José Antonio Camacho com a Taça de Portugal de 2004, no Estádio Nacional
José Antonio Camacho com a Taça de Portugal de 2004, no Estádio Nacional. Foto: A BOLA

José Antonio Camacho: «A conquista da Taça contra o FC Porto de Mourinho foi muito especial»

Treinador recorda vitória da prova rainha de 2004 contra o FC Porto de José Mourinho. Não houve outro treinador do Benfica a derrotar o 'special one'

MADRID —José António Camacho, 70 anos, ainda se lembra bem daquela tarde de 16 de maio de 2004, quando conduziu o Benfica à conquista da Taça de Portugal (2-1, ap), depois de vitória sobre o FC Porto de José Mourinho, que venceria, dez dias depois, a Liga dos Campeões. Nenhum outro treinador no Benfica foi capaz de derrotar o special one, que soma uma derrota, dois empates e seis derrotas contra os encarnados, por UD Leiria, FC Porto e Man. United: Rui Vitória (2 d), Jesualdo Ferreira (2 d) e Toni (1 e) tentaram o que só Camacho conseguiu (1 v, 1 e, 2 d).

Camacho, em entrevista a A BOLA, recorda essa final, mas também as duas passagens pelo Benfica (2002 a 2004) e (2007 a 2008), o carinho que ainda recebe dos adeptos, a trágica morte de Miklós Fehér, Luís Filipe Vieira ou Rui Costa.

— Como recorda essa final da Taça de Portugal?

— Para nós, era um jogo de enorme transcendência, como é sempre um Benfica-FC Porto. Neste caso ainda mais, por ser final da Taça de Portugal, contra uma equipa muito superior à nossa, que tinha conquistado facilmente o campeonato e que estava a duas semanas de ser campeã europeia. Sabíamos que seria muito difícil, mas as coisas correram bem. Primeiro marcaram eles [Derlei, 45’], depois chegámos ao empate [Fyssas, 58’] e no, prolongamento, Simão marcou o golo que nos deu a vitória [104’]. Para os benfiquistas, a alegria foi enorme. Há oito anos que a equipa não ganhava um troféu e esse, conquistado frente a um adversário de tanta categoria e que nessa altura era a melhor equipa da Europa, foi um orgulho e teve um sabor muito especial.

— Qual foi o segredo do mister para ganhar esse jogo?

— Segredo, segredo, não houve. A única coisa que posso dizer é que conhecíamos bem o adversário. Tínhamos-lhes muito respeito e acertámos na forma de controlar o jogo deles. Foi uma grande tarde da nossa equipa. O objetivo do FC Porto, nessa temporada, era fazer o triplete, ganhando o Campeonato Nacional, a Liga dos Campeões e a Taça de Portugal. Para eles, perder a final contra nós, foi um doloroso murro no estômago, enquanto no Benfica sentimos, de alguma maneira, um certo alívio, por termos sido capazes de privar o grande rival dessa possibilidade de conquistar a tripla coroa.

Há oito anos que a equipa não ganhava um troféu e esse, conquistado frente a um adversário de tanta categoria e que nessa altura era a melhor equipa da Europa, foi um orgulho.

— Quando chegou, pensou que o Benfica poderia vencer o Campeonato?

— Não, nunca. Quando cheguei para tomar conta da equipa [em 2002], a distância para o FC Porto era considerável [sete pontos] e fizemos o que pudemos. Ficámos em segundo lugar e isso também foi importante, tendo em conta o enorme valor do adversário que ficou à nossa frente. Mas, claro, disso ninguém se lembra e, por muito mérito que tivéssemos para chegar a essa posição, nunca é o mesmo ficar em segundo ou ser campeão.

— Como eram os jogadores dessa época?

— Quando cheguei, fiquei impressionado. Não esperava que em Portugal houvesse tantos e tão bons futebolistas e com um nível técnico muito elevado. O meu segundo desafio oficial foi em Alvalade, contra o Sporting, no qual jogava um miúdo que me impressionou e de quem, no estrangeiro, já se começava a falar — era o Cristiano Ronaldo. Recordo-me de ter recebido muitas chamadas, de Jorge Valdano, por exemplo, que estava no Real Madrid, do Barcelona, do Valência e de vários outros clubes europeus, pedindo-me informação sobre ele. A minha resposta a todos foi que Cristiano não era o único bom jogador do futebol português, no Sporting também estava o [Ricardo] Quaresma, no Benfica entre outros, havia o Simão e o Tiago. Recomendei-lhes que viessem a Portugal, vissem o que havia para ver e levassem cinco jogadores do Benfica, cinco Sporting e outros cinco do FC Porto. Eram os melhores que nessa altura havia em toda a Europa, uma geração de futebolistas extraordinários que, pouco a pouco, foram saindo para jogar fora de Portugal.

Camacho já não se lembrava bem mas Mourinho cumprimentou-o depois da final da Taça de 2004. Foto: A BOLA

— Mourinho felicitou-o?

— Não me recordo, exatamente. Mas de certeza que sim, se não o tivesse feito, sim, lembrar-me-ia. É uma pessoa correta e muito educada, sempre tive com ele uma relação muito relação.

— Que opinião tem dele como treinador?

— A melhor possível. Quando apareceu era um técnico diferente, mostrando que tem de ser o técnico a mandar na equipa e em tudo a que a rodeia. O mais importante, para um treinador, é que respeitem a sua personalidade e isso consegui-o em todas as equipas pelas quais passou. Mourinho foi e é um treinador top e há muitas coisas que ele faz que nós, treinadores, deveríamos copiar.

