Maradona e mais

O que um quadro futurista pode dizer do FC Porto (e do azar que saiu do pé de Mbemba)

Meu caro Sérgio Conceição:

M EU sei que para fazer o que tem feito do seu FC Porto: uma equipa de verdadeira dimensão europeia (e mais, claro…) talvez não tenha tempo a perder com coisas assim - mas se passar pelo Google e procurar Umberto Boccioni Dinamismo di un giocatore di calcio perceberá porque lhe vou falar do pintor e do quadro (depois de ter visto o que vi em San Siro). Começando pelo pintor: sendo dos primeiros futuristas a irem pelo manifesto de Marinetti, Umberto Boccioni revolucionou a sua pintura a partir da noção de que cavalo a galope não tem quatro patas mas vinte - e ironia cruel do destino: morreu na queda de um cavalo demasiado veloz, após criar o seu Dinamismo de um Jogador de Futebol...  
Ainda antes de ir ao quadro, vou falar-lhe, porém, de outra coisa (com menos filosofice...): San Siro não demorou a mostrar-me que se o bom futebol precisa de bons jogadores, os bons jogadores precisam de boas ideias que lhes deem bom protagonismo (como o que Grujic teve, notável...) - e foi o que você fez de novo com o seu caráter e a sua argúcia. Mas San Siro também não demorou a fazer-me lembrar história que Maradona contou de si próprio no Mundial de 1986 - que saindo a Argentina de uma primeira parte a encolher-se por indicação subtil de Bilardo, ele, o Maradona, entrou, furioso, no balneário e disparou:
- Assim não! Todas as táticas que quiser mas para a frente, não para trás...
Com esse espírito se chegou ao golo desse fantástico e insinuante Luis Díaz - e a mais uma mão cheia de oportunidades que se foram perdendo (umas por falta de melhor perícia, outras por inspiração de Tatarusanu). Enfim, o quadro: se me lembrei do Dinamismo di un giocatore di calcio foi por não ter visto nunca o seu FC Porto nas abstratas amálgamas de linhas e formas, nas fragmentadas tensões entre azuis e vermelhos ou nos distorcidos corpos em vórtices e planos desordenados que o quadro tem - e, por isso mesmo, é que não merecia aquele azar a esgueirar-se do pé do Mbemba...