Alameda FC, casa de um sonho: «Vim para Portugal para ter outro tipo de vida»
Esta é a segunda parte de uma reportagem sobre o Alameda Futebol Clube, equipa improvisada no relvado de um dos marcos da cidade de Lisboa que utiliza o futebol para escapar à dureza do quotidiano
Entre camisolas de Benfica, Manchester United, Real Madrid envergadas pelos jogadores do Alameda Futebol Clube, sobressai um equipamento pintado a vermelho com pormenores verdes e amarelos. Fred, nome fictício, é o dono desta idumentária, utilizada pela seleção da Guiné-Bissau na última CAN. Quando entrou no clube, em 2022, os treinos ainda eram realizados na parte inferior do jardim.
Ao contrário de Alex, o percurso do guineense de 25 anos nunca foi guiado pelo sonho da bola, à exceção do firme desejo da qualificação da Guiné-Bissau para um Campeonato do Mundo. «Nos próximos dez anos pode acontecer, vai dar», antecipou a flecha do Alameda FC.
Após uma experiência na Suíça, Fred rumou a terras lusas com apenas um objetivo em mente: «Quero melhorar a minha vida. Sei que é complicado, mas vim para Portugal para ter outro tipo de vida.»
A situação de Fred é transversal à de praticamente toda a equipa do Alameda. Oriundos de países da Comunidade dos Países de Língua portuguesa, aterram em Portugal com o sonho de construir uma vida melhor para os seus na mala. Carlos, nome fictício, despediu-se dos pais e embarcou no percurso arriscado até à fronteira entre Marrocos e Espanha, onde se treinou durante três meses até assentar arraiais em terras lusas.
«Toda a gente está a deixar a família lá [Guiné]. A mulher, o pai, a mãe. Trabalhamos um mês e ajudamos a família. Mas a vida é complicada para nós. Ganhamos pouco, mandamos para a família pouco e não recebemos nada. Ficamos aqui até sermos velhos», desabafou o guineense de 28 anos, num português tímido, sempre com o crioulo a espreitar.
Face a uma rotina de trabalho e distanciamento afetivo, o Alameda afigura-se como um raro momento de descompressão. Carlos não tocava numa bola desde que tinha trocado Melilla por Portugal em 2020, mas um convite de amigos permitiu-lhe fazer as pazes com o desporto-rei e descansar o coração, preso na Guiné, quatro anos depois.
«Treinar é muito bom, a cabeça é uma doença. Treino duas horas, chego a casa, tomo banho e fico calmo. Só conheço gente aqui», destacou o luso-guineense, cuja timidez se escondeu num fato de treino do Real Madrid. Tanto Carlos como Fred tentaram a sorte em países francófonos, mas os dois guineenses chegaram à mesma conclusão: Portugal é o país de sonho e a Alameda é a capital.
O atleta mais novo, atualmente a trabalhar como canalizador destaca o poder «de escape» de quatro horas semanais com a bola no pé numa equipa que entusiasma: «Temos aqui muitos jogadores com muito talento, o problema é a sorte.»
Atlético da Malveira, 1.º de Dezembro, Olivais e Moscavide e Real Massamá são alguns dos clubes que partilham ou partilharam talento com o Alameda que, do ponto de vista competitivo, já impressiona o maior veterano. Alex admitiu que ficou «motivado» pelo nível apresentado pela equipa em diversos encontros particulares, em campo plano, sempre na condição de visitado. Ainda assim, para o luso-guineense, o crescimento está preso por detalhes. «Estarão preparados com mais disciplina, mais orientação e acima de tudo, melhor entendimento com os colegas», explicou.
Sem qualquer treinador, a equipa pauta-se por uma entreajuda ímpar, apenas desafiada quando a desinspiração dos jogadores provoca fugas do esférico para o alcatrão. Remates transviados são o convite para simples transeuntes participarem nos treinos como apanha-bolas de ocasião, espreitarem o treino e por vezes pedirem informações sobre a equipa. Após desferir um míssil com morada na estrada, Carlos serpenteia entre a azáfama da cidade para recuperar a bola ameaçada pelo perigo das quatro rodas e regressar ao teatro dos sonhos guineenses, As buzinas impacientes dos condutores são neutralizadas pelos gritos que nos transportam para qualquer jogo de futebol.
Os transeuntes que escolheram a Alameda para terminar a semana espreitam o treino, como olheiros curiosos sobre o que se passa no fundo do relvado. Ali, cerca de uma dezena de atletas de ocasião limpam a mente e exercitam o corpo numa autêntica máquina do tempo verde que lhes permite trocar a vida de resiliência clandestina pelo sonho da infância durante um par de horas.