Rayan já bisa: fugiu (para já) ao FC Porto o 'novo Hulk' do futebol brasileiro
O FC Porto já terá chegado tarde no último verão. Rayan era titular e marcava golos pelo Vasco da Gama, estando cotado em 14 milhões de euros. O emblema carioca, à procura de uma temporada de estabilidade mas que o aproximasse pelo menos dos lugares de topo, com a travessia pelo segundo escalão em 2021 e 2022 (e antes em 2014 e 2016) ainda na memória, recusou todas as abordagens de André Villas-Boas pelo seu jogador com maior potencial.
Ainda que nem sempre a relação do jovem com o treinador Fernando Diniz tenha sido pacífica, o Gigante da Colina terá tomado uma boa decisão. Não só, aos 19 anos, Rayan valorizou ainda mais, atingindo os 18 milhões (o valor mais alto do plantel), como tem contribuindo desportivamente para uma temporada tranquila, ainda que não gloriosa, dos cruzmaltinos, que ocupam o 11.º lugar do Brasileirão.
O Vascão reencontrou o caminho dos golos no domingo diante do Vitória (4-3) e Rayan reencontrou-se com a melhor versão de si próprio. O jovem extremo direito — que pode alinhar ainda como extremo-esquerdo, segundo avançado ou ponta de lança — assinou o primeiro bis da carreira profissional e confirmou que há mais do que potência bruta no seu futebol. O internacional sub-20 canarinho começa a pisar outros terrenos e a descobrir até caminhos mais simples para o golo.
O clube carioca resistiu a vendê-lo quando o interesse europeu se intensificou — o Vasco pedia uma verba elevada e o FC Porto acabou por recuar —, mas o talento continua à vista de todos: Rayan é hoje o segundo melhor marcador da equipa, com nove golos e uma assistência, apenas atrás de Pablo Vegetti, e já aparece no top-10 dos goleadores do Brasileirão, precisamente com o mesmo registo de Flaco López, que está a fazer, ao lado de Vítor Roque (10 golos, 3 assistências), uma temporada extraordinária no Palmeiras de Abel Ferreira. O líder dos marcadores, Kaio Jorge (Cruzeiro, de Leonardo Jardim), soma 15 golos e seis assistências, o que mostra o quão notável é o rendimento do jovem vascaíno.
Até aqui, Rayan era um fenómeno algo circunscrito: um extremo que rematava como Hulk, quase sempre de longe, muitas vezes sem enquadramento, sempre à procura do golo impossível. O seu pé esquerdo, rápido e explosivo, é um perigo constante, mas também um convite ao exagero — as 72 tentativas de remate (exceto penáltis) com uma distância média de 21,1 metros e um NPxG (non penalty expected goals, golos esperados sem ser de penálti) de apenas 0,08 por remate são prova disso mesmo. A comparação com o antigo avançado do FC Porto terá atravessado todo o Atlântico até à Invicta e eventualmente seduzido Villas-Boas, que treinou Hulk ainda no Zenit e no Shanghai SIPG, além do Dragão.
Há um outro dado estatístico interessante no perfil de Rayan: ganhou mais duelos aéreos (37) do que dribles completos (23), o que mostra que o seu jogo pode ficar mais completo com maior presença na área, em vez de se isolar nas alas. Foi exatamente isso que aconteceu diante do Vitória. O jovem cumpriu um outro guião. Terá sido das poucas vezes que não tentou o golo de longe. Em vez disso, invadiu o espaço central, procurou a grande área e foi recompensado, garantindo ainda os seus melhores registos da época em toques dentro da área e golos esperados sem penáltis (NPxG). Foi, de facto, uma exibição diferente. E talvez marcante.
Os números sugerem que há uma relação direta entre a eficácia de Rayan e o seu posicionamento em campo, como aliás seria esperado: o Vasco venceu as duas partidas em que o extremo fez quatro ou mais remates (mais uma vez, exceto penáltis) mais perto da baliza. Se o corpo técnico do Vasco consolidar esta versão mais pragmática, Rayan pode dar um salto qualitativo importante. A energia e instinto continuam a ser armas valiosas — ninguém quer enfrentar Rayan quando ele está em modo Hulk zangado —, mas agora poderá ter descoberto o equilíbrio entre o ímpeto e a lucidez.
Em São Januário, chamam-lhe «o raio». No domingo, caiu, pela primeira vez, duas vezes no mesmo sítio.