«João Neves era tema de conversa todos os dias»
Paulo Lopes trocou as luvas pelo quadro tático em 2018, após terminar uma carreira sénior de 22 anos como guarda-redes. O Benfica Campus foi o ponto de partida de um percurso ascendente, que culminou no cargo de treinador principal dos sub-23 encarnados, em 2023/24.
Seguiram-se duas experiências fora de Portugal, primeiro no Al Ahli, do Bahrain, e no SJK, da Finlândia. Paulo Lopes explica a saída do Benfica, destaca a qualidade das condições de trabalho na Escandinávia e recorda um talento que «era uma questão de tempo», em entrevista A BOLA.
— Que balanço é que faz destes primeiros meses na Finlândia?
— Muito positivo. O primeiro objetivo da minha chegada era assegurar a manutenção do clube, porque era importante para o projeto ter o SJK Akatemia na 2.ª Liga. É um clube formador que potencia os jogadores para a primeira equipa e para vender. A outra parte é tentar ajudar, dentro do meu conhecimento e da minha experiência, a organizar alguns departamentos, para o clube poder crescer e passar para outro patamar.
— Como avalia as condições de trabalho que encontrou?
— Em termos de infraestruturas, é um clube muito bom. Tem o estádio, outro coberto, um ginásio e imensos miúdos a jogar. Tem tudo para se poder conseguir fazer um bom trabalho.
— Saiu de Portugal acompanhado por uma equipa técnica?
— Fui sempre sozinho. A aventura acaba por ser diferente, mas ao mesmo tempo satisfatória. Com maior ou menor dificuldade, as pessoas que estão no clube, acabam por ajudar. Apresento a minha ideia e digo o que quero.
—Pretende permanecer no SJK?
— Vou continuar por mais uma época porque senti que o projeto ainda não está concluído.
— Pensa em regressar a Portugal para treinar?
— Isso nunca esteve fora de hipótese. Quero mostrar o meu trabalho aqui, mas cada coisa a seu tempo. Há de surgir no momento certo e hei de estar mais preparado do que estou agora.
— Porque é que decidiu sair do Benfica em 2024?
— É como tudo na vida, foi o momento de acabar esse ciclo, de perceber outras culturas, ideias e formas de trabalhar. Foi aquilo que estava a precisar no momento, faz parte. Trabalhar em vários países e várias realidades, faz-nos ver as coisas de maneira diferente.
— Sente estar conotado ao Benfica em Portugal? Essa associação dos tempos de jogador pode complicar um eventual regresso ao futebol luso?
— Não consigo entrar na cabeça das pessoas. É normal que isso aconteça por ter feito a minha formação no Benfica e pelos títulos que ganhei. Mas agora sou treinador. Pertenço ao futebol, não ao Benfica ou ao FC Porto, é o que quero para a minha vida. Neste momento treino qualquer equipa.
— Esperava iniciar a carreira de treinador no mesmo ano em que pendurou as botas (2018)?
— Sinceramente, esperava. Desde os meus 18/19 anos, estava ciente que era isso que eu pretendia. Fui tirando notas, tentando estudar o jogo e perceber a melhor forma para fazer isso.
— Na terceira época como treinador de guarda-redes salta para equipa principal em 2020-2021. Como é que foi trabalhar com Jorge Jesus, que já o tinha treinado no Benfica, entre 2012 e 2015?
— Foi, sem dúvida, um enorme prazer e orgulho ter trabalhado com ele, porque foi um dos melhores treinadores com quem trabalhei, fez-me perceber melhor o jogo, os pequenos detalhes, Tive o prazer e o privilégio de ser jogador e de ver um lado onde tu ouves e pouco mais, e depois ir para a parte do treino e perceber como é ele se organiza.
— O que é que o motivou a perseguer a carreira de treinador principal?
— [Ser treinador de guarda-redes] Não me estava a preencher por completo. Não é que não gostasse o que estava a fazer, antes pelo contrário. Mas precisava de algo mais. Começo como treinador de guarda-redes, passo para treinador-adjunto e para treinador principal. Nessa transição, o mister Luís Castro foi fantástico e ajudou-me muito. Pôs-me completamente à vontade, ajudou-me e deu-me liberdade total para fazer e dizer o que queria.
— Na primeira época como adjunto de Luís Castro (2021/2022) vencem a primeira UEFA Youth League da história do Benfica. Quando é que sentiram que podiam conquistar a prova?
— Sinceramente, no primeiro jogo que perdemos em Kiev, por 0-4 [14 de setembro de 2021]. Quando acabou o jogo, comentámos ‘pá, nós vamos ser campeões’. Foi após essa derrota que sentimos que era possível, porque conseguimos construir um grupo, foi muito importante. Estávamos todos embutidos na mesma ideia e no mesmo processo.
— Se olharmos para o onze da final, apenas o António Silva, o Tomás Araújo e o Henrique Araújo acumularam presenças na equipa principal...
— A vida de um jogador jovem não é fácil. Há uns que demoram mais tempo do que outros, não é fácil. A perceção do valor nós conseguimos ter, depois onde é que vai chegar é difícil porque há várias variantes: o treinador da equipa principal, o próprio clube, o jogador da equipa A da mesma posição. Às vezes os jogadores querem tudo muito rápido e isso prejudica. No fundo, acabou por ser uma boa colheita.
— Dessa colheita há um jogador que não falhou as três eliminatórias finais por lesão. Esperava que o João Neves em três anos se tornasse um dos melhores médios do mundo?
— Sinceramente esperava. Era tema de conversa todos os dias, pela alegria, boa disposição e qualidade com que ia treinar. Por isso, sabíamos que era uma questão de tempo. Não é um miúdo que se ilude com qualquer coisa, não me surpreendeu minimamente.