E se me enganei?…
Qualquer cargo público carece de empenho, vocação, projeto e validação. Sobretudo quando se trata de uma das posições mais invejadas, pela sua notoriedade, influência, alcance, poder direto e indireto, protagonismo e escrutínio. Para não falar, evidentemente, da perspetiva de dimensão internacional e de uma ótima remuneração.
Ser presidente da Federação Portuguesa de Futebol é, provavelmente, o cargo mais desejado pela esmagadora maioria dos dirigentes desportivos nacionais, justamente pelos motivos que apontei no parágrafo anterior, constituindo uma espécie de cereja no topo do bolo, apenas ao alcance de alguns, com a óbvia necessidade da criação de uma ampla base de reconhecimento e apoio, alicerçada na experiência, na magnanimidade, na transversalidade.
E, já agora, se formos mais longe na avaliação de um perfil, na capacidade de gestão, de aglutinação de diversas e muito distintas conceções do desporto e da modalidade, teremos, para o eleito, um quadro muito exigente. Se quisermos, um quadro de alta competição, para o qual se requer um atleta musculado, focado e determinado.
Não fui um dos que, à partida, rejubilou com a candidatura e posterior eleição de Pedro Proença como líder da entidade federativa. Um excelente árbitro, reconhecido na Europa e no Mundo como um dos melhores e mais dotados da sua geração, mas com uma passagem pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional com alguns objetivos incumpridos, ou, pelo menos, deixados a meio, tal como, de resto, o seu mandato.
Por natureza, entendo que os eleitos, até para valorização da sua posição e credibilização da sua ação, devem cumprir na íntegra as obrigações temporais decorrentes da sua escolha. Como bem sabemos, não foi o caso de Proença no seu ultimo mandato à frente da Liga Portugal.
E embora tal fosse previsível, a dado passo da narrativa que conduziria à sucessão de Fernando Gomes na liderança da Federação Portuguesa de Futebol, ficou a sensação de orfandade em relação ao trabalho iniciado pelo antigo juiz internacional na entidade gestora do futebol profissional em Portugal.
Mas o tempo, aquele que tudo adequa e resolve, e que, como Pedro Calderón de la Barca tão bem caraterizou («que o diga o tempo, o único que, sem dizer nada, diz tudo…»), empenha-se em demonstrar que Pedro Proença está a realizar um excelente trabalho na FPF, tentando aproveitar o muito que de bom foi feito nos últimos 15 anos (quer desportiva, quer estruturalmente), e em trilhar caminhos de valorização crescente de um património único, como o da modalidade que mais recursos move e que mais adeptos mobiliza no nosso país.
Há várias nuances a considerar, na avaliação do trabalho de gestão de um organismo com a dimensão e o alcance da FPF. Do ponto de vista desportivo, a equipa de Proença consegue, nos primeiros tempos, vitórias importantes nas Seleções Nacionais, seja com a equipa A, seja com os escalões de formação. Também beneficia de qualificações importantes, a nível internacional, com o futsal a marcar excelentes momentos.
Mas Proença, não eleito para um importante cargo executivo na UEFA nos primeiros dias do seu consulado na Cidade do Futebol, encontrou nesse desaire (que deixou Portugal órfão numa estrutura muito significativa na influência e no lobbying no futebol do Velho Continente), a oportunidade para relançar a sua imagem, num mandato pautado por um imenso protagonismo individual, garantido por uma presença constante nos media tradicionais mas, sobretudo, numa navegação bem orientada e gerida nos social media. Goste-se ou não (é um estilo de liderança em absoluto contraponto com a anterior…), a personalização e promoção da sua imagem e atividade enquanto presidente da Federação Portuguesa de Futebol tem-no ajudado e projetado, porque o trabalho — muito profissional e francamente bem executado — demonstra o poder da comunicação externa num modelo anteriormente não experimentado na Cidade do Futebol.
Por outro lado, articula em várias direções as vertentes que são efetivamente decisivas: tenho alguns amigos, líderes ou membros de Direções de Associações Distritais de Futebol (não votantes em Proença), que me vão igualmente confessando a sua positiva surpresa em relação ao modo como os contactos, a interação e a capacidade de entendimento dos seus problemas e anseios específicos são abordados, no seio da nova Direção, com encontros cíclicos e profícuos.
E, no âmbito internacional, ninguém, com algum bom senso e perspetiva de futuro em relação ao posicionamento do futebol português nas instâncias internacionais, poderá colocar em causa o sentido de oportunidade da realização da Portugal Football Summit e, essencialmente, dos temas nela abordados, da qualidade e perfil dos convidados internacionais. Mas, mais importante que tudo isso, do posicionamento de Portugal como país da carruagem da frente no futebol mundial, como co-organizador do Mundial-2030, candidato a outras provas de dimensão global, ou parceiro no desenvolvimento e na promoção da arbitragem (algo que, de resto, advém de uma postura estratégica de há muitos anos que levou o próprio Pedro Proença a finais da Liga dos Campeões e do Europeu, à Taça das Confederações e à fase final de um Mundial).
Não sou — nunca serei — dono da verdade, enquanto jornalista. Em 40 anos de carreira, procurei estabelecer equilíbrios e não me deixar levar por vedetismos fúteis e fáceis. Por isso, não tenho nenhum problema, em relação à ideia inicial sobre a atual gestão da FPF, de lançar a mim próprio a mais simples das perguntas: e se me enganei?…