Obviamente o ouro é para Salah
Foi no passado domingo, na competição de clubes mais antiga do mundo. O Liverpool via-se eliminado da Taça de Inglaterra pelo último classificado do Championship, o equivalente à nossa Liga 2, e ficava impedido de poder conquistar um inédito quadruple, coisa nunca alcançada por uma equipa britânica (apenas o treble pelos dois gigantes de Manchester, United e City: Premier League, FA Cup e UEFA Champions League). Um escândalo, tendo em conta a diferença de valores entre o líder do campeonato (e também da fase de liga da Champions) e o modesto Plymouth, que nunca pôs os pés na divisão dos big boys e se nenhum milagre ocorrer até lá no próximo ano estará no terceiro escalão. Analisamos os jogadores utilizados por Arne Slot, principalmente no ataque, e vemos que estão lá futebolistas que seriam titulares em quase todas as grandes equipas da Europa: Elliot, Luis Díaz, Federico Chiesa, Diogo Jota (e Darwin Núñez a sair do banco). Mas depois vemos quem não está: Mohamed Salah, que ficou a descansar. E aí começamos a entender o porquê de os adeptos dos reds temerem a partida do egípcio no final da época, um medo proporcional à atual dimensão futebolística do esquerdino, hoje por hoje o melhor jogador do mundo.
Seja pelo feitio mais introvertido ou por motivos religiosos, o avançado do Liverpool está a anos-luz de muitos dos seus concorrentes ao nível do marketing pessoal, limitando-se quase sempre a ações de campanha dentro do relvado. Porém, face a épocas mais inconsistentes de Haaland , Vinícius Júnior e Mbappé, se nada acontecer até ao final da época e a formação superiormente dirigida pelo técnico neerlandês vencer a Premier League ou a Champions bem pode haver jogadores a fazerem piruetas com mortal carpado no Mundial de Clubes, nos Estados Unidos, que a próxima Bola de Ouro já estará encontrada.
Será um troféu mais que justo e porventura virá com atraso (ou pelo menos o egípcio já deveria ter entrado nestas discussões há mais tempo). Além da estética que tem percorrido todo o seu trajeto (a maioria dos seus golos faz os adeptos sorrir, além de vibrar) os números que apresenta são de uma consistência à prova de bala: Salah é neste momento o jogador na Europa com mais contribui para golos: 21 na sua conta pessoal e 13 assistências, 37 por cento dos golos do Liverpool nesta época em todas as competições.
Parece ser, novamente, o homem certo no clube certo, aquele que mais contribui do ponto de vista individual para um feito que não dá troféus, mas revela o estado de maturidade de uma equipa candidata a vencer (quase) tudo: de todos os atuais líderes dos 10 melhores campeonatos na Europa, o Liverpool é o único que passou diretamente aos oitavos de final da Champions – PSG, Real Madrid, Bayern, PSV e Sporting tiveram de ir ao play-off, Slavia Praga e Galatasaray jogam na Liga Europa, Nápoles e Genk está fora das competições europeias.
30 anos depois da Bola de Ouro de George Weah, (jogador do Milan, à data a melhor equipa da Europa), acredito que tudo se conjuga para que África volte a ter pela segunda vez o melhor jogador do mundo. E será uma espécie de regresso à regra interrompida por Rodri (e não, não é a posição): nos últimos 10 anos, o médio defensivo do Manchester City e campeão da Europa por Espanha foi o único jogador abaixo dos 30 anos a vencer o troféu - Ronaldo, Messi, Modric e Benzema dominaram os palcos numa idade que há 20 anos seria visto como uma impossibilidade física e biológica.
Das muitas coisas que se alteraram no futebol, a longevidade é provavelmente uma das mudanças mais marcantes e que se refletem no próprio mercado de transferências. Daí que aos 32 anos Mo Salah possa dar-se ao luxo de pedir o que quiser: tem muito tempo pela frente para ser o rei. Para muitos, um reinado inesperado.