Lage em contramão
Quem só em janeiro próximo completa um ano como treinador principal do Benfica e apresenta na sua folha de serviço 28 vitórias em 30 jogos da Liga portuguesa merece respeito e admiração.
Bruno Lage mantém a simplicidade do primeiro dia, com o mesma oratória tranquila e lúcida, sem se pôr em bicos de pés quando ganha, nem perder a compostura ou dramatizar de cada vez que o fracasso lhe entra casa adentro sem pedir licença.
Em tão pouco tempo, ganhou um campeonato nacional de especial significado para o universo benfiquista (a Reconquista), venceu a Supertaça e colocou a águia a voar ao mais alto nível com o triunfo na International Champions Cup, competição que reúne os mais importantes emblemas mundiais. Que o deixem prosseguir o seu trabalho em paz é o mínimo que deve reclamar, principalmente num quadro que já conheceu melhores dias, como Lyon mostrou e Ponta Delgada confirmou: independentemente dos resultados, é iniludível a dificuldade em arquitetar um plantel com alma, ambição e qualidade que não viva angustiado em súplicas de mais anjos salvadores, chamem-se eles Renatos, Jonas ou Félix.
O Seixal não é, nem nunca foi, o problema. Pelo contrário, é lá que se localiza a principal fonte de riqueza do Benfica do futuro, como se comprova através do número de praticantes de elite que ali foram formados no curto período de meia dúzia de anos e das receitas, superiores a três centenas de milhões de euros, que geraram para o clube: Oblak, Ederson, João Cancelo, Bernardo Silva, Nélson Semedo, Lindelof, Gonçalo Guedes, André Gomes, Renato, João Félix, entre outros.
O rumo está certo. O Seixal, enquanto infraestrutura ao nível do melhor que há por esse mundo fora e projeto social e desportivo solidamente alicerçado, não sendo o problema, apesar de haver quem defenda o contrário, apenas para atingir Luís Filipe Vieira, também não é, por si, a solução, como explica Vítor Serpa em eloquente texto publicado na edição de sábado, em A BOLA, em que diagnostica o mal e prescreve a solução.
Escreve ele que no caso do Benfica, «é estranho que se pense que mais e melhor mercado signifique uma alternativa à aposta na formação». Não é esse o caminho, sublinha, «porque os excelentes resultados do intenso e competente trabalho nas escolas do Seixal trouxeram, ao Benfica, a consistência empresarial que nunca tinha tido» e, também, acrescenta, «porque a questão do mercado não se pode nem deve colocar em alternativa, mas como complemento à qualidade da formação».
OS jogos de Lyon e de Ponta Delgada, pela proximidade com que foram realizados, desvendaram que a questão central tem a ver, essencialmente, com a atitude colocada em campo, ou falta dela, baixa intensidade competitiva e reprovável velocidade de execução. Parece que a bola pesa quilos… Ressalta a imagem de uma equipa acomodada, que marca com os olhos, como ouvi a um comentador, em vez de ir à luta, resistir ao choque e não se encolher nos lances de bola dividida.
Em Lyon, Lage lançou às feras Tomás Tavares e Gedson para proteger André Almeida e Pizzi, mas decidiu mal em ambas as situações, embora por razões distintas.
Na primeira, quis salvar André Almeida do confronto com o jovem francês Aouar, mais rápido e mais jogador do que o vila-condense Nuno Santos; assim, sacrificou o miúdo Tomás Tavares e fez com que carregasse todos os pecados.
Na segunda, tratou-se de uma opção estratégica, em contramão ao sentido da história da águia. Entre dois jogos e duas realidades, não estando sintonizado na onda europeia, que o presidente tanto valoriza, Lage poupou a peça mais valiosa do plantel para a prova interna, onde foi fundamental, embora suscitando outro tema para debate: sendo Pizzi tão importante, como é, em vez de o ter no banco e o lançar quando o barco já está meter água, terá lógica utilizá-lo de início e reorganizar o coletivo de maneira a dispensá-lo de tarefas que não lhe dão prazer, como desgastar-se a defender ou correr atrás da bola.
Pizzi é inteligente, lê o jogo depressa, desequilibra, faz a diferença e gosta de ter a bola no pé. Deixá-lo ter, jogando sempre, obviamente, porque está para o Benfica como Bruno Fernandes está para o Sporting: as fontes de inspiração nas suas equipas.
DO meu ponto de vista, é mil vezes preferível não queimar miúdos com tudo para dar do que alimentar graúdos sem nada para acrescentar e, destes, o Benfica tem em excesso.
Não sei quem os sugere, mas desde a contratação de Filipe Augusto com caráter de urgência percebe-se que alguma coisa não corre como deveria nesse capítulo..
É aqui que reside o problema autêntico, nas escolhas deficientes que resultam de caprichos dos próprios treinadores, ou de mistérios a que dão cobertura. E Lage não foge à regra: se Samaris é o pior jogador do mundo, então Taarabt será o segundo pior. Não sei se me faço entender…