Luís Cirilo: «Com garantias o Rui Borges teria ficado no Vitória»
— Esteve em quatro direções, teve funções na mesa da Assembleia e muitos anos de Vitória. O que o levou a candidatar-se agora?
— Tenho 52 anos de associado, são 60 anos a seguir o clube. Estive, como disse, em quatro direções, três com o António Pimenta Machado, uma com o Júlio Mendes, estive na mesa da Assembleia Geral, fui o presidente da comissão que comemorou os 75 anos, estive na coordenação da comissão que comemorou os 100 anos. O que me levou a candidatar-me agora e a reunir a equipa que está comigo nesta candidatura? Olhe, duas coisas. Por um lado, uma visão que temos em comum do que pode ser o Vitória, do potencial que o nosso clube tem, daquilo que pode ser feito no futebol, nas modalidades, no património, na área financeira e essa visão que temos não é convergente com aquilo que temos assistido nestes três últimos anos na direção do António Miguel Cardoso e, portanto, chegámos a uma altura em que entendemos que não bastava termos uma opinião crítica, um espírito crítico, não uma crítica por crítica. Nós criticávamos fundamentadamente algumas das decisões que foram tomadas, também elogiámos algumas, mas a nossa visão da atual administração da SAD e Direção do clube é, de facto, negativa e, portanto, fomos consequentes com essa opinião. Tinha, nesta altura, uma disponibilidade que não tinha no passado, em outras oportunidades em que podia ter sido candidato a presidente do Vitória.
Nós criticávamos fundamentadamente algumas das decisões que foram tomadas, também elogiámos algumas, mas a nossa visão da atual administração da SAD e Direção do clube é, de facto, negativa e, portanto, fomos consequentes com essa opinião
— E entendeu avançar?
— Entendemos que era a altura de avançar, não por oposição, porque no Vitória não há oposição, somos todos uma família vitoriana, o que há é alternativas. Há o atual caminho, protagonizado pelo António Miguel Cardoso e quem se revê nele deve continuar por aí e há uma alternativa, que somos nós, que propomos outro caminho e, portanto, convidámos os vitorianos que quiserem mudar de vida a virem connosco.
— O seu plano desportivo para o Vitória é contrário ao que tem sido seguida pela atual SAD. A venda de ativos, mesmo em janeiro, é algo com que concorda como via para a SAD ter liquidez?
— Não, não é. Manifestamente não é. Obviamente que todos os clubes vendem, não é só o Vitória, qualquer clube vende, até clubes que lutam por objetivos diferentes do Vitória, quer em Portugal, quer no estrangeiro. E, portanto, o vender não é por si só negativo. O que é negativo é vender mal, vender por valores muito abaixo daqueles que considero razoáveis e há vários exemplos disso. O Ricardo Mangas será, talvez, o exemplo mais recente e o Kaio César, naturalmente, de jogadores muito mal vendidos. O Vitória ter de vender um, dois jogadores no mercado de verão e mais um ou outro jogador em janeiro, compreendo. Se calhar, ganhando as eleições, terei de fazer o mesmo, porque as coisas são como são, os mercados estão como estão e a situação financeira do clube é a que é. Agora, o que aconteceu neste mercado de janeiro, nomeadamente, saírem sete jogadores, a maioria titulares e jogadores preponderantes na equipa, saem sete, entram cinco, é uma instabilidade que, obviamente, compromete os resultados desportivos e, repare, quem acompanhou a carreira do Vitória até novembro, dezembro, viu um Vitória; a partir do momento que o Rui Borges saiu, e é uma história que ainda não estará totalmente explicada, o Vitória entrou em colapso com sete saídas, mais a recusa do regresso do Nelson da luz, que estava emprestado a um clube chinês, que é um jogador com valor, entrosado no clube, conhecia o nosso campeonato, poderia ajudar a resolver problemas originados por estas saídas. Preferiram vendê-lo por 200 mil euros. Foi um bom jogador que deixámos de ter nos nossos quadros. Isso é que não pode ser. Essa instabilidade na gestão desportiva. O Vitória nos últimos três anos teve nove treinadores, só estou a falar da equipa principal. É verdade que o João Aroso e o Rui Cunha foram treinadores interinos por muito pouco tempo, mas os outros sete não foram interinos. Foram treinadores que não vingaram, nomeadamente, o Daniel Sousa, que foi contratado, fez três jogos e foi despedido. Acho que isto não é uma gestão aceitável de clube nenhum no mundo.
