Tiago Silva, médio do Vitória Sport Clube, em ação frente ao Arouca
Tiago Silva, médio do Vitória Sport Clube, em ação frente ao Arouca - Foto: IMAGO

Que futebol queremos?

Sentido de pertença é o espaço quinzenal de opinião de André Coelho Lima, associado do Vitória SC, jurista e empresário

1 — Finais de época são períodos mais propícios a balanços e lançamento de perspetivas de futuro. O futebol, esse desporto que move e mobiliza multidões, a paixão do povo como se lhe chama, tem uma intensidade e assegura uma vivência como poucos desportos conseguem. Claro que apesar de ser um desporto assente em paixões, que não pode fugir aos ditames das sociedades liberais e capitalistas, como aquela em que nos encontrámos. A regra da oferta e da procura impõe-se o que faz com que o interesse de milhões na modalidade ocasione vencimentos astronómicos aos seus principais praticantes; como, aliás, nas restantes atividades de grande interesse público.

2 — Não obstante, a verdade é que compete aos dirigentes do futebol alcançar um equilíbrio, uma mescla perfeita entre o espetáculo e os proventos económicos, entre a promoção do equilíbrio entre competitividade e a justa compensação pelos maiores geradores de receitas, entre o grande espetáculo e futebol de bairro. Por forma a que o futebol nunca perca a sua essência, a sua pureza, a sua genuinidade, mas isso se case com a indústria que gira em seu torno.

Esta discussão, precisamente nestes mesmos termos, tê-la-ei a propósito da tão falada centralização dos direitos desportivos e da sua urgência. Mas, por ora, queria usá-la num patamar internacional, das provas geridas pela UEFA. E faço-o com o conforto de o referir numa época em que o meu clube, o Vitória de Guimarães, não teve infelizmente acesso às competições europeias.

3 — Na época 2024/25, o Vitória foi o clube português que foi mais longe nas competições europeias (julgo que terá a primeira vez na história que tal sucedeu). Além disso, alcançou e superou de forma clara o recorde de vitórias consecutivas de qualquer clube nacional em competições europeias: 11 vitórias consecutivas. Disputou 14 jogos com uma performance assinalável (apenas uma derrota, aquela com que foi eliminado frente ao finalista, o Betis, de Sevilha).

E quanto ganhou o Vitória com essa performance absolutamente brilhante? €9 M.

Não ganhou isso, porque tem naturalmente que se descontar as despesas tidas que suportar, ou seja, ao fim de um percurso brilhante o Vitória conseguiu arrecadar, líquido, €6,5 M. Exíguo

Vi aliás uma publicação que dava conta de que o Chelsea, vencedor da Conference League tendo vencido todos os jogos, realizou €22 M. O Slovan Bratislava, que perdeu todos os oito jogos que disputou na Champions League arrecadou €21,9 M. Ridículo.

Dizem os documentos oficiais da UEFA que do montante total disponível de €3.317 mil milhões, 74,38% são para a Champions League (€2.467 mil milhões), 17,02% para a Europa League (€565 M) e 8,60% para a Conference League (€285 M). Inqualificável.

4 — É nesta fase que se impõe que nos perguntemos que futebol queremos. Será a competitividade importante para a melhoria do futebol-espetáculo? Também aqui se discute ideologia. Nós já temos competições devidamente estratificadas, com divisões, com promoção dos melhores e despromoção dos piores. Quem, como eu, acredita numa lógica redistributiva dos rendimentos das pessoas, em impostos progressivos ao invés de proporcionais naturalmente que, por maioria de razão, tem de acreditar que no futebol, por maioria de razão, se deva privilegiar a competitividade, a aproximação entre grandes e pequenos, ao invés do afastamento entre estes.

Está aí o campeonato inglês para nos demonstrar isso mesmo. A pátria da economia liberal e capitalista opera a redistribuição entre os seus clubes, visando aproximá-los ao invés de os afastar. E com isso, naturalmente, ganham os melhores, como se vê das prestações dos clubes ingleses nas competições internacionais.

5 — De uma vez por todas ou a UEFA se assume como promotora da pureza do futebol, ou destrói o futebol. Ou a UEFA tem coragem para implementar o sistema redistributivo que assumem as sociedades ocidentais para com os seus cidadãos (o que, diga-se, ainda mais se justifica se falámos em patamares desportivos), ou contribui para cavar um maior fosso entre grandes e pequenos. Mercantilizámos o jogo, tornámo-lo assético e turístico, tiramos-lhe a alma. Se é isso que pretendemos, estamos no caminho certo.

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