madrid, Yamal tem traçado um caminho complicado fora dos relvados. Jóias, mulheres, festas, marcas… O deslumbramento esperado de um miúdo que veio do nada e que se tornou milionário, mas que, neste caso, parece estar a ponto de o engolir inteiro perante um país que o tenta puxar à realidade, mas que leva constantes coices de egocentrismo.
Enfim, Yamal, felizmente, não é nosso. Ronaldo e João Neves, sim. E ainda bem.