Vítor Paneira nas instalações de A BOLA (FOTO: ANDRÉ CARVALHO)
Vítor Paneira nas instalações de A BOLA (FOTO: ANDRÉ CARVALHO)

«Jogar pelo Benfica foi uma bênção que Deus me deu»

Vítor Paneira, jogador do Benfica entre 1988 e 1995, é candidato a diretor técnico do futebol do Benfica, na lista de João Noronha Lopes. Em longa entrevista a A BOLA passou em revista os sete anos que jogou de águia ao peito

-A primeira pergunta é simples: como é que alguém chamado Vítor Manuel da Costa Araújo passa a ser Vítor Paneira?

-O Paneira vem do meu pai. O pai do meu pai chamava-se Aníbal Paneira e tinha umas padarias em Famalicão. Depois o meu pai ficou o Augusto Paneira e eu, naturalmente, fiquei o filho do Augusto Paneira, o Vítor Paneira. E assim sucessivamente. Portanto, os meus filhos também já são conhecidos pelos Paneiras.

-O Vítor assinou pelo Benfica, mas não chegou logo nesse ano ao Benfica. Que história foi essa?

-Eu era jogador do Famalicão e já andava a ser acompanhado por pessoas ligadas ao Benfica. Depois, num treino de seleção em Famalicão, foram convocados dois jogadores de cada equipa da Zona Norte. Eu fui um dos dois do Famalicão. Durante o treino, lesionou-se um jogador da minha equipa, eu entrei e as coisas correram bem. O senhor Peres Bandeira estava na bancada a ver o treino e identificou-me como tendo potencial para jogar no Benfica. Só chegaria ao Benfica no ano seguinte.

-Explique aos leitores de A BOLA que não o viram jogar como era o Vítor Paneira enquanto jogador.

-Era um jogador com alma, atitude e raça e depois tinha técnica. No início da carreira jogava na linha, como extremo, e depois, com o decorrer dos anos, fui mais para dentro. Era um jogador, acho, com alguma inteligência no jogo.

-Tinha lugar no atual plantel do Benfica?

-Acho sempre que não tinha lugar em nenhuma equipa do Benfica. As pessoas dizem que eu era um grande extremo-direito…

-E era.

-Bom, sinto muita satisfação e orgulho quando ouço as pessoas dizerem que fui um dos melhores extremos-direitos do Benfica. Fico feliz, mas os tempos são outros, as formas de jogar são outras. Hoje os extremos jogam com o pé contrário e antigamente os de pé direito jogavam no corredor direito e os de pé esquerdo jogavam no corredor esquerdo. As coisas no futebol estão alteradas.

-Mas jogava neste Benfica?

-Sim, era capaz de jogar algumas vezes… [risos]

-Uma história de que o Vítor já falou muitas vezes foi a tal deserção da tropa. Foi mesmo desertor?

-É uma história muito engraçada. Eu tinha de me apresentar até à uma hora da manhã de domingo para segunda, que era a hora em que normalmente os tropas tinham de se apresentar quando regressavam ao quartel depois do fim de semana de folga. E eu apresentei-me às dez da manhã com o doutor João Rodrigues, conhecido advogado ligado ao futebol português. Entretanto, o comandante disse que me ia dar uns fins de semana de castigo. Eu disse que queria jogar, pois estava a aparecer no Benfica, e esse castigo era quase como cortarem-me as pernas. Porém, o doutor João Rodrigues disse que depois resolvia a situação nos tribunais. Os tribunais civis são completamente diferentes dos tribunais militares, mas não fazia muito sentido eu ser considerado desertor e ao mesmo tempo estar a jogar na Seleção Nacional. Se eu representava Portugal, porque é que eu queria fugir à tropa? Acho que aquilo foi quase uma forma de mostrarem que somos todos iguais. E somos, mas aquilo foi quase uma mensagem para fora. Mas cumpri o tempo de castigo que me foi dado.

-Passadas quase três décadas, quais são as memórias mais fortes que tem do seu período no Benfica?

