Equipa de futsal amador segue os princípios da camaradagem, empatia e respeito. Toda a gente tem lugar num projeto que não descura o sucesso desportivo

Contra a masculinidade tóxica, a favor da inclusão: todos têm lugar nesta equipa

Do simples desejo de jogar futsal nasceu uma equipa assente nos valores de empatia, transparência e empatia. Lisbon Foxes desafiam padrões tradicionais de heteronormatividade e masculinidade frágil vigentes no futebol para defender dos direitos LGBTQIA+. Os comentários pejorativos são desvalorizados, mas o futuro preocupa 

A heteronormatividade vigente no mundo do desporto torna a orientação sexual um tabu difícil de desfazer. Os episódios de discriminação e a utilização recorrente da homossexualidade como um insulto proferido pelas bancadas ainda são uma realidade em diversas modalidades masculinas. 

O desporto português não foge à regra, atingindo provavelmente o ponto alto da intolerância do mundo do futebol e futsal masculino. A orientação sexual ainda é um elefante no balneário, mas há quem se esforce há quase uma década para movê-lo. 

Os Lisbon Foxes lutam desde 2016 para construir um ambiente seguro e acessível dentro das quatro linhas para que a tolerância, o respeito e cooperação sejam sempre titulares. A equipa de futsal criada há nove anos pertence à organização sem fins lucrativos  All Together 4 Sports (AT4S), uma das maiores defensoras dos direitos LGBTQIA+ no desporto, que começou como uma simples comunidade desportiva para homens, em 2010. O nome inicial Boys Just Wanna Have Fun (em português, Rapazes só querem divertir-se) foi repensado para refletir um objetivo mais complexo: criar um espaço inclusivo acessível a qualquer pessoa, independentemente do género, orientação sexual, idade ou cor da pele. 

É esta a rotina dos Lisbon Foxes, duas vezes por semana - Foto: André Carvalho

Nove anos depois, a All Together 4 Sports conta com cerca de 250 atletas inscritos, distribuídos por seis modalidades: rugby (Dark Horses), voleibol (Crows), futsal (Foxes), natação (Pool Sharks), corrida (Panthers) e tango. 

O objetivo dos Foxes é transversal às restantes cinco equipas: utilizar o desporto como uma plataforma para promover a camaradagem, amizade e empatia entre atletas, bem como o bem-estar mental e físico. 

Uma noite com as raposas

Terça-feira é dia de treino nos Foxes para Jean Pierre Gonçalves desde 2016. O atleta de 42 anos é um dos três resistentes da equipa inaugural de um projeto que nasceu a pedido de jogadores… de rugby e de voleibol. 

Jean Pierre fala com A BOLA enquanto descansa fora da quadra - Foto: André Carvalho)

«Muitos atletas sentiram que era necessário um espaço para a prática de futebol ou futsal. E, com um conjunto de jogadores das duas modalidades, iniciámos a equipa em 2016. Éramos entre 8 e 10, fomos evoluindo e agora temos entre 30 e 35 atletas para esta época», explica Jean Pierre, um dos primeiros a chegar ao palco do primeiro treino da semana dos Foxes. 

A dificuldade de encontrar um pavilhão obriga os Foxes a andar com a casa às costas. Desde 2016 para a presente temporada, a equipa de futsal divide-se entre os Olivais e Alfragide para treinar duas vezes por semana. 

O aquecimento começa com dez elementos, mas quando o primeiro exercício se inicia o grupo tem a extensão suficiente para se desdobrar em quatro equipas. Se nos primeiros anos de existência os Foxes eram formados maioritariamente por atletas com idade superior a 35 anos, nos últimos outonos o cenário inverteu-se e rejuvenesceu o plantel. Jean Pierre destacou a diversidade crescente de um conjunto guiado pelos mesmos princípios de 2016: «Os Foxes são uma boa oportunidade para pessoas que estão a passar por situações difíceis perceberem que há um caminho e um espaço seguro. São bem recebidas cá.» 

