Rui Patrício (Atalanta)

Os heróis também ficam no desemprego

De Rui Patrício sem clube a Jorginho na Liga dos Campeões, a prova de que o sucesso só nos diz onde estamos… Nada diz de quem somos…

Aos 25 anos, Rui Patrício era já titular do Sporting e da Seleção. Estava a três anos de se tornar herói de Portugal enquanto campeão europeu. Porque tive o privilégio de estar a uns 50 metros dele, no Stade de France, guardo na memória, em câmara lenta, a incrível defesa que fez na final, com a França, a cabeceamento de Griezmann. Que esplendor de voo, da Marrazes natal ao Champs Élysées, coroado num arco que foi de triunfo. Aos 37 anos está desempregado.

Aos 25 anos, Jorginho jogava no Campeonato de Portugal pelo Pevidém. E trabalhava numa empresa de controlo de qualidade porque o dinheiro ganho futebol não dava para grande coisa e o futuro estava por garantir. Dois anos depois é estrela no Kairat Almaty do Cazaquistão e está a duas semanas de se estrear na Liga dos Campeões. Será em Alvalade, com o Sporting, ele que, em entrevista recente a A BOLA, disse que o sorteio de sonho seria calhar com Sporting e Benfica, em Portugal, para poder matar saudades e estar, pouco tempo que seja, com família e amigos. Se só pudesse ser um que fosse o Sporting… E eis que a estreia é com os leões… Os deuses simpatizaram com o nosso Jorginho…

Nos 37 de Rui Patrício, é a gratidão pelo Europeu que me levam a encarar o desemprego do guarda redes como um lugar estranho. Mesmo não sabendo o que o próprio pensa e a forma como está a encarar esta situação, acredito não ser humanamente fácil. Mas, bem vistas as coisas, o que foi fácil para Rui Patrício? Não seguramente os primeiros tempos de titularidade no Sporting, onde Paulo Bento – ser teimoso pode ser uma virtude – lhe deu tempo e o segurou contra os assobios da bancada; não seguramente a saída de palco na Roma pelas mãos de um compatriota: Mourinho; não seguramente o ter perdido a titularidade na Seleção para aquele que lhe deverá suceder como o guarda-redes com mais internacionalizações por Portugal, uma opção tão racional que nem os fervorosos admiradores de Patrício de atrevem a negar; e não, seguramente, agora que se encontra sem clube.

Aos 27 anos é o arrojo de um emigrante que, afinal, acabou por vingar no futebol que me faz gostar de Jorginho. Que está nos confins de um mundo tão elástico que a longínqua e fantástica cidade de Almaty, no Cazaquistão, está futebolisticamente nas provas europeias… Talvez nas margens do lago de Almaty, no lago Kolsai ou no Parque Nacional de Charyn Canyon entenda que a vida chega a ser irónica. O seu mote de vida, disse-o a A BOLA, agrada-me: não viver obcecado com nada; ter sempre um plano B; e saber que «há muitas maneiras na vida de ter sucesso».

Em qualquer manual de autoajuda, encontrará uma ideia comum: «vai em busca dos teus sonhos, se acreditares e trabalhares muito vais conseguir». Desculpem, mas é um embuste. Porque parte do princípio que sabemos sempre o que é melhor para nós; porque nem todos os que dão tudo o conseguem, quantas vezes por todas as razões menos a falta de qualidade e empenho; por validar quem somos em função dos sonhos atingidos. Embuste.

Mais útil o conselho de percebermos com honestidade o que está certo ou errado e o que precisamos mesmo para estarmos bem. Fazer o que é certo nem sempre nos leva ao sucesso. Mas, acreditem, ajuda a minorar o impacto do que não corre bem e… dá melhores noites de sono. Saber o que realmente precisamos coloca a tónica no que somos e não no que temos.

Caros Jorginho e Rui Patrício: uma coisa é ter sucesso, outra é ser sucesso. Nem todas as viagens são em linha reta. Sucesso e insucesso só nos dizem onde estamos. Nada dizem sobre quem somos…