Vítor Paneira nas instalações de A BOLA (FOTO: ANDRÉ CARVALHO)
Vítor Paneira nas instalações de A BOLA (FOTO: ANDRÉ CARVALHO)

«Mourinho é um mestre a mexer na cabeça de toda a gente»

Vítor Paneira, jogador do Benfica entre 1988 e 1995, é candidato a diretor técnico do futebol do Benfica, na lista de João Noronha Lopes. Em longa entrevista a A BOLA elogia o atual treinador dos encarnados

 -Nesta luta de alguns meses entre duas candidaturas, cria-se algum mal-estar entre jogadores que foram colegas de equipa?

-Nada. Tenho o mesmo relacionamento que tinha com o Rui Costa, de 2017 a 2025. E daí para trás. O Rui Costa tem comigo um comportamento exemplar e eu tenho com ele. Temos a mesma relação que tínhamos: de respeito e de amizade. Mas hoje estou do outro lado. Porque defendo um Benfica diferente. E o Rui Costa também. Quando o Rui Costa chegou ao Benfica, eu já cá estava. Ele começou na formação, naturalmente, mas a mística não se passa da formação para cima. É importante dizer isso. A mística passa da equipa principal para baixo. E o Rui Costa, quando chegou, sabia a exigência que é jogar no Benfica. E sabe melhor do que ninguém que a exigência é jogar no Benfica.

 -A sua função de diretor técnico do futebol do Benfica é exatamente o quê?

 -Já o expliquei uma tonelada de vezes, mas vou explicar mais uma vez. Vejo muitas vezes comentários em programas desportivos em que dizem não saber muito bem o que é que o Vítor Paneira vai fazer. Ok, vou dizer. O diretor técnico está próximo da equipa. Está permanentemente no treino, a acompanhar a equipa, o treinador e os jogadores. Depois, tenho a responsabilidade de estar atento aos campeonatos portugueses, especialmente às ligas inferiores. Perceber o que pode surgir no mercado nacional e que possa interessar ao Benfica, porque temos de apostar claramente também no mercado nacional. Vou ser ainda o responsável pelos jogadores emprestados do Benfica.

-Tem ideia de quantos são?

-Não posso precisar, porque ainda não tive acesso aos dossiês sobre isso.

-Neste momento, o Benfica tem no plantel principal cerca de 30% dos jogadores da formação. Número aceitável?

 -Temos de perceber se temos formação para a estatística ou formação para a aposta. São claramente diferentes. Vou arriscar, embora não o devesse fazer: o Sporting, na terça-feira, frente ao Alverca, deu uma lição ao Benfica, com seis ou sete jogadores da formação a jogar na Taça da Liga. Nós metemos um jogador ou dois e ao minuto 84. No ano passado, ganhámos tudo o que havia para ganhar na formação e não temos uma aposta clara na formação. Naturalmente, o jogador de futebol da formação é como uma pirâmide: nem todos podem chegar à equipa principal, mas vamos trabalhar com aqueles que têm talento para lá chegar e vamos fazer com que acreditem que a equipa principal não é só uma miragem.

-Dos 30 por cento que referi, apenas António Silva e Tomás Araújo têm jogado com frequência. Depois há João Rego, João Veloso…

-É muito pouco. É pouco porque não é efetivo. O António Silva é um jogador que tem jogado e tem à volta de 200 jogos já na equipa principal. Portanto, ele já é um jogador com experiência e maturidade para jogar na equipa principal. Mas depois não temos mais apostas claras. Precisamos de jogadores que joguem. Que nós sintamos que têm de jogar na equipa principal porque são mais-valias. A formação do Benfica é a melhor de Portugal e uma das melhores do mundo. Então, temos de fazer uma aposta clara na nossa formação na equipa principal.

-No último debate da BTV, Noronha Lopes disse que Rui Pedro Brás tinha sido comentador televisivo, como se fosse algo menos ideal para estar como diretor desportivo. Mas o Vítor também foi, o Nuno Gomes também foi. Ter sido comentador televisivo é um contra?

