Há um Lewandowski 'perdido' nos Distritais e... é pai de Cristiano Ronaldo!
O primeiro aos 57', o segundo aos 60' e o terceiro aos 61'. Foi assim que João Mendes assinou um dos hat tricks mais rápidos da história do futebol português. «Os meus colegas agora brincam comigo a chamar-me Lewandowski. No jogo eu não tive a noção de que os golos tinham sido assim tão rápidos. A ficha só começou a cair nos dias seguintes, com as pessoas a falar tanto deste hat trick», contou o craque de 27 anos em entrevista a A BOLA.
«Por incrível que pareça é o meu primeiro hat trick» e logo num jogo, frente ao Fachense, que parecia tão complicado de desbloquear: «O jogo estava difícil. A primeira parte tinha acabado 1-1 e eu ainda não tinha tido uma oportunidade clara para fazer golo.» Mas, de repente, tudo mudou.
Aconteceu assim: «No primeiro golo, o Peixoto, o nosso médio, lançou a bola para o avançado que joga pela direita. Eu fui acompanhando a jogada, ele faz uma banana e eu pensei: esta bola vai sobrar para mim. Dito e feito. Foi o 2-1. Comemorámos.»
«Depois a bola voltou a rolar, pressionámos, ganhámos a bola e o nosso outro médio, o Paulinho, lançou-me nas costas dos defesas.» 3-1.
«Eu já estava em êxtase por ter marcado dois golos tão rápido. Logo a seguir, voltámos a ganhar a bola. O Paulinho rematou à baliza à entrada da área, o guarda-redes defendeu, a bola sobrou para mim» e foi só assinar o hat trick histórico.
«O que mais surpreendeu nem foi tanto os três golos. Claro que não é fácil marcar golos. É difícil, mas uma coisa é fazer três golos num jogo durante os 90 minutos; agora em quatro minutos… é mesmo rápido e fiquei muito feliz por Deus me ter abençoado com esse feito».
A partir dali, João Mendes queria o quarto e o quinto… mas o mister Rui Gramoso preferiu pôr gelo: «Se eu tivesse ficado em campo, acho que tinha feito quatro ou cinco golos, porque conforme o tempo vai passando, o adversário vai à procura de mudar o resultado e vão-se criando mais espaços, o jogo fica mais aberto. Mas, como eu já tinha amarelo, o mister optou por me tirar. Não fiquei chateado porque já tinha feito três golos; ficava mais se ele me tirasse e eu ainda não tivesse feito nenhum», brincou o avançado brasileiro.
A velha máxima: «Os golos são como o ketchup»
João chegou a Portugal em 2022, de propósito para jogar futebol, e foi diretamente para as distritais de Viana do Castelo, para o Condor. Brilhou depois pelo Arcozelo, onde foi campeão da 2.ª divisão distrital e garantiu a manutenção na 1.ª na época seguinte, com um brilhante 5.º lugar. «Foi um ano histórico para o Arcozelo, porque sempre que o clube subia de divisão no ano seguinte voltava a descer». O craque brasileiro contribuiu com vários golos para esse objetivo. De facto, assim não foi fácil passar despercebido... e o Cardielense veio bater à sua porta. João Mendes abriu logo, quase sem perguntar quem era: «Eu costumava dizer à minha esposa que, se essa equipa me chamasse, eu ia fácil. E, no final da época, quando recebi a proposta deles, nem queria acreditar. Nem ouvi outras ofertas, só assinei.»
O craque brasileiro foi contratado pelo Cardielense para fazer golos, que teimavam em não aparecer. «Até ao fim de semana anterior [ao do hat-trick] já tinham passado três jogos e eu ainda não tinha feito nenhum golo. E eu dizia à minha família que estava agoniado por fazer um golo, ainda por cima por ser ponta de lança… O pessoal brincava comigo: João, calma, os golos são como o ketchup. No jogo seguinte desencantei um golo; e na jornada seguinte, fiz três. Espero que continue assim e que faça muito mais.»
Decorridas cinco jornadas da 1.ª divisão da AF Viana do Castelo, que o Courense lidera com 13 pontos, o Cardielense é 6.º classificado com nove. João Mendes assumiu que o objetivo da equipa é ser campeã e subir ao Campeonato de Portugal, «que também é um objetivo pessoal, jogar no Campeonato de Portugal». «Quando vim para esta equipa era com esse mesmo objetivo», acrescentou.