O Pavilhão da Escola Eça de Queirós é casa dos Foxes todas as terças-feiras Foto: André Carvalho

A estratégia dos Foxes está bem vincada na essência do clube: derrubar barreiras e abrir a porta a qualquer amante do desporto rei. Camaradagem é a palavra de ordem, mas não evita que a tensão suba momentaneamente dentro da quadra, alimentada pelo desejo de vencer, até nos treinos. 

A competitividade é, ainda assim, amiga da cooperação cada vez que algum atleta fica caído em quadra, com queixas físicas. As lesões graves não são estranhas aos jogadores dos Foxes, que, de quando em vez, são forçados a suprimir ausências prolongadas. 

Jean Pierre, que já fraturou o perónio, desvalorizou o risco de lesões, face aos benefícios de um hobby que combina a prática de desporto depois do horário de expediente com a criação de um espaço de partilha e formação de laços. «Libertamos problemas do dia a dia, libertamos stress e encontramos um grupo de pessoas em quem podemos confiar e falar de coisas importantes. As pessoas saem daqui contentes por terem estado aqui uma hora e meia a jogar», contou Jean Pierre, já equipado e pronto para treinar às ordens de Nuno Rosado. 

Jean Pierre sofreu uma lesão grave, mas recuperou totalmente - Foto: André Carvalho

Nuno entrou para os Foxes como jogador em 2020, acumulou funções de coordenação e, sensivelmente cinco anos depois, entrou na nova época como treinador da equipa branca e laranja. O agora técnico de 35 anos orienta um conjunto composto por antigos atletas federados, por estrangeiros que encontram nos Foxes um meio de integração no quotidiano luso, e por quem procura um espaço para poder ser quem é, sem amarras. 

«O principal desafio é conseguir conjugar atletas que têm muita bagagem competitiva com atletas que começaram a jogar há pouco tempo e que não têm aqueles ímpetos irracionais», analisou Nuno Rosado, sempre de olho no aquecimento dos Foxes, orientado por um dos jogadores. 

Nuno Rosado, treinador dos foxes - Foto: André Carvalho

O técnico improvisado garante que, apesar da orientação para as causas LGBITQ+, «toda a gente tem lugar nesta equipa», amadora, que conta um balneário «coeso com espírito de fair play e amizade». 

Inclusão também se escreve no feminino

Rita destaca-se entre os restantes colegas, sem precisar de tocar na bola: é a única mulher presente no treino e raramente não o foi desde que entrou nos Foxes, em 2022. Dentro do campo, contudo, a atleta confunde-se entre o camuflado branco com apontamentos a laranja, que remetem para a raposa sempre presente, seja nos Olivais ou em Alfragide. 

Rita admite que a presença numa equipa e num meio marcadamente masculino precipita desafios, regra geral, fora da quadra: «Vamos a torneios e só há um balneário, portanto tenho de fazer um compasso de espera. Ou espero que tomem todos banho, ou vou eu primeiro. Quando fazemos aquele briefing antes do jogo espero que eles se vistam ou vou vestida de casa.» 

Rita sempre atenta, nunca desligou do treino - Foto: André Carvalho

Em sentido contrário, dentro do campo, a atleta de 34 anos destaca o respeito transversal a colegas e adversário, admitindo até a existência de «discriminação positiva» que evita que receba entradas mais duras. Rita aborda cada minuto em quadra com a calma de quem esperou um par de décadas até que as mulheres lusas fossem bem-vindas a um campo de futebol ou futsal.  A antiga atleta de quase todas as modalidades praticadas em Portugal compete agora num desporto com o qual sempre sonhou. Nuno, independentemente dos conjuntos que estejam em campo, desfaz-se em reparos, conselhos e incentivos aos comandados durante 1h30, já de olho no primeiro duelo oficial da época. 

Rita valoriza os bons resultados alcançados pela equipa, mas frisa que todos os jogadores merecem somar minutos, em nome de uma estratégia inclusiva e igualitária. O objetivo é atingir o equilíbrio entre a integração e a competitividade. «Queremos sempre ganhar como qualquer equipa, mas também não queremos que alguém fique no banco porque tem menos experiência ou porque queremos segurar um resultado. Tentamos ao máximo que isso não aconteça», explicou Rita, poucos minutos antes do aquecimento terminar. 

Veja aqui a segunda parte da reportagem sobre os Lisbon Foxes: