Sporting Club Mineiros de Jale, de Vila Pouca de Aguiar. Desporto suavizava a vida debaixo de terra.
Sporting Club Mineiros de Jale, de Vila Pouca de Aguiar. Desporto suavizava a vida debaixo de terra.

Dos mineiros do Sporting de Jales ao diamante Salvador Blopa

Num sentido poético, Sporting é um clube de mineiros... De Vila Pouca de Aguiar a Alcochete; de Cascais a Bissau...

Quando, ao dar os primeiros passos no jornalismo, algum dos mais novos desabafava que trabalhava muito ou dizia mal da vida, logo um dos mais velhos soltava um «vocês são privilegiados, vida dura é a do mineiro».

Lembrei essa frase quando há dias visitava o Centro Interpretativo das Minas de Jales, no município de Vila Pouca de Aguiar, concessão mineira ativa entre 1933 e 1992, a última mina de ouro a laborar no século XX. Dos tempos áureos resta o cavalete da padroeira Santa Bárbara. E a sirene do meio dia, reposta uns tempos após o fecho das minas para mitigar o sentimento de tristeza e orfandade da população local. As minas chegaram a ter 500 a 600 mineiros, em todas as suas especialidades, a laborar ao mesmo tempo. Décadas passadas debaixo de terra, um frenesi de vida a desaguar num vazio mais profundo que a galeria mais funda quando, em 1992, as minas foram encerradas. Muitos emigraram, os mais velhos e doentes ficaram. E o silêncio instalou-se.

O Centro Interpretativo é um repositório de histórias. De testemunhos. De memórias. Muitas delas escritas nas paredes, em exposição. Histórias de pais que perderam filhos, de filhos que perderam irmãos. De gente que se feriu com gravidade, de doenças crónicas e mesmo os que tiveram mais sorte têm história de uma vida, de facto, dura. E eis que, ao ler aquele mural, termino com um último testemunho de José Vaz do Rio e que me provocou um frémito: «Mas éramos felizes...» O José Vaz do Rio, que nem sei se ainda é vivo, pôs-me mesmo a pensar. Pode ser-se feliz a fazer um trabalho tão duro?

Olhei para as fotografias espalhadas pelas paredes. Os mineiros ocupavam os tempos livres com atividades culturais e desportivas. Fundaram o Sporting Clube Minas de Jales. Com equipamento e ligação afetiva e efetiva ao Sporting Clube de Portugal. De um ponto de vista quase poético, o Sporting é um clube de mineiros. Há décadas que faz prospeção de joias raras, encontrando ouro debaixo de pedras e lapidando diamantes. Seja em Alcochete seja pela intuição de voluntariosos olheiros espalhados pelo país, seja por relatórios pormenorizados do scouting...

Salvador Blopa é apenas o mais recente exemplo... Terá dormido o miúdo depois de ter marcado dois bons golos na estreia pelo Sporting, na goleada ao Alverca? Nesta hora, só espero mesmo que Salvador Blopa tenha alguém que seja pilar e guia, que lhe explique que o sucesso pode ser um impostor se não resultar de um trabalho intenso diário e paciente... Salvador Blopa deu um passo em frente, mas mantém-se na fila de espera. Teve a oportunidade de entrar na sala dos famosos mas ainda tem de suar e querer muito até poder sentar-se à mesa. Mostrou ter talento. Terá ele fome? E torna-se mais um exemplo de uma mina que continua a dar ouro: a Guiné-Bissau. Nascido em Cascais, é certo, mas filho de pais guineenses. Já Quenda, o leão balanta, nasceu na Guiné-Bissau e também ele já português.

Salvador Blopa teve uma estreia de sonho com a camisola dos leões e será aposta para o futuro a... curto prazo - Foto: IMAGO

Talvez um dia alguém diga a Salvador Blopa que é um privilegiado, que vida dura é a de mineiro. Mas após a visita a Campos de Jales, mudei a perspetiva. Era duro? Claro. Como outras profissões, de pescador a operário da construção civil... Mas duro mesmo é a vida sem sentido, fazer-se o que não se gosta, picar o ponto e contar as horas até à saída. E recomeçar esta tristeza do princípio. Porque o vazio sempre foi mais duro do que o trabalho.