O Vitória entrou em colapso com sete saídas, mais a recusa do regresso do Nelson da luz, que estava emprestado a um clube chinês, que é um jogador com valor, entrosado no clube, conhecia o nosso campeonato, poderia ajudar a resolver problemas originados por estas saídas. Preferiram vendê-lo por 200 mil euros
— Cria-lhe mais dúvidas a saída de Rui Borges ou do Daniel Sousa? Ou ambas?
— A questão é a seguinte: o presidente em funções, quando contratou o Luís Freire, disse que já o tinha no radar há muito tempo. Se o tinha no radar há muito tempo, porque contratou o Daniel Sousa, dado que o Luís Freire estava disponível nessa altura? Em relação ao Rui Borges, gostei muito do trabalho que fez no Vitória. O Rui Borges é um belíssimo treinador e estou convencido de que até poderia eventualmente ter continuado no Vitória depois do trabalho que vinha fazendo na Liga de Conferência, no campeonato, na própria Taça de Portugal. Se lhe tivessem sido dadas garantias de que o plantel não seria severamente afetado pelo mercado de janeiro, que poderia eventualmente contar com mais um ou outro reforço para fortalecer a equipa, nomeadamente no setor ofensivo, onde de facto o Vitória não tem um ponta de lança que faça golos em número aceitável... E com isto não estou fazendo nenhuma crítica ao Nelson Oliveira, que é um belíssimo jogador, mas não é um goleador, nunca foi, na sua carreira. É um jogador que faz golos, que trabalha muito, segura bem a bola, tabela bem, mas não é um goleador. Faz oito, nove golos por época e o Vitória, ao lado do Nelson da Luz, teria de ter um jogador que fizesse mais golos. Não tem neste momento.
— Portanto, com essas garantias, acha que o Rui Borges talvez tivesse ficado?
— Repare, há aqui uma contradição extraordinária. O presidente do Vitória disse numa entrevista que quando um treinador manifesta a vontade de sair, sai cinco minutos antes. O Rui Borges logo a seguir disse que nunca pediu para sair do Vitória. E a minha convicção, olhando para o quadro da Liga Conferência, em que o Vitória brilhantemente se apurou para os oitavos de final com dez triunfos e dois empates, olhando para o quadro de adversários, o Vitória de Rui Borges, que já não é o Vitória atual, teria talvez a possibilidade de ir muito mais longe na Liga Conferência e eventualmente chegar até a final. Não era um sonho extraordinário. Era possível. O Rui Borges, naturalmente, saberia que também se valorizaria levando uma equipa de médio plano de Portugal a uma final europeia ou uma meia-final europeia. O que acontece? Quando o Rui Borges percebeu e foi-lhe dito que iria ficar sem seis ou sete jogadores, sem garantias de ter os reforços que pretendia... Obviamente que também o salário que o Sporting lhe ofereceu terá pesado na sua decisão, porque são salários diferentes. O que o Sporting paga, não é o que o Vitória paga. Mas acredito que o Rui Borges teria tido a paciência de ficar no Vitória até a final da época em busca desse tal prestígio europeu que a grande carreira do Vitória na Liga Conferência lhe poderia dar.
«Alberto Costa podia ter valorizado mais»
Acho que o Kaio César foi um negócio absolutamente horrível. Horrível, horrível. Nunca poderia estar de acordo com esse tipo de negociação
— Estes negócios em janeiro renderam encaixes históricos. Não achas que foram transferências importantes e interessantes para o contexto do Vitória? Manu e Alberto por €12 milhões, Kaio César €9 milhões...
— O Kaio claramente menos. O passe custou €4,2 milhões. O empréstimo, €300 mil. O Manu Silva tendencialmente é um bom negócio. A qualidade não está em causa, mas o Vitória tinha alternativas e o valor que o Benfica pagou pelo Manu Silva acho que é adequado ao valor do jogador. São os tais €12 milhões mais €2 milhões por objetivos, mas nos objetivos não acredito muito porque é uma matéria muito controversa. Mas os €12 milhões, embora tenha de se descontar €1,5 milhões que ele custou ao Vitória, sim, é um negócio interessante. Agora, falta saber uma coisa: é se o Benfica paga de imediato os €12 milhões, ou se vai pagar faseado em dois, três, quatro anos, e o Vitória, se precisar desse dinheiro, se não terá que fazer operações de factoring, que custam muito dinheiro também. E isso abate ao lucro do negócio. Em relação ao Alberto Costa, é uma situação similar, com uma diferença. O Alberto Costa, se tem ficado nesse Vitória do Rui Borges, nesse Vitória que provavelmente faria uma boa carreira, uma ainda melhor carreira europeia, se calhar teria valorizado bastante mais e no fim da época poderia valer muitíssimo mais.