Rui Costa e José Antonio Camacho num treino do Benfica no Seixal em fevereiro de 2008. Foto: A BOLA

— É verdade que teve muito a ver com o regresso de Rui Costa ao Benfica?

— Sim, alguma influência exerci para que o Benfica o fosse buscar ao Milan. Foi pouco depois da inauguração do estádio. Pensei que, além da satisfação com as novas instalações, os adeptos, que tanto tinham sofrido com difíceis momentos que o clube tinha vivido, mereciam ver que a equipa começava a funcionar e, para isso, seria fundamental ter um jogador com a categoria de Rui Costa.

— Que significou para si ser o treinador do Benfica quando se inaugurou o estádio?

— Foi uma grande honra e emocionei-me muito naquela festa inesquecível. Não é todos os dias que se inaugura um estádio tão moderno e impressionante. Antes, tínhamos sofrido muito, não tínhamos onde treinar, íamos de um sítio para o outro, houve vezes em que entrávamos no autocarro e não sabíamos para que campo iríamos. Foi bonito que o final tenha sido tão feliz.

Na viagem de regresso a Lisboa, recebi uma chamada de alguém a dizer-me o que tinha acontecido [confirmação da morte de Fehér]. Parámos numa estação de serviço e dei a notícia aos jogadores. Não sabia como o deveria fazer, como explicar aos jogadores algo que não tinha explicação, mas enchi-me de coragem, fiz das tripas coração e dei a má notícia que deixou todos profundamente impressionados. O resto da viagem foi um calvário, como se fosse um velório. Espero, por muitos anos que viva, nunca ter de passar por alguma coisa parecida. Foi a pior experiência da minha vida.

— A outra face da moeda foi a tragédia que teve de viver com a morte de Fehér.

— Isso irá acompanhar-me durante toda a minha vida, foi horrível. Depois do que todos vimos no relvado de Guimarães, pressentimos que o caso era grave, mas tínhamos a esperança de que, com a juventude dele, pudesse ultrapassar a situação. Mas não foi assim. Na viagem de regresso a Lisboa, recebi uma chamada de alguém a dizer-me o que tinha acontecido. Parámos numa estação de serviço e dei a notícia aos jogadores. Não sabia como o deveria fazer, como explicar aos jogadores algo que não tinha explicação, mas enchi-me de coragem, fiz das tripas coração e dei a má notícia que deixou todos profundamente impressionados. O resto da viagem foi um calvário, como se fosse um velório. Espero, por muitos anos que viva, nunca ter de passar por alguma coisa parecida. Foi a pior experiência da minha vida.

José Antonio Camacho e Luís Filipe Vieira em agosto de 2007. Foto: Sérgio Miguel Santos

— Como era a sua relação com Luís Filipe Vieira?

— Sempre me entendi bem com ele. Naquela altura, o FC Porto dominava tudo e isso, como é normal, fazia sofrer os benfiquistas. Com o apoio do presidente fomos, pouco a pouco, abrindo caminho e lançando novos jogadores, procurando recuperar o lugar cimeiro que corresponde ao Benfica no futebol português. E isso conseguiu-se.

— Acompanha a atualidade do Benfica? Há muitas diferenças com o seu tempo?

— Dentro do possível, sim. Há dias, vi os jogos contra o Nice. Na época passada, segui muito de perto a campanha na Champions e sofri com a derrota, nos últimos minutos, contra o Barcelona. Claro que há diferenças. Quando cheguei, o Benfica tinha muitos problemas — sem campo, sem instalações, nada a ver com a situação de agora. É um clube moderno, está todos os anos na Europa, é sempre forte candidato à conquista do Campeonato Nacional. Mas, apesar de todas as dificuldades, estou muito contente com a minha passagem pelo Benfica. Sempre me senti muito acarinhado e respeitado pelos adeptos que souberam dar o devido valor ao meu trabalho. Fiquei, por tudo isso, muito feliz e agradecido.

— Faltou-lhe ganhar a Liga.

— Naquela altura isso era muito difícil, havia que ser realista e aceitar que certas coisas, como a de ser Campeão Nacional, por muito que quiséssemos, não estavam ao nosso alcance, por isso dou tanto valor à Taça de Portugal que conquistámos [em 2004].

— Voltaria ao Benfica?

— Como treinador, não, essa é uma fase da minha vida que está ultrapassada, mas se o Benfica achar que em qualquer coisa lhe posso ser útil, aqui me tem à sua desinteressada disposição, como mais um benfiquista. Agora estou ocupado com outras coisas. Colaboro com o sindicato dos futebolistas e sou o diretor e treinador da equipa de veteranos do Real Madrid, que está sempre a receber convites para jogar no estrangeiro. Há pouco estivemos no Japão e agora iremos em digressão aos Estados Unidos. Recentemente chegou-nos um excelente reforço, Pepe. É impressionante o estado de forma em que ainda está. No último desafio jogou como defesa-central e no meio-campo e o seu rendimento foi espetacular. É um fenómeno. Também temos o Figo. Quando os compromissos dele permitem, dá a sua ajuda à equipa. Admiro-o muito, foi um futebolista excecional, uma referência mundial e, ainda agora, quando vamos a algum sítio, é sempre ele a grande figura do cartaz, o jogador que os adeptos mais querem ver e abraçar.

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