João Almeida faz o balanço: «Foi uma Vuelta estranha»
João Almeida diz haver motivo para se sentir orgulhoso pela segunda posição na Vuelta 2025, que ontem terminou em Madrid - com a derradeira etapa anulada devido a ações de manifestantes pró-Palestina - e igualou o melhor resultado de sempre de um corredor português em grandes Voltas, Joaquim Agostinho, há mais de meio século, 51 anos, na edição de 1974 da corrida espanhola.
Fiel à humildade que o caracteriza, João Almeida falou em nome da UAE Team Emirates, equipa que liderou com maturidade e determinação. Numa análise lúcida, mas carregada de orgulho, descreveu a edição deste ano da Vuelta como «estranha», apontando que o momento mais decisivo da prova surgiu de forma inesperada.
«Podemos orgulhar-nos da nossa corrida. Saímos da Vuelta com muito sucesso e fizemos o que pudemos. Foi uma Vuelta estranha, porque as etapas decisivas que esperávamos que decidissem a corrida acabaram por não ser tão decisivas», afirmou o ciclista das Caldas da Rainha.
Foi precisamente na etapa 9, uma das que teoricamente apresentava menor dureza, que se definiram os maiores fosso de tempo entre os principais candidatos. Um cenário raro que Almeida ajudou a explicar:
«O dia com mais diferenças de tempo foi, em teoria, na subida mais fácil, na etapa 9. Simplesmente tornámos tudo muito difícil e as diferenças de tempo foram enormes, o que mostra que são os ciclistas que tornam a corrida difícil, e não o percurso.»
Estas palavras ganham ainda mais peso se recordarmos que foi nesse mesmo dia que Almeida ficou momentaneamente isolado, sem apoio da equipa, num ataque inesperado de Jonas Vingegaard. Um episódio que gerou alguma controvérsia, mas que, no final, apenas reforça o mérito do segundo lugar alcançado — um resultado que o português dignificou com uma vitória estrondosa no mítico Alto de Angliru, derrotando o próprio Vingegaard.
«Mas acho que podemos estar muito orgulhosos do que fizemos nas últimas três semanas, porque foi uma Vuelta muito difícil.»
E difícil foi também o caminho até aqui. Este é já o segundo pódio de João Almeida numa grande Volta, depois do terceiro lugar no Giro 2023. Mas há algo ainda mais significativo: tornou-se o único português na história a terminar as três grandes Voltas entre os cinco primeiros, um feito que nenhum outro conseguiu — nem mesmo o imortal Agostinho.
Com um palmarés que cresce a cada temporada, João Almeida venceu em 2025 as Voltas ao País Basco, Romandia e Suíça, e foi quarto no Tour de France, prova em que já tinha sido forçado a abandonar este ano por lesão (fratura numa costela). Soma agora sete classificações no top-10 em grandes Voltas — um registo impressionante para quem ainda tem muitos anos de carreira pela frente.
Feito para as 'grandes'
A ascensão de João Almeida ao topo do ciclismo mundial começou em 2020, ano da sua estreia em grandes Voltas, com um histórico quarto lugar no Giro, vestindo durante 15 dias a camisola rosa, símbolo de líder absoluto. Foi a primeira vez que Portugal sonhou verdadeiramente com a vitória numa das três grandes, num momento de emoção nacional.
Nesse mesmo ano, ultrapassou o registo de José Azevedo, que fora quinto no Giro 2001 (como gregário de Abraham Olano) e no Tour 2004. Mas João não ficou por aí. Em 2021 foi sexto no Giro, e em 2022, apesar de ter abandonado por covid-19, já mostrava uma consistência rara. Na Vuelta desse ano foi quinto, mais tarde promovido a quarto com a desclassificação de Miguel Ángel López. Em 2023 foi nono na prova espanhola, e no Giro, subiu finalmente ao pódio.
O quarto lugar no Tour 2024 colocou-o definitivamente entre os melhores voltistas da atualidade. Agora, o segundo lugar na Vuelta 2025 vem reafirmar esse estatuto. Ficar apenas atrás de Jonas Vingegaard — bicampeão do Tour (2022 e 2023), e agora tri-vice nos duelos épicos com Tadej Pogacar — é prova inequívoca da sua dimensão.
Almeida, natural de A-dos-Francos, freguesia das Caldas da Rainha, já não é só um orgulho regional ou nacional. É um nome que se escreve, com todas as letras, na história do ciclismo internacional.
Herança de Agostinho
Ao igualar o segundo lugar de Joaquim Agostinho na Vuelta de 1974, João Almeida volta a fazer soar alto o nome de Portugal no mundo do ciclismo. Agostinho, figura eterna da Volta a França — onde foi duas vezes terceiro (1978 e 1979) —, parece agora encontrar, enfim, um sucessor à altura.
Não é uma substituição. É uma continuidade. Um legado. Uma ponte entre duas gerações separadas por cinco décadas, unidas pelo mesmo espírito combativo e a mesma paixão pela montanha, pelo sofrimento, pelo desafio constante de se superar a cada etapa.
João Almeida ainda não venceu uma grande Volta. Mas tudo indica que é apenas uma questão de tempo. E, até lá, Portugal continua a pedalar com ele.