— Quanto ao Kaio César?
— Valeria de certeza muito mais do que aquilo pelo qual foi vendido. Foi considerado um dos melhores extremos da Liga Conferência, um dos melhores extremos-direitos do mundo sub-21, é um jogador de um potencial brutal. Comparo-o em muita coisa ao Raphinha, que também esteve aqui no Vitória, na equipa B, passou para a equipa A e hoje é capitão do Barcelona. Acho que o Kaio César foi um negócio absolutamente horrível. Horrível, horrível. Nunca poderia estar de acordo com esse tipo de negociação.
«Falhou na promessa da auditoria»
— Uma das possíveis receitas que apresentou é o ‘naming’ do Estádio. Não é um tema sensível no universo vitoriano?
— O ‘naming’ manterá sempre o D. Afonso Henriques. Isso é inegociável. Para uma empresa ter o seu nome ao lado do D. Afonso Henriques, tem de ser uma empresa credível, de prestígio, com dimensão, preferencialmente portuguesa, se houver empresas portuguesas que estejam dispostas a investir. Se não, teremos de procurar noutros mercados, porque o Vitória é um clube atrativo. O Vitória é, em termos de assistências, o quarto clube português. Teve 28 mil espetadores o estádio D. Afonso Henriques no jogo com o velho rival [SC Braga]. Não há nenhum estádio em Portugal, onde não jogue Benfica, FC Porto e Sporting, que tenha uma assistência com 28 mil espetadores. Só no D. Afonso Henriques e isso também é um motivo de atração. E essa é uma receita que nós, evidentemente, vamos procurar priorizar o mais depressa possível.
Não há nenhum estádio em Portugal, onde não jogue Benfica, FC Porto e Sporting, que tenha uma assistência com 28 mil espectadores. Só no D. Afonso Henriques e isso também é um motivo de atração
— Quando diz que a gestão do atual presidente do Vitória não é transparente, o que isso significa?
— Diz o povo, que é soberano, que quem não deve, não teme. E como quem não deve, não teme, deve-se cumprir aquilo que se prometeu. No programa eleitoral do António Miguel Cardoso, há três anos, ele prometia duas auditorias. Uma à entrada, para averiguar da verdadeira situação do Universo Vitória Sport Clube. Fez uma auditoriazinha às contas da SAD, não terão encontrado nada particularmente relevante, e ao clube nunca foi feita essa auditoria. Mas ele fazia uma promessa ainda mais importante do que essa, que era a promessa de, no final do seu mandato, agora, faria uma nova auditoria às suas contas, que seria divulgada aos associados e às listas que concorressem às eleições. Nunca fez essa auditoria.
— O argumento do presidente é que é preferível a próxima direção que entrar fazer essa auditoria. Seria um documento útil à sua lista candidata?
— Gostaria muito de ter esse documento antes das eleições, como gostaria de ter outros documentos que pedimos à direção do Vitória, a 30 de janeiro, quando formalizamos a candidatura, documentos contabilísticos, financeiros, documentos sobre a relação com a V Sports, sobre o quadro pessoal, sobre o cumprimento do PER, e nenhum desses documentos foi-nos facultado até à data. Publicaram, à hora da nossa conferência de imprensa da apresentação do programa, um balancete nas redes sociais, sem nos darem conhecimento prévio, como seria da mais elementar cortesia e fair play, mas não nos deram a restante documentação e não nos esclareceram sobre as restantes perguntas que fizemos, que foram bastantes. Por isso que digo que não há transparência, mas, essencialmente, porque é que ele mudou de ideias quanto a fazer uma auditoria às próprias contas, ao próprio mandato, à sua gestão? Prometeu e não cumpriu. É falta de transparência. Que receio tem a direção do Vitória dessas contas? O que esconde? O que não quer divulgar aos sócios? Por que é que passa a responsabilidade de as fazer para a próxima direção? Eu até deixo uma pergunta. As perguntas cabem-lhe a si e não a mim. Se ganhar as eleições, se a minha lista é ganhar, vamos fazer uma auditoria. Agora eu pergunto. Se o António Miguel Cardoso ganhar as eleições, vai fazer uma auditoria às suas próprias contas? Não antes das eleições, como prometeu, mas depois? Isso é que eu gostava de saber.