Vítor Paneira com Catarina Pereira e Rogério Azevedo (FOTO: ANDRÉ CARVALHO)

-Tenho memórias incríveis do Benfica e do Estádio da Luz, do verdadeiro inferno da Luz. Hoje não conseguimos entender muito bem ou explicar muito bem o que era o Benfica e o que era jogar no Estádio da Luz. Tive grandes momentos quando fui campeão nacional, quando fui à final da Liga dos Campeões, quando ganhei Taças de Portugal. Acima de tudo, jogar pelo Benfica foi uma bênção que Deus me deu. E agradeço a Deus todos os dias por ter sido jogador do Benfica.

-Ganhou três campeonatos: 1989, 1991 e 1994. Algum foi mais especial?

-O primeiro é sempre mais importante e especial. Sermos campeões pelo clube de que gostamos é um marco incrível, mas os três foram extraordinários. O de 1994 tem um sabor especial porque, quando me pedem para falar do meu jogo mais importante no Benfica, respondo sempre que é o 3-6. Esse jogo tem tudo. Foi um guião muito bem escrito para todos os benfiquistas. Fomos atacados no início da época, tiraram-nos jogadores, tínhamos ordenados em atraso, mas jogámos sempre com a mesma paixão para defender o Benfica até ao fim. Depois, a quatro jornadas do fim, tínhamos de ir jogar a casa do nosso adversário direto [Sporting], que nos tinha atacado de forma brutal nesse verão quente de 1993. E aconteceu o tal guião. Íamos lá jogar com um ponto de avanço depois de termos empatado em casa a um golo com o Estrela da Amadora. Se o Sporting ganhasse, passava para a frente, e fomos lá ganhar com uma exibição memorável.

-Não marcou nenhum dos seis, pois não?

-Não, mas assisti para três ou quatro. Já não foi mau. Sinceramente, preferia assistir; ficava muito mais satisfeito em assistir. Para mim, assistir para um golo era como se fosse eu a marcá-lo.

-Teve dois treinadores muito marcantes no Benfica: Toni e Eriksson. E ainda apanhou Tomislav Ivic e Artur Jorge. Algum deles foi mais marcante?

-Com o Ivic tivemos menor ligação, até porque foi despedido a meio da época. E depois arrancámos com o Toni e fizemos um excelente trabalho. O Artur Jorge está ligado àquela limpeza que fez no Benfica e, fruto dela, o Benfica depois passou por um deserto, como toda a gente sabe. Estivemos 11 anos sem ganhar o campeonato. O Toni foi a minha grande referência, pois foi ele que me lançou e que acreditou em mim. Depois temos o Eriksson, que era completamente diferenciado de todos os outros treinadores. Ele e o Toni eram uma dupla extraordinária e tive o privilégio de trabalhar com os dois durante muito tempo.

-O Vítor, pouco depois de ter saído do Benfica, deu uma entrevista em que dizia que, se cruzasse com Artur Jorge, não lhe apertaria a mão. Foi muito forte o que lhe fizeram nessa altura?

-Essa entrevista foi há muito tempo e comecei a perceber que nem sempre os outros estão errados. Também tive alguma responsabilidade. Infelizmente, o senhor Artur Jorge já não está cá, portanto, que Deus o tenha. Dei uma entrevista muito polémica na altura, a dizer que o Benfica estava a ser destruído e, infelizmente para o Benfica, veio-se a provar que eu tinha razão.

-Quarenta e quatro jogos na Seleção e quatro golos. Convocado para o Euro-1996, mas não chega a jogar na fase final.

-Fui por mérito próprio ao Europeu. Saí do Benfica nesse ano e fui para o Vitória de Guimarães, onde fiz quatro épocas espetaculares. Vou ao Europeu depois de ter sido considerado um dos melhores jogadores do campeonato português. Fiquei muito satisfeito por ter ido à fase final e, se não joguei, foi por opção do mister Oliveira.