Mas não é de agora. João Mendes tem os objetivos traçados desde que veio do Brasil. Na Ilha de Vera Cruz, o avançado atuava apenas nos campeonatos amadores. Contou que era para vir para Portugal «ainda antes do covid», depois de conhecer e convencer um empresário português num torneio. No entanto, «depois aconteceu o que aconteceu» e o avançado só teve oportunidade de vir em 2022. «A minha esposa tem família em Portugal e, mesmo que não desse certo no futebol, já teria ajuda para começar a trabalhar e viver», explicou.
Da fábrica de carne para os treinos
Neste momento, o jogador de 27 anos trabalha também numa fábrica de carne. «É cansativo, muito cansativo», mas a recompensa chega ao final do dia: «Trabalho o dia inteiro e o que mais me motiva é saber que vou ter treino, para ser sincero. Nós treinamos três vezes por semana, à terça, quinta e sexta, sempre às 20h30. Só chego a casa por volta das 22h30 e no dia seguinte volto a acordar às 07h00 para trabalhar.»
«O meu sonho é viver do futebol, sem precisar de trabalhar. Ganhar dinheiro só a fazer o que eu mais amo, que é jogar futebol», disse João Mendes.
Só começou a jogar federado aos... 24 anos
João Mendes federou-se no futebol nacional quando tinha já 24 anos de idade. O craque reconhece que é um início de carreira tardio, para um futebolista comum: «A minha carreira começou bastante tarde. Eu ainda não tive muitas experiências no futebol. Só passei a ser federado quando vim para Portugal».
Por isso, com os pés bem assentes na terra, João afirma que, para já, «o objetivo é mesmo chegar ao Campeonato de Portugal». Ainda assim, está convicto de que terá capacidade para mais e, com o passar do tempo, poderá alcançar outros patamares: «Acho que tenho capacidade para chegar ao Campeonato de Portugal… e depois conforme as portas forem abrindo o objetivo é ir escalando: Liga 3, Liga 2 ou até ir para outros países.»
«O meu sonho é ajudar a minha mãe, criou-me sozinha»
Sobre a coisa mais importante das menos importantes, está tudo dito. Mas há vida além do futebol. Além de ser jogador profissional e querer viver apenas disso, no campo pessoal, o grande sonho de João Lewandowski Mendes é ajudar a mãe, que está no Brasil: «Ela é a pessoa que me dá mais forças», disse emocionado. «Pelo que já passou na vida e pela mulher que ela é. Ela criou-me sozinha, praticamente. Não tive a presença de um pai. Para mim, ela é a minha maior inspiração.»
No Brasil, o futebol nunca pôde ser prioridade para aquela família. Enquanto esteve no país do futebol, a bola esbarrou sempre nas questões financeiras: «A minha mãe não tinha dinheiro para pagar o autocarro para eu ir treinar. Não tinha condições. Às vezes, eu ia treinar sem lanchar.»
Além disso, na infância, o pequeno João teve de andar sempre de um lado para o outro: «Nasci em São Paulo, mas vivi em Guarulhos. Nós mudávamos muitas vezes de sítio. Em Guarulhos, vivi em várias casas alugadas, até que a minha mãe conseguiu comprar uma casa no Jardim Portugal.»
Parece mesmo que João estava destinado às terras portucalenses. «A minha mãe mora lá até hoje, mas o meu sonho é tirá-la de lá, não por ser ingrato com o sítio, mas para dar melhores condições à minha mãe, porque ela merece mais. Eu gostaria que ela viesse para Portugal, mas ela gosta muito do Brasil. Ela é costureira, trabalha com a minha tia e adora. Então é muito difícil tirá-la de lá», admitiu o craque.
Tem um filho chamado... Cristiano Ronaldo
Além da mãe, desde há três anos João tem outro foco: o pequeno Cristiano Ronaldo. É verdade, João nomeou o filho com o nome do seu ídolo. «Eu brincava com a minha esposa, dizendo que quando tivéssemos um filho se chamaria Cristiano Ronaldo. Quando ela ficou grávida disse-lhe: 'se for menino já sabes'. E foi mesmo… Eu sou muito fã do Cristiano Ronaldo e agora tenho um Cristiano Ronaldo», brincou.
Cristiano Rolando (o pequeno), daqui a uns anos, poderá orgulhar-se e gabar-se, na escola, aos seus colegas, de que o seu pai fez um hat trick em quatro minutos e Cristiano Ronaldo (o grande) não... pelo menos, até ver.