A turma dos Lisbon Foxes em mais um treino - Foto: André Carvalho
A turma dos Lisbon Foxes em mais um treino - Foto: André Carvalho

«Um jogador assumir-se como homossexual seria um trunfo fácil para os adversários»

Esta é a segunda parte de uma reportagem sobre os Lisbon Foxes, equipa de futsal amadora inclusiva: todos os atletas são bem-vindos e têm tempo de jogo. De casa às costas, foi criado um espaço seguro e de partilha

As primeiras semanas da nova época permitem captar novos talentos sem limitação de género, afinar fórmulas de anos anteriores e preparar as competições amadoras. Os Lisbon Foxes prevêem conciliar a participação em ligas empresariais com a disputa anual do Torneio da Associação de Coletividades do Concelho de Lisboa e de jogos particulares, tanto em Portugal como até além-fronteiras. 

Nuno saúda os múltiplos exemplos de respeito e empatia para com uma equipa transparente sem medo de quem é, mas admite que o preconceito é espectador assíduo e de quando em vez entra em campo. «Das bancadas, normalmente, levamos com alguns insultos e discriminação. Sentimos também que quando entramos em competições as equipas dão sempre mais com vergonha de perderem contra nós», explica o treinador dos Foxes. 

Nuno Rosado comanda atentamente os foxes - Foto: André Carvalho

Os episódios de discriminação que pontuam de quando em vez a atualidade da modalidade não chocam nem demovem os Foxes de uma estratégia de abertura, transparência e empatia: «O futebol é claramente um desporto no qual a masculinidade tóxica está muito presente e o nosso objetivo é combater isso. E tentamos sempre levar esses princípios para todas as competições em que entramos e dentro dos nossos treinos.» 

A realidade já não choca Nuno Rosado que se prefere focar em quem preserva a essência do desporto: «Apanhamos muito bons exemplos de equipas com um fair play enorme. Combinamos jogos particulares fora dos calendários competitivos e é sempre um prazer jogar contra elas.» 

Mesmo no banco, os jogadores mantêm-se atentos aos colegas - Foto: André Carvalho

Jean Pierre, do alto de praticamente uma década de experiência a vestir de branco e laranja, admite que algumas situações conduzem os atletas dos foxes «ao limite», mas frisa que «nunca aconteceu nada de grave», desvalorizando os comentários pejorativos «pontuais». 

«Faz parte do futebol. Sabemos que não representam quem está a jogar contra nós. Há ainda muito um conceito enraizado e um preconceito em relação ao que é o futebol», admitiu o atleta de 44 anos. 

Jean Pierre Gonçalves acumula uma década de experiências positivas nos Foxes - André Carvalho

Rita admite que o ambiente de determinados torneios é mais pesado e hostil, mas envia um recado às vozes discriminatórias: «Batemo-nos de igual para igual. Não vamos a lado nenhum, estamos aqui para ficar.» A atleta participou no último jogo do treino, mas o último golo de uma hora e meia intensa, mas sempre leal pertenceu a Jean Pierre. O remate de um dos veteranos dos Foxes antecedeu o grito final de uma equipa que desafia a cada encontro estereótipos centenários.

Enquanto houver estrada para andar 

A orientação sexual ainda é um dos maiores elefantes que teima em não se mover dos relvados nem das quatro linhas. Jakub Jankto, referência no meio-campo da Chéquia com mais de 150 jogos disputados na Serie A, quebrou barreiras e assumiu-se como homossexual em fevereiro de 2023. 

«Como toda a gente quero viver a vinha vida em liberdade sem medos, sem prejuízo e sem violência, mas com amor. Sou homossexual e não me quero esconder mais», afirmou o antigo internacional checo poir 45 ocasiões, que terminou a carreira no último verão, aos 29 anos.

O vasto currículo de Jankto não evitou comentários indubitavelmente homofóbicos em massa, que contrastaram, ainda assim, com uma onda de positividade. Nuno Rosado lamenta que a orientação sexual ainda seja tabu no futebol, considerando que «um jogador assumir-se como homossexual seria um trunfo fácil para os adversários», tanto ao nível de «insultos», como de «pressão» . 

«No futebol feminino já é diferente, mas isso é porque a masculinidade tóxica está presente no futebol masculino e não no feminino. Quando um clube coloca uma bandeira arco-íris ou sublinhar a discriminação sexual, há muitos comentários negativos», explicou, sem esperanças de que que o futuro promova uma inversão do estado das coisas. 

Os alongamentos no final da partida são um momento de partilha entre todos Foto: André Carvalho

A promoção da igualdade tem sido uma bandeira do top-5 de ligas do ranking UEFA, que apostam anualmente em campanhas de sensibilização contra a discriminação. Em sentido contrário, o silêncio é rei nos relvados lusos, enquanto no contexto político prolifera uma força assente em ideais discriminatórios e pouco tolerantes. 

Para Nuno, a metamorfose do contexto político luso ensombra o futuro: «Tememos sempre que possa haver algum caso que extrapole para uma agressão ou uma perseguição aos nossos atletas. Para já não tem acontecido, mas como o ambiente político está a mudar em toda a Europa, pode ser cada vez mais provável que aconteça.» 

Os Lisbon Fixes continuam a percorrer a estrada da inclusão, imunes ao ruído exterior, porque, acima de tudo, só se querem divertir, todos juntos, tal e qual como são.