Roderick Miranda: «Têm medo que o futebol possa tomar conta do desporto»
Roderick Miranda, defesa-central de 34 anos, rumou à Austrália em 2021 para representar o Melbourne Victory e nunca mais deixou o clube. O capitão de equipa falou com A BOLA sobre a experiência do campeonato australiano e da vida no país da Oceânia, onde, garantiu, o futebol está a crescer e... até podia já ter crescido mais.
— Que expectativas têm para este ano 2025-2026?
— A expectativa é sempre tentar vencer o título. Nos últimos dois anos faltou sempre um passinho para ganhar o troféu. Chegámos à final, mas tanto como há dois anos, como na época passada, perdemos. Queremos chegar à final e desta vez ganhar o troféu.
— E que hipóteses vê neste início de época para o fazer? Sente que se reforçaram bem e que estão prontos para atacar nesta temporada?
— Perdemos alguns jogadores, que este agora também está a tornar-se um mercado da moda para os mercados mais competitivos da Europa, mas também nos reforçámos bem. Vieram alguns jogadores importantes, também veio o Juan Mata, que também traz muita visibilidade e muita qualidade à equipa, por isso acredito que sim, temos uma boa equipa para atacar o campeonato.
— O Roderick chegou à Austrália em 2021 e já é o capitão e uma das figuras do Melbourne Victory. Como surgiu essa oportunidade e como foi a chegada à Austrália?
— A Austrália sempre foi um país que, desde muito pequeno, dos meus sete, oito, nove anos, disse que gostaria de vir visitar, por qualquer que fosse o motivo, mas que gostaria de poder visitar a Austrália. Tinha acabado o contrato na Turquia, estava livre no mercado, o clube já tinha aparecido. Num primeiro momento não foi algo apelativo, tanto pela distância como também pelo meu desconhecimento aqui da liga. Havia outras opções, acabaram por não acontecer, e também senti da parte do treinador, que era o Tony Popovic na altura e agora é o selecionador da Austrália, muita vontade da parte dele de eu integrar essa equipa. Comecei a pesquisar um bocadinho, comecei a perguntar aqui ou ali algumas coisas, e depois também se foi juntando aquele bichinho que tinha já desde criança, de querer visitar a Austrália. Sempre quis vir para este lado do mundo, tão longe de Portugal e da Europa, e foi uma junção de ambos: tentar algo novo e visitar um país que sempre quis visitar. Até agora tem sido uma experiência fantástica.
— Como encontrou a estrutura do futebol no clube e na da Austrália? A nível de infraestruturas, do jogo jogado, do apoio dos adeptos…
— Eu cheguei sem nenhuma expectativa. Vinha com a mentalidade aberta. O que acontecesse, aconteceria. Fiquei surpreendido pelas condições e infraestruturas do clube, pela quantidade de pessoas que seguem o futebol aqui e como é seguido por todo o país. A nível de profissionalismo, vejo que, em algumas equipas, em termos de infraestrutura, ainda não estão como estamos habituados na Europa, onde cada clube tem o seu centro de treinos, tudo muito privado, ou seja, onde ninguém tem acesso a nada.
Também há aqui uma certa disputa com a Rugby League [liga de râguebi] e o Australian Football [futebol australiano] e eles tentam preservar muito esses dois desportos como os desportos-reis aqui da Austrália. Têm medo que o futebol possa ultrapassar ou tomar conta do desporto na Austrália, mas penso que aos poucos, apesar de sempre haver alguns percalços pelo caminho, tem crescido. Sei que neste último ano foi o desporto mais praticado pelas crianças em toda a Austrália. O futebol está a crescer e agora é uma questão também do governo facilitar, seja em termos de mais fundos, seja em termos de mais apoios a clubes e a pessoas para poder investir mais e também para o futebol poder crescer no país. Sinto mesmo que existem essas medidas para tentar, não vou dizer empurrar o futebol para baixo, mas para tentar colocar alguns entraves ao crescimento do futebol no país.
Não é uma lei, não é algo que é percetível, mas há pequenas coisas. Por exemplo: há dois ou três anos, houve um incidente aqui num jogo, num dérbi, em que um adepto invadiu um campo e depois tinha uma lata com areia e atirou-a ao guarda-redes. É algo lamentável, mas é algo que infelizmente já aconteceu muito na Europa e acontece na América do Sul. Fala-se durante dois, três dias, mas é o pão nosso de cada dia, acontece muitas vezes. Foi na altura em que o Nani tinha assinado aqui pelo clube, com o Nani houve uma mudança muito grande, o futebol começou a crescer. Aproveitaram esse momento para voltar a trazer a propaganda de que o futebol é só pessoas da máfia, pessoas sem educação, é tudo muito perigoso. Mas depois vai-se aos estádios de râguebi, estádios de futebol australiano e há muitos desacatos entre os adeptos, há desacatos entre os jogadores, mas nunca passa para os media. Parece que é uma propaganda sempre para tentar pôr os dois desportos que eles querem, como os desportos-reis, os desportos que interessam, e tentam empurrar o futebol para baixo.
— Quão visível foi o impacto de Nani no crescimento do futebol?
— Teve um impacto muito grande e também coincidiu com altura em que houve um jogo com o Manchester United, porque eles estavam em digressão. Parece que ainda trouxe uma maior comoção a tudo que foi o envolvimento da transferência dele, trouxe muita media, trouxe muito destaque. Eu lembro-me que, na altura, até os nossos jogos começaram a ser transmitidos pela Sport TV em Portugal. O Nani é um nome que acarreta muita coisa com ele. É um campeão europeu, com muita experiência, com um currículo imenso. Percebeu-se que, se houvesse tempo, se o Nani não estivesse lesionado, se não tivesse havido esse incidente no dérbi, provavelmente o futebol aqui poderia, neste momento, estar num outro patamar. Claro que eles iam tentar arranjar outras coisas para tentar empurrar o futebol para baixo, mas acredito que podia ter evoluído mais do que está neste momento.