Gyokeres (IMAGO)

Ninguém se importou até Gyokeres colocar a máscara

'Nobody cared until I put on the mask.'

A frase é de Bane, o vilão que desafia Gotham no derradeiro capítulo da trilogia O Cavaleiro das Trevas. Mas bem podia estar inscrita nas chuteiras de Viktor Gyokeres. O avançado sueco fez da citação uma filosofia, um aviso ao mundo - e uma celebração. Mão cruzados à frente da cara, como quem assume uma nova identidade. E, de cada vez que o faz, sabemos que algo mudou no jogo.

O futebol vive de golos, mas também de momentos - e poucos marcaram tanto uma época como Viktor Gyokeres. O avançado sueco tem sido uma força da natureza ao serviço do Sporting, somando 52 dos 119 golos leoninos esta temporada - 44% do total. Um número brutal, quase surreal. Mas a estatística é apenas a superfície. O sueco deu muito mais: profundidade ofensiva, espaços criados, assistências, presença emocional. Tornou-se um pilar silencioso, mas inabalável. É o símbolo maior de uma equipa que sonha a revalidação do título nacional. O Sporting não é só mais eficaz com ele - é mais temido.

No futebol, como na vida, há quem entre pela porta da frente com holofotes atrás. E há quem se faça notar pelo impacto. Gyokeres pertence à segunda categoria. Quando chegou a Alvalade, poucos sabiam o que esperar. Um avançado vindo do Championship inglês? Forte fisicamente, trabalhador, sim - mas uma incógnita ao mais alto nível. Porém, bastaram alguns jogos para se perceber que havia ali mais do que músculo e vontade. Havia fome. Havia caráter. Havia golo.

A máscara, essa, tornou-se um mito. Mas também um escudo. No cinema, Bane colocava a máscara para sobreviver - Gyokeres fê-lo para se transformar. Tornou-se personagem principal, antagonista das defesas adversárias, protagonista da esperança sportinguista. E, tal como o vilão da saga de Batman, não pede licença. Impõe-se.

Viktor Gyokeres lidera a corrida à Bota de Ouro 2024-25. Entrou definitivamente no radar do futebol mundial. O goleador sueco, com o póquer que assinou no Bessa, diante do Boavista (0-5), no domingo passado, passou a liderar a classificação da Bota de Ouro - prémio atribuído ao melhor marcador das Ligas Europeias pela ESM (European Sports Media), organização da qual A BOLA faz parte.

Com 38 golos marcados na Liga Portuguesa, e tendo em conta o coeficiente de 1,5 atribuído ao nosso campeonato, o sueco soma agora 57 pontos, ultrapassando nomes como Mohamed Salah do Liverpool, que conta 28 golos na Premier League (com coeficiente 2, o egípcio soma 56 pontos), e Robert Lewandowski do Barcelona, atualmente lesionado, que segue com 50 pontos. Logo atrás estão Harry Kane do Bayern de Munique (48 pontos) e Kylian Mbappé do Real Madrid (44).

Mas há mais. Com os quatro golos frente ao Boavista, Gyokeres atingiu os 61 golos esta época entre clube (52) e seleção (9), um número que o coloca ao lado de nomes históricos. No século XXI, só seis registos superam esta marca: Messi com 82 (2011/12), 69 (2012/13) e 62 (2014/15); Cristiano Ronaldo com 69 (2011/12), 66 (2014/15) e 62 (2013/14). E, com ainda vários jogos por disputar, o sueco pode muito bem aproximar-se dessas cifras.

Este foi já o sétimo hat-trick (ou mais) de Gyokeres esta época: Farense (fora), Estrela da Amadora (casa), Manchester City (casa), Azerbaijão (pela Suécia), V. Guimarães (fora), Moreirense (casa) e Boavista (fora). Um registo que só tinha sido alcançado por Messi e Ronaldo numa só temporada. Os extraterrestres. Agora, com companhia sueca.

Na história do Sporting, Gyokeres entrou definitivamente para a galeria dos imortais. Com 52 golos, já ultrapassou os 50 de Héctor Yazalde em 1973/74, quando conquistou a Bota de Ouro. Também deixou para trás os 39 golos de Manuel Fernandes em 1985/86 e tem agora pela frente dois marcos lendários: Jardel com 55 golos (2001/02) e Fernando Peyroteo com 58 (1945/46). E ainda faltam quatro jogos.

Curiosamente, na época passada, quando chegou a Portugal, marcou 29 golos. Um número que só por si já impressiona. Mas este ano elevou a fasquia a um nível estratosférico. À 31.ª jornada, soma 38 golos em 30 jogos da Liga, superando individualmente 11 equipas da competição. Só Benfica, FC Porto, Braga, V. Guimarães, Famalicão, Estoril e o próprio Sporting marcaram mais. Um feito quase impensável.

Com 95 golos em 98 jogos oficiais pelos leões, Gyökeres tem uma média de 0,97 golos por jogo, entrando diretamente para o top 5 da história do clube, superando o lendário Yazalde (0,96). À sua frente só Peyroteo (1,62), Sidónio (1,48), Jardel (1,06) e Puglia (1,00). Este século, apenas Super Mário teve melhor média.

E agora, com os 100 golos à vista - faltam cinco -, começa-se a desenhar o próximo capítulo da carreira de Gyokeres. Acredito que a saída no final da temporada será inevitável. Com o rendimento que tem tido, o interesse de grandes clubes é natural. Vejo-o perfeitamente num contexto competitivo como o da Premier League ou da La Liga. Arsenal, Liverpool, Chelsea ou Manchester United são destinos plausíveis.

No caso dos Red Devils, os constrangimentos financeiros podem complicar o negócio - o mesmo se aplica ao Barcelona, que teria aqui um substituto ideal para Lewandowski. O Real Madrid poderá ser um destino surpresa até porque se avizinha uma mudança de treinador nos blancos. O Chelsea, pelo perfil e estilo de jogo de Gyokeres, também seria uma opção interessante, até porque Nicolas Jackson nunca me convenceu e não tem nível para ser titular nos blues. Mas, para mim, o Arsenal é o destino mais provável. Tem o estilo, o treinador e o projeto certo para o receber. Além de ter os argumentos financeiros para deixar 100 milhões em Alvalade. Gyokeres é a peça que falta aos londrinos para deixar de estar perto de ganhar… e começar realmente a conquistar títulos. Vão terminar a Premier League no segundo lugar e enfrentar o PSG, em Paris, na segunda mão da meia-final da Liga dos Campeões, em desvantagem. Com Gyokeres, não tenho a menor dúvida: tudo seria diferente. Se o sueco não for parar aos Gunners, será uma enorme surpresa.

Para já, há um campeonato para disputar até ao fim com o Benfica. Amanhã em Alvalade o Sporting recebe o Gil Vicente. Conseguirá o Galo de Barcelos segurar os verdes e brancos liderados por Gyokeres? Tenho sérias dúvidas. Se o Sporting for campeão, haverá muitos méritos a distribuir. Mas ninguém ousará negar o papel de Viktor. O homem que não pediu aplausos - só golos. O avançado que virou símbolo. O herói que chegou com cara de vilão e conquistou tudo com bola nos pés e uma máscara na alma.

No fundo, ninguém se importou…

Até ele colocar a máscara.

«Liderar no Jogo» é a coluna de opinião em abola.pt de Tiago Guadalupe, autor dos livros «Liderator - a Excelência no Desporto», «Maniche 18», «SER Treinador, a conceção de Joel Rocha no futsal», «To be a Coach» e «Organizar para Ganhar» e ainda speaker.