-Não. Mas eu fui jogador de futebol e não me lembro de o Pedro Brás ter dado um chuto numa bola. Eu joguei futebol e estou no futebol há 40 e muitos anos, portanto, não se pode comparar o Rui Pedro Brás com o Vítor Paneira ou com o Nuno Gomes. Mas respeito o Rui. É um senhor que se preparou e que tem toda a legitimidade para seguir uma carreira também como diretor desportivo. Nada contra. Mas não se pode pôr em causa o Nuno Gomes. Temos o Nuno Gomes, o Vítor Paneira e o Pedro Ferreira, e temos o Tomás, e depois temos o Vítor Paneira… Há sempre dúvidas sobre nós. E vou perguntar o seguinte: quem é o diretor desportivo ou quem é o vice-presidente para o futebol da lista do Rui Costa? Sabe quem é? Não? É o senhor Humberto Coelho. O senhor Humberto Coelho, um grande jogador, uma das maiores lendas do futebol. Já perguntaram ao senhor Humberto Coelho qual é o programa dele? O que é que ele vai fazer com a equipa profissional? Qual vai ser o acompanhamento da equipa B? Quem são as pessoas que estão abaixo dele? Qual é o projeto que ele tem para o futebol do Benfica? Era uma pergunta que também deviam fazer. Não é só questionar o Vítor Paneira, o Nuno Gomes, o Pedro Ferreira e o Tomás.

-Que avaliação faz das contratações feitas ao longo de 3 ou 4 anos por Rui Pedro Brás?

-Não vou avaliar a competência do Pedro Brás. Fez o seu melhor trabalho, de certeza absoluta. Mas muitas vezes as coisas eram feitas muito em cima do joelho. O Benfica trabalhava sempre no limite, não preparava aquilo que seriam as suas aquisições e aquilo que o scouting normalmente identifica para poder atacar as lacunas que o Benfica tem. Teve coisas boas e coisas negativas. Teve jogadores que foram apostas. Esta equipa foi uma equipa preparada para o Bruno Lage, em função daquilo que seria a ideia de jogo do Bruno Lage. Mas já se provou que, com José Mourinho, não funciona. Ele quer jogadores diferentes e estamos preparados para lhe dar as melhores condições.

 -Imagine que ganha as eleições de 8 de novembro. No dia seguinte, o Benfica recebe o Casa Pia e a 21 joga com o Atlético para a Taça de Portugal. O que vai dizer aos jogadores?

-Vou dizer muito pouco nos primeiros tempos e não vou dizer muito também nos outros tempos. Vou ser uma pessoa claramente disponível para todos e querer dar as melhores condições aos jogadores e aos técnicos. Ser um elo para reforçar a grandeza do Benfica e proporcionar-lhes as melhores condições possíveis. Naturalmente, nos primeiros dias, terão de ser o nosso presidente e o Nuno Gomes a fazer esse papel.

-José Mourinho já disse que alguns jogadores do Benfica são um bocadinho macios demais. O Vítor conseguirá fazê-los soltar aquele animal que o Vítor tem e, assim, transfigurá-los?

-Não é preciso. José Mourinho é, claramente, o mestre a mexer na cabeça de toda a gente. Comunica com ninguém e sabe como tirar o maior aproveitamento dos jogadores. Vai criar jogadores à sua imagem.

-Conhece bem José Mourinho?

-Curiosamente, só falei com ele numa gala da Federação. Cruzámo-nos e cumprimentámo-nos. Tenho uma grande admiração por ele e acho que é dos melhores treinadores do mundo.

-O Vítor está do lado dos que acham que Mourinho foi, mas já não é, um dos melhores treinadores do mundo, ou ainda continua a ser?

-Imaginemos a lista dos 20 melhores treinadores do mundo: Mourinho está lá. Imaginemos o top 10: Mourinho está lá. Entre milhares e milhares de clubes no mundo, o Benfica tem um dos melhores treinadores do mundo. Temos de estar satisfeitos por termos o José Mourinho connosco.

