Nunca mais chega dezembro!
Escrevo após a confirmação da venda de Filipe Relvas ao AEK Atenas. Uma venda que, embora compreenda, confesso, me incomodou. Me incomodou porque se trata de um jogador que vinha seguindo há uns anos, desejando que pudesse vir para o meu Vitória, como veio a suceder. Me custou por ser um jogador bastante sóbrio, sólido e previsível, que traria (como se viu) estabilidade ao setor defensivo. Me incomodou por ser um jogador ainda com apenas 25 anos, com potencial de crescimento e evolução, até para poder vir a ser vendido por montantes superiores.
Mas isto é como é. Não se trata da utilização do jargão de que o futebol é negócio, mas apenas porque o futebol não é diferente das demais atividades da sociedade, em que as receitas devem superar as despesas sob pena de insolvência das respetivas organizações. Filipe Relvas teve uma proposta — apesar de tudo boa — e o Vitória tem necessidade de vender jogadores para cobrir o seu défice anual de €17 M. As coisas são como são.
Queria recordar o meu artigo de há cerca de um ano (15.06.2024) que intitulei, precisamente, de «Choque de realidade»; artigo no qual refleti exclusivamente sobre a nossa realidade financeira. E nesse artigo recordei, sumariamente, que: o orçamento do Vitória (clube e SAD) é de €22 M. Deste valor, o Vitória consegue obter cerca de €5 M de receitas próprias (€2,5 M de bilhética e quotas e €2,5 M de publicidade e merchandising).
Estes números representam que, todos os anos, faltam ao Vitória € 17M de receitas, correspondentes a 77% do que se prevê gerar — um défice previsível astronómico! Isto porque, claro, faltam nestas contas as famigeradas receitas televisivas. €7 M por ano que recebem todos os clubes portugueses, menos o Vitória. €7 M por ano que, em 2020, foram antecipados por forma a que o Vitória recebesse, nesse ano, €35 M com a consequência de nada receber nos cinco anos seguintes.
Que é a carência que estivemos a experienciar nestes últimos anos, ou melhor, não podemos dizer que o montante não foi recebido, porque foi-o, mas todo de uma vez, o que fez que, se não corretamente investido (isto, do ponto de vista reprodutivo ou exclusivamente financeiro), ele fica a faltar na preparação de cada uma das épocas subsequentes. É o que estamos a viver. E por isso temos necessidade de nos desfazer de atletas em que ainda estamos a apostar se, como parece ser o caso, surgem propostas sobre os mesmos, sendo incerto que possam surgir sobre outros.
Segundo me é dado saber, em dezembro deste ano, dentro de seis meses, termina o período a que se reportou a antecipação de receitas decidida em 2020. Claro que, quando lá chegarmos, já a época vai a meio, pelo que, obviamente, a época 2025/2026 tem de ser preparada com esta contingência. Por isso me incomoda a venda do Filipe Relvas, embora a tenha de compreender.
Outra coisa importante a este respeito, que igualmente já disse no meu texto de junho do ano passado, mas que considero imperioso repetir: «Considero que as entidades reguladoras do futebol deveriam proibir práticas desta natureza ou, pelo menos, limitá-las ao período do mandato de quem as tome.
Não é admissível que quem entre na gestão de um clube tenha de fazer face à ausência de uma das receitas mais relevantes para um clube de futebol (no nosso caso, 32%) e tenha de gerir todo um mandato sujeito a esse condicionalismo. E tal como há regras de fair-play financeiro impostas pela UEFA também deveriam existir regras financeiras e orçamentais a cumprir pelos clubes portugueses, até porque é de competitividade que também se fala.»
Um apelo, por isso, para a Liga Portugal e para o seu novo presidente. Trata-se de uma imiscuição da liberdade decisória das organizações? Trata, claro. Mas quem define as regras cria as condições para participação nos campeonatos. E entre essas têm de estar duas que considero fundamentais: procurar assegurar-se, na medida do possível, a solvabilidade financeira dos clubes e, com isso, a sua perenidade em competição (veja-se o exemplo recente do Boavista) e, sobretudo, proteger os sócios e adeptos dos clubes, que, embora responsáveis pelas opções que tomam ao escolher os seus representantes, se deve evitar sejam afetados por decisões que obviamente nunca são discutidas em contextos eleitorais.
Rigor e previsibilidade. Fomento da competitividade. Afinal, não é igualmente imiscuição na gestão privada dos clubes as regras de fair-play financeiro impostas pela UEFA? No entanto existem e aplicam-se. Aqui, exige-se o mesmo.