Bruno Fernandes, Bobby e o lado humano do futebol
Há um lado do futebol que não aparece nas estatísticas, nem nos resumos televisivos. Um lado que não se mede em golos, assistências ou vitórias. É o lado humano, feito de empatia, de valores, de gestos que tocam o coração, que inspiram e que nos recordam que, por detrás das camisolas e dos estádios lotados, há pessoas com a capacidade de transformar vidas. Bruno Fernandes, capitão do Manchester United, mostrou isso ao mundo ao responder ao sonho de Bobby - um jovem adepto que queria apenas conhecê-lo. Nesse momento, Bruno Fernandes não foi apenas o jogador que marca, que assiste, que faz passes teleguiados ou que comanda a equipa no relvado. Foi líder fora das quatro linhas. Levou Bobby pela mão, literalmente, até ao centro do Teatro dos Sonhos, tornando-o o primeiro mascote em cadeira de rodas da história do clube.
Bobby não anda...
O corpo é, tantas vezes, uma prisão silenciosa - invisível aos olhos, mas implacável nos seus limites. No caso do Bobby, uma criança de Belfast, essa prisão tem um nome longo, clínico e impiedoso: atrofia muscular espinal. Um diagnóstico frio que esconde uma realidade dura - os músculos deixaram de responder. Mas a vontade, essa não. Essa resiste. Vive. Luta. Porque, mesmo quando o corpo desiste, há almas que continuam a gritar por dentro, com uma força impossível de ignorar.
Bobby tem sete anos. Um sorriso aberto. Um coração gigante. E uma paixão inabalável por futebol. Escreveu uma carta. Não ao Pai Natal, nem a um qualquer super-herói de banda desenhada. Escreveu ao seu ídolo: Bruno Fernandes, internacional português do Manchester United.
Pediu pouco. Pediu tudo. Só queria conhecê-lo. O homem que, vestido de vermelho, corre, finta, remata, sonha e luta - por ele, que não pode.
O gesto parecia ingénuo, aparentemente inútil. Como gritar no meio do vento. Como tentar convencer uma tempestade a mudar de direção ou até como lançar uma garrafa ao mar e esperar que alguém, algures, a encontre. Mas o universo, por vezes, surpreende. E desta vez, escutou. O Manchester United escutou. Bruno Fernandes escutou. E respondeu.
Carrington, centro de treinos dos Red Devil’s, foi o palco onde o impossível se fez possível. Bobby não só conheceu Bruno Fernandes, como foi recebido como verdadeiro protagonista. Visitou as instalações. Tocou a relva onde os sonhos se jogam. Abraçou o seu herói. Conheceu jogadores, treinadores, e até o técnico Ruben Amorim, num momento raro em que o futebol se esqueceu das fronteiras e se lembrou das pessoas.
O culminar? Entrar no relvado de Old Trafford, de mão dada com Bruno. Sim, Bruno Fernandes. Naquele túnel que conduz ao lendário tapete verde do Teatro dos Sonhos, não caminhavam apenas um jogador e um adepto. Caminhavam dois seres humanos, ligados por um amor comum - o futebol - e por algo ainda maior: a capacidade de inspirar. Diante de 75 mil pessoas. Diante do Manchester City de Guardiola. Diante do mundo. Naquele instante, Bobby fez história. Tornou-se o primeiro mascote em cadeira de rodas a entrar em campo pelo Manchester United. E, nesse momento, o futebol voltou a ser o que sempre deveria ser: humano, transcendente e inspirador, capaz de tocar onde as palavras não chegam.
Bruno não marcou nenhum golo. O dérbi de Manchester terminou sem golos. Mas, mesmo assim, entregou a camisola a Bobby. Como quem entrega um símbolo. Uma promessa. Uma memória para sempre.
Bobby não anda mas move tudo à sua volta...
Com o brilho no olhar. Com a ausência de queixas. Com a lucidez serena de quem sabe que a vida, mesmo difícil, ainda pode ser extraordinária. Naquela tarde do dia 6 de abril, o futebol não salvou o mundo. Foi o Bobby quem salvou um pedaço do futebol.
No ano passado, também eu vivi, numa situação pessoal e do foro privado, a concretização de um sonho de uma vida. Aconteceu também em Manchester. Foi o sonho de alguém muito próximo e especial. Moveram-se montanhas. O impossível transformou-se em realidade... Já em solo inglês, chegaram ofertas de 1.700 libras por cada bilhete para ver o Manchester United - sem que tivéssemos sequer procurado vender. Não negociámos. Nem por um segundo hesitámos. Costumo dizer que o dinheiro não paga tudo… e há momentos que simplesmente não têm preço, nem estão à venda. São para ser vividos. E foram. Intensamente.
Foram dois dias mágicos, fortes, carregados de emoção, partilhados por quatro pessoas que levarão essa experiência no coração para sempre. Um turbilhão de sentimentos que culminou num jogo absolutamente louco: 120 minutos de emoção pura, reviravoltas, gritos, lágrimas e sorrisos.
No fim, o Manchester United venceu o eterno rival, o Liverpool de Jürgen Klopp, por 4-3, e carimbou a passagem às meias-finais da Taça de Inglaterra.
Foi muito mais que um simples jogo. Foi mais do que futebol. Por isso, escrevo-o com convicção: o futebol é - e será sempre - muito mais do que futebol. São estas histórias que o sustentam e que o inspiram. São estas pessoas que o tornam mágico.
Parabéns, Manchester United.
Parabéns, Bruno Fernandes.
E força, Bobby.
Porque o mundo precisa de mais histórias assim. E o futebol também.
«Liderar no Jogo» é a coluna de opinião em abola.pt de Tiago Guadalupe, autor dos livros «Liderator - a Excelência no Desporto», «Maniche 18», «SER Treinador, a conceção de Joel Rocha no futsal», «To be a Coach» e «Organizar para Ganhar» e ainda speaker.