Vitor Pereira 600: da Sanjoanense ao sucesso na Premier League
Vítor Pereira é um treinador que valorizo - não tanto pelos títulos que conquistou, mas pela sua personalidade frontal, autêntica e determinada. Esses traços de personalidade estão presentes de forma evidente no modo como lidera, gere e treina as suas equipas. Tive o privilégio de privar com ele em dois eventos de formação e, mais do que o conhecimento que trocámos abertamente, impressionou-me a sua humildade, a transparência no diálogo e a genuína vontade de aprender e evoluir - sempre fiel aos seus valores, sem nunca procurar subterfúgios ou esconder-se nas conversas que tivemos.
Dotado de uma autoconfiança sólida, acredita profundamente nas suas ideias e não hesita em expô-las, mesmo sob crítica ou pressão. Isso ficou claro no seu percurso no FC Porto, onde, apesar do ceticismo inicial, conquistou dois campeonatos consecutivos com mérito.
Vítor Pereira é, acima de tudo, um treinador em constante evolução. Mostra uma notável capacidade de adaptação e uma curiosidade intelectual que o impulsiona a crescer em diferentes culturas, ambientes e realidades do futebol internacional.
A sua identidade é inconfundível: rigor, exigência, mentalidade competitiva e um compromisso permanente com a excelência e a melhoria contínua. Recordo uma conversa recente com um amigo que foi treinado por ele - o médio luso-brasileiro Fernando Reges, o polvo - que me disse:
«Foi um dos melhores treinadores que tive. Sabia exatamente o que queria da equipa e conseguia implementar a sua ideia de jogo com enorme eficácia. Com bola, dominávamos; sem bola, estávamos sempre bem posicionados. O que mais me impressionava era a nossa capacidade de encontrar espaços contra equipas muito fechadas — algo que nem sempre era fácil com outros treinadores. Normalmente, as equipas que enfrentavam o FC Porto baixavam as linhas e fechavam os caminhos, dificultando a criação de oportunidades. Mas, com ele, movimentávamo-nos de forma inteligente e conseguíamos desmontar blocos baixos com relativa facilidade. Essa organização e dinamismo tornaram aquela equipa uma das mais agradáveis em que joguei. Vítor Pereira era um treinador extremamente tático, com grande capacidade para explorar os espaços e tornar a equipa altamente organizada. Jogávamos um futebol bonito, fluido e dominador.»
Com passagens por clubes como FC Porto, Fenerbahçe, 1860 Munique, Olympiakos, Corinthians, Flamengo e Al-Shabab, Vitor Pereira soma 321 vitórias, 144 empates e 135 derrotas. Mas mais do que os números - impressionantes, sem dúvida - cada jogo encerra uma narrativa própria. Porque para Vítor Pereira, cada partida é uma nova oportunidade de evoluir, de liderar, de inspirar e de conquistar. E a história que está agora a escrever ao leme do Wolverhampton é, sem dúvida, uma das mais marcantes da sua carreira.
Chegar, ver e vencer. Pode parecer um clichê, mas é uma expressão que define a passagem de Vitor Pereira pelo clube inglês. Há histórias no futebol que não precisam de muitos floreados para serem bonitas - basta contá-las como são. Vitor Pereira assumiu o comando do clube britânico à 17.ª jornada da Premier League, com apenas nove pontos conquistados e a equipa afundada no penúltimo lugar da tabela, a seis pontos da zona de salvação. Hoje, os Wolves estão 12 pontos acima da linha de água - uma recuperação notável.
Em apenas três meses alcançou um feito histórico: estabeleceu a mais alta taxa de vitórias do clube na Premier League desde 1960, com uns impressionantes 42,9%. Um registo que apenas é superado por figuras lendárias como Ted Vizard e Stan Cullis.
Se a Premier League tivesse começado na 17.ª jornada, o Wolverhampton ocuparia atualmente o 10.º lugar da tabela, com 20 pontos, à frente de gigantes como Manchester United, Chelsea e Tottenham. Nos últimos dois meses, apenas Liverpool e Arsenal somaram mais pontos do que os Wolves.
Vítor Pereira apresenta ainda uma média de 1,53 pontos por jogo, superando o registo de Nuno Espírito Santo (1,41), um dos técnicos mais marcantes da história recente do clube. Sob a sua liderança, os Wolves mantiveram a baliza inviolada em três dos sete jogos realizados em casa - igualando, em menos de metade dos jogos, o registo de Nuno em 20 partidas no Molineux.
A mudança não foi apenas tática, foi sobretudo emocional. O português trouxe muito mais do que organização defensiva e resultados. Trouxe identidade. E os adeptos sentiram isso. A declaração espontânea sobre gostar de ir ao pub, conviver, beber uma cerveja e sentir a paixão dos adeptos fez ser um dos seus. Hoje, os adeptos gritam nas bancadas pelo treinador luso. O futebol não é apenas sobre táticas e estatísticas, é sobre conexão, sobre perceber o que um clube representa para a sua cidade. E ele percebeu isso desde o primeiro dia.
Mais do que a posição na tabela, o que salta à vista é a forma como a equipa se apresenta em campo - com ideias, com organização, com disciplina tática, com coragem. Vê-se ali um dedo de treinador, e dos bons.
A disciplina é um valor que Vitor Pereira não negoceia. De fato, uma equipa mal-organizada, tanto dentro quanto fora de campo, está inevitavelmente condenada à instabilidade. A passagem de O'Neil pelos Wolves foi marcada por uma gestão fragilizada da equipa. Pequenos deslizes disciplinares, como atrasos, regras inconsistentes e falha na comunicação, rapidamente se transformaram em problemas maiores. No futebol de alto rendimento, há hierarquias que não se podem inverter. Quando isso acontece, os resultados começam a não aparecer.
Ao assumir os Wolves, Vítor Pereira tinha um objetivo claro: restabelecer a disciplina e a organização como bases do sucesso. Aumentou a exigência nos treinos, estabeleceu regras mais rigorosas e elevou o padrão de excelência em todo o grupo. Um dos primeiros sinais dessa nova era foi a decisão de afastar Mario Lemina, um jogador que não se enquadrava no padrão disciplinar que o luso pretendia implementar. Ao tomar esta atitude, deixou claro para todo o plantel que ninguém está acima da equipa. A mensagem foi direta: a disciplina e a organização não são negociáveis.
Essa disciplina não se reflete apenas na postura dos jogadores fora de campo, mas, sobretudo, no desempenho dentro das quatro linhas. A equipa passou a apresentar uma identidade mais forte, um bloco mais coeso e um compromisso coletivo evidente. Detalhes como a pressão coordenada e a recuperação defensiva imediata tornaram-se visíveis, fruto de um grupo focado e disciplinado.
Hoje, os Wolves revelam sinais claros de crescimento e têm a permanência na Premier League praticamente garantida. No futebol, talento e tática são decisivos, mas sem liderança, organização, disciplina e estrutura, nenhum projeto se sustenta. Vítor Pereira devolveu identidade e rumo à equipa - e isso merece reconhecimento. Parabéns.
«Liderar no Jogo» é a coluna de opinião em abola.pt de Tiago Guadalupe, autor dos livros «Liderator - a Excelência no Desporto», «Maniche 18», «SER Treinador, a conceção de Joel Rocha no futsal», «To be a Coach» e «Organizar para Ganhar» e ainda speaker.