Mundial: «A partir de agora não existem limites»
Tendo chegado a Portugal, no verão de 2021, integrado na equipa de Albertinho Silva como adjunto e biomecânico, após Miguel Arrobas ter assumido os destinos da federação em dezembro e optado por não manter o prestigiado técnico lusobrasileiro como DTN, à frente do CAR Jamor e da orientação especifica de nadadores como Diogo Ribeiro, Samie Elias, de 34 anos, foi o eleito para a sucessão.
Trabalhar com Diogo Ribeiro diariamente foi, na verdade, uma continuidade, mas agora com maiores responsabilidades e poder de decisão e após o duas vezes campeão do Mundo em Doha-2024 não ter vivido a estreia nos Jogos de Paris-2024 ao nível que desejava.
Apesar da lesão sofrida em março, as três medalhas no Europeu sub-23 (ouro aos 50 livres e 50 mariposa e prata aos 100 mariposa) há um mês, foi o primeiro teste, e positivo, ao trabalho feito. Mas agora vem aí uma expectante prova de fogo com o Mundial de Singapura, começa na próxima madrugada, e onde Ribeiro defenderá os títulos dos 50 e 100 mariposa. Todos sabem que não será fácil manter-se no pódio face à concorrência, mas quisemos saber o que pensa Samie e como tem sido a relação entre os dois sobre a qual Ribeiro já elogiou mais do que em uma ocasião.
— Este não vai ser o seu primeiro Mundial por Portugal, mas é o primeiro como treinador principal do Diogo Ribeiro. São já mais de três anos a trabalhar com ele, mas agora é diferente. Agora é o treinador principal [no CAR Jamor]. Como é que tem sido trabalhar com o Diogo desde Janeiro?
— Já sabia que ia ser um desafio imensurável e conseguiu ainda superar as expectativas. Mas é aquele desafio que gostamos muito de alcançar e encontrar. Ao mesmo tempo, é bastante stressante porque este ano aconteceu um pouco de tudo e gostei bastante ter de lidar com isso. Divertimo-nos nos momentos bons e aguaentámo-nos muito bem nos menos bons [em março Diogo sofreu uma lesão no labro do ombro esquerdo e correu o risco de ter de ser operado]. Fiquei extremamente satisfeito como toda a equipa se comportou. Por enquanto, estou satisfeito com a minha performance, que era algo que mais me preocupava. Como iria ser essa troca [saída de Albertinho Silva] e, principalmente, conseguir desempenhar o que sei que sabia fazer bem e dar esse passo em frente. Até agora as coisas estão a correr bem.
— As três medalhas de Diogo no Europeu sub-23 de Samorin há duas semanas, duas de campeão da Europa [50 livres e 50 mariposa e prata nos 100 mariposa], aliviou essa pressão que tinha sobre si?
— Obviamente que sim. Durante todo o tempo desde que estou no alto rendimento a concretização do trabalho é sempre com esse objetivo. É para isso que trabalhamos tanto. Mas, é claro que ficamos sempre mais felizes quando existe a conquista da medalha em si. No entanto, até lá, estava mais tranquilo quando via aquilo que tínhamos planeado, que é um trabalho a muitas mãos, e o resultado disso no dia a dia. Estava extremamente satisfeito, e continuo, mais como os treinos vão correndo do que nas próprias provas. As competições são um ponto alto, é o que nos deixa eletrizantes e é por isso que fazemos isto. Mas, não sei, acho que tenho mais referências e crio a minha confiança mais no que acontece no dia a dia, no nosso relacionamento, do que na própria concretização. Apesar de que o que tento passar sempre para eles é que estamos a trabalhar para um processo acima do que as pessoas podem imaginar. Chegar a um nível que poucos ainda conseguem cumprir e é natural que esse processo todo, esse desgaste, é para conseguirmos concretizar ainda mais.
— Quem é que puxa mais por quem, o Samie ou o Diogo?
— Penso que essa ligação é que faz as coisas funcionarem. Há dias em que sou eu, há dias em que é ele e é assim que resulta muito bem.
— Depois de ter ganho a segunda medalha de ouro no Europeu sub-23, o Diogo disse que o treino, corpo e a parte psicológica estava tudo em equilíbrio e por isso aqueles tempos e resultados. Mas também afirmou uma coisa: que o Samie o escutava muito. Consegue explicar essa declaração?
— Para se conseguir chegar a um determinado patamar os treinadores, os profissionais do desporto, não trabalhamos com máquinas, com ferramentas, não é matemático. Apesar de ter muita matemática, existe igualmente muita ciência envolvida e este ano avançamos muito nesse processo. Mas, se a mente e o corpo do atleta não corresponderem, não há como lá chegar. E é impossível chegarmos lá através de ferramentas, precisamos ter uma comunicação extremamente aberta, extremamente confiável, fiável e através da qual pudesse-mos falar sobre qualquer coisa. Esse é o ponto que considero ser principal. A ciência e a técnica estão lá, são mais fáceis de controlar, mas ainda trabalhamos com pessoas. Mantê-las bem e motivadas, assim como motivadas quando não estão bem, essa é a parte fundamental. Terem conhecimento do que aí vem, o que podem esperar e principalmente a ajuda de como lidar com essas coisas é o tentamos fazer. Acredito que, por enquanto, temos feiro um bom trabalho.
— Não falando de medalhas, porque depende de muitos factores, como é que estão os adversário, daquilo que viu no estágio em Tenerife [efetuado após o Euro] e do aconteceu no Europeu sub-23, onde o Diogo não se encontrava no máximo de forma, no Mundial vai ser para bater todos os recordes do que ele irá nadar?
— Treinamos com os pés no chão e competimos com o coração. A partir de agora, é zero expectativas para nada. Não pensamos, não pedimos tempo e não pedimos classificação porque simplesmente, a partir de agora, não existem limites. Os limites vão acontecer após a competição. Nesse momento iremos analisar o que tiver acontecido. Neste momento não temos como analisar e o meu trabalho não é prever os resultados, nem o deles. É a forma de como procuramos trabalhar. Por isso, expectativas? Temos as melhores expectativas que possam existir. Locais, classificações, vamos lá para fazer coisas que nem sabemos o que irá acontecer. É para isso que trabalhamos, para nos surpreendermos e surpreendermos todos. Acho que essa é a beleza do desporto, essa imprevisibilidade e que faz com que fiquemos todos envolvidos. É basicamente isso, trabalhámos para fazermos coisas além do esperado. Vamos ver se conseguimos concretizá-lo.