-Houve alguma possibilidade de falar com Rúben Amorim para tentar perceber como é que era a vida dele no futuro?

-Essa área não passou por mim, mas houve conversas. Há uma relação muito boa entre Nuno Gomes e Rúben Amorim, como há também com o Bernardo Silva.

 -Tem gostado do futebol do Benfica nos últimos jogos?

 -Podemos melhorar. E o Mourinho vai, com certeza, melhorar a qualidade do nosso jogo. Temos todas as condições para isso. Temos jogadores que ainda não se encontraram e jogadores que vão melhorar com o campeonato.

 -Acredita que Bernardo Silva regressará ao Benfica?

 -Acredito. Ele tem um desejo enorme de voltar ao Benfica e precisa de voltar ao Benfica, de jogar na equipa do coração dele. Esperemos que seja o mais rapidamente possível, porque ele ainda agora está a dar cartas no campeonato inglês.

-Uma das críticas que se tem feito a Rui Costa é ter deixado sair João Neves não pela cláusula de rescisão, mas por um valor relativamente baixo. Seria possível, com Noronha Lopes, ele ter ficado?

-Não estou dentro das finanças do Benfica e não sei qual a necessidade de ter que vender o João. Achamos é que o João deveria ter ficado pelo menos mais um ano. Se somos o Benfica e se o Sporting conseguiu reter os melhores jogadores durante um tempo, se o FC Porto consegue reter o Diogo Costa na baliza — e o Diogo deve ter tido propostas elevadíssimas —, o Benfica tinha de ter capacidade para aguentar o João durante mais um ano. 

-O Vítor falou também de que gostaria que o Benfica voltasse a ter presidentes com uma grandeza relativamente diferente e presumo que estivesse a falar daqueles presidentes que conheceu: João Santos, Manuel Damásio e Jorge de Brito. Eram presidentes diferentes?

 -Quando cheguei ao Benfica, os presidentes eram figuras quase intocáveis. Apareciam poucas vezes e tinham uma imagem muito forte de respeito e, ao mesmo tempo, de aproximação. Eram de uma gentileza enorme e eram pessoas com uma grande capacidade de serem cuidadosas com os jogadores.

 -João Noronha Lopes tem esse perfil?

 -Claramente. Noronha Lopes é líder e sabe ser líder.

-Consegue entender o que terá falhado na primeira volta?

 -Tínhamos dois objetivos: ganhar à primeira ou ir à segunda volta. Portanto, estamos por dentro e está tudo zero a zero. Vamos corrigir alguns erros, pois esta campanha foi muito centrada em discussões, atritos e ataques pessoais, mas não resultou em nada. Temos de falar, sim, do nosso projeto. O nosso projeto está completamente identificado e toda a gente sabe o que vai fazer no primeiro dia. Toda a gente sabe quais serão as suas relações com a equipa de futebol, a quem temos que prestar contas. E pergunto: qual é o projeto desportivo do Rui? Não sabemos.

-Há quem diga que, para ganhar as eleições, a vossa lista tem de apostar nas grandes figuras, como Vítor Paneira, Nuno Gomes ou Bagão Félix. É assim?

-Temos uma equipa e o João Noronha Lopes é claramente o nosso líder. Precisamos, sim, de manifestar mais aquilo que é o nosso projeto. Temos de falar do nosso projeto, não temos de falar de pessoas, nem de atacar ninguém.

-Que mensagem quer deixar aos benfiquistas para a segunda volta?

-Quero ver outra vez a moldura humana que foi às urnas a 25 de outubro. Foi um motivo de orgulho para todos nós sentirmos que o Benfica é, claramente, o maior clube de Portugal e do mundo. Parámos o país, como o Benfica parava a guerra do Ultramar, outra vez. Quero ainda agradecer ao seu jornal e reafirmar que A BOLA continua a ser a minha bíblia. Foi com muito gosto e muito orgulho que vim aqui recordar também um dos maiores jornais que temos no país desportivo.