Na luta diária imigrante por melhores condições, há espaço para sonhar
Asim Sarwar, Mian Shahid, Paulo Malo e Carlos Nunes são os protagonistas de um retrato sobre o cricket português. Esta é a segunda parte de uma reportagem sobre quem utiliza o desporto como escape e recordação de uma casa que ficou a milhares de quilómetros de distância.
Segundo o relatório das migrações e asilo de 2023 da Agência para a Integração, Migração e Asilo (AIMA), a comunidade indiana em Portugal era composta por 44.051, perfazendo 4,16 % do total da população estrangeira residente de forma legal em Portugal em 2023: 1.044.238.
A onda de crescimento é notória numa comunidade que em 2019 somava apenas 17.619 cidadãos e não entrava no top 10 de nacionalidades mais representadas em Portugal.
Ainda assim, a trajetória crescente pode ter os dias contados e estagnar a subida do número de praticantes de cricket. Na última semana, a Assembleia da República aprovou uma proposta de lei anti-imigração propostas pelo Governo. Caso esta iniciativa seja promulgada pelo Presidente da República, um cidadão que não tenha origem em países de língua oficial portuguesa apenas poderá iniciar o processo de naturalização dez anos depois de obter o título de residência.
Numa altura em que o debate político gira, entre outros temas, em torno da imigração, Asim defende que nunca se sentiu rotulado por ser paquistanês: «Para mim tem sido muito bonito. Encontrei pessoas muito amáveis aqui. Sempre que vou para o Paquistão, falo sempre bem das pessoas portuguesas. São muito altruístas, ajudam os imigrantes.»
« Sendo estudante não enfrentei qualquer dificuldade, não sei se somos tratados de maneira diferente por estarmos a estudar. Mas coisas estão a mudar gradualmente, não só em Portugal mas em todo o lado» acrescentou. Se nos dois primeiros anos do doutoramento, dividia o ano entre Lisboa, a chegada da esposa, também estudante no ensino superior, e do filho a Lisboa tudo mudou para Asim e abriu a porta a um futuro em terras lusas.
Esta é a realidade de grande parte da equipa do Malo: chegam a Portugal sozinhos via visto de trabalho ou de estudante e trabalham de segunda-feira a domingo para sustentar não só o quotidiano em terras lusas, mas também a família que permanece no sul da Ásia.
Mian, já estabilizado em Portugal e detentor de dupla nacionalidade desde 2018, é a exceção à regra: «Os meus filhos já estão comigo há três anos e já apreendi a cultura portuguesa. Vou de férias para o Paquistão, mas estou mais contente cá.» Enquanto a filha fica apenas pelo interesse teórico pela modalidade, o capitão do Malo CC já conta com a companhia do descendente mais velho na equipa, que enverga o n.º 8. Shahid destaca-se pelo 16 que apresenta nas costas.
«Há os dois lados. Há muita gente da nossa comunidade a segurar a agricultura e a construção civil e a ganhar dinheiro para ajudar a família. Só que há gente que não sabe as regras e não as cumpre. Podemos dizer que no país de origem ainda estão no século passado» analisou Mian, defendendo a existência de uma dicotomia que baralha as perceções sobre imigração.
O sonho mundial comanda a vida imigrante
Apesar de já não ser internacional luso, Shahid alimenta um sonho considerado impossível há poucos anos: «Da maneira que estamos a subir, tenho esperança que em pouco tempo já estejamos no Mundial do cricket.»A falta de condições profissionais condiciona o caminho até aos grandes palcos da modalidade, mas a distância é bem mais curta em relação a 2001, ano de criação da Federação Portuguesa de Cricket.
O crescimento da comunidade asiática em Portugal precipitou a subida exponencial do número de equipas e o desenvolvimento da Seleção Nacional. A equipa das Quinas vai escalando posições no ranking do International Cricket Council, entidade que regula a modalidade, na categoria T20.
A modalidade mais curta de cricket integrará os Jogos Olímpicos de 2028, em Los Angeles, após um interregno de 128 anos, num palco reservado para as principais potências do desporto, da África do Sul à Inglaterra, passando pelo sul do continente asiático.
Ainda longe dos grandes palcos, a equipa portuguesa de cricket é composta maioritariamente por atletas semi-profissionais que representam clubes estrangeiros e vivem fora de Portugal. Este é o caso de Carlos Nunes, capitão da Seleção Nacional a viver em Londres desde 2006: «Em2024, telefonaram-me e perguntaram se queria jogar por Portugal, nem sabia que jogavam cá. Os jogadores não percebiam a tradição, mas o nível é muito bom. Espero que no futuro possamos colocar as tradições inglesas no cricket português.»
Nascido e criado na África do Sul, o luso-descendente reforça a importância da melhoria das infraestruturas para a prática da modalidade, mas não fecha a porta a um apuramento histórico num futuro próximo: «Portugal poder qualificar-se para o Mundial com portugueses cá nascidos é o sonho, mas não podemos fazer isso sem pessoas de fora que joguem e ensinem crianças a jogar. A única forma de perceber as tradições é a partir do exterior.»
Já Paulo Malo rejeita a promoção pela via escolar, mas destaca que a solução para o aumento da visibilidade da modalidade está na próxima geração: «Podemos criar equipas de formação ou até os clubes portugueses poderão ter uma divisão de cricket . Temos alguns jogadores já casados e os filhos deles vão aprender a jogar.»
Não vamos ter em Portugal equipas de cricket com maioritariamente portugueses nascidos cá nos próximos anos. Mas na também não sei quantos jogadores nacionais é que a equipa de futebol do Benfica tem. O que interessa é que sejam seres humanos bons, que joguem e que se divertam» garantiu, entre demarcações do estatuto de presidente ou de patrocinador.
Pode ler a primeira parte da viagem até ao cricket português aqui