«Aconteça o que acontecer, faço parte da história do meu clube do coração»
Soube há momentos do falecimento de Jorge Costa, escrevo, por isso, estas linhas condicionado por tão trágica e surpreendente notícia e limitado no distanciamento que, dadas as circunstâncias, não me é possível manter.
O Jorge foi um dos maiores da família azul e branca e como tal, quando um elemento da família parte de forma tão inesperada, tão precoce, ficamos como que circunscritos ao vazio a que a morte de alguém que admiramos nos remete. Nascido em 1971, contava 53 anos de idade e, destes, 20 dedicados ao Futebol Clube do Porto, o seu clube do coração, como orgulhosamente fazia questão de afirmar.
Nasceu e criou-se no Porto, por entre as ruas da Pasteleira. Começou a dar os primeiros pontapés na bola no FC Foz, corria o ano de 1986, isto depois de uma experiência no voleibol do Fluvial, que terminou ainda antes do início do campeonato em resultado de um acidente que lhe retirou a mobilidade da clavícula. Perdia-se ali um mediano voleibolista e nascia uma lenda do futebol azul e branco.
Do Foz para os juvenis do FC Porto, foi um ano. Costa Soares foi o treinador que o recebeu e quem lhe deu a primeira reprimenda. Ao segundo dia de treinos, Jorge Costa não compareceu, alegando que tinha tido um compromisso na véspera que o havia impedido de se apresentar. «Foi a primeira e última vez que não apareceste para treinar», ter-lhe-á dito. «Outra dessas e devolvo-te ao Foz.» A partir daquele dia, o jogo virou assunto sério e a camisola azul e branca uma segunda pele.
O tempo passou e, com a exceção de duas breves passagens por Penafiel e pelo Marítimo no início da carreira e uma curta aventura no Charlton em Inglaterra, Jorge Costa foi um homem de um clube só. Estreia-se na equipa principal a 25 de agosto de 1992 durante uma vitória contra o Estoril, e só precisou de 17 minutos para marcar o primeiro golo enquanto sénior. A partir daqui, são os capítulos da história que foram sendo escritos ao longo dos anos e que todos conhecem. Herda a camisola número 2 e a braçadeira de capitão das mãos de João Pinto, com quem ainda coincidiu no plantel, ganha estatuto e peso dentro do clube, torna-se uma referência dentro do balneário e conquista o respeito de colegas e adversários.
Fernando Couto batiza-o de Bicho, cognome que o marcou para todo o sempre. Duríssimo dentro de campo, implacável e irascível, transforma-se numa barreira quase intransponível para os avançados adversários. Por ele, das duas uma: ou passava a bola ou o adversário.
Disputou 383 jogos pelo FC Porto e ganhou tudo o que havia para ganhar. Campeonatos nacionais, festeja o pentacampeonato com Fernando Santos, vence Taças de Portugal e Supertaças. No contexto interno consolida-se como o capitão dos capitães, a personificação do ADN Porto.
Com Mourinho, tocou o céu e conheceu a glória que está destinada aos superlativos. Uma Liga dos Campeões e uma Taça UEFA preencheram-lhe o palmarés e colocaram-no no Olimpo dos inesquecíveis. No ano seguinte levanta a Taça Intercontinental.
Por estes dias, contam-se episódios e peripécias que o têm como ator principal. A que melhor o retrata ocorre em Belém, era José Mourinho treinador do FC Porto e, nesse jogo com o Belenenses, a equipa perdia por 0-2 ao intervalo. A caminho do balneário, Jorge Costa aborda o treinador e faz-lhe um pedido: «Aguarda 2 minutos, não entres já no balneário. Eu quero falar com eles primeiro.» Entrou, fechou a porta e o que se seguiu ficou selado no segredo da cabine. Passados alguns minutos, abriu a porta e pede ao então treinador: «Dá-nos as instruções.» O FC Porto acabou por vencer o jogo por 3-2, com dois golos do capitão Jorge Costa.
Em 2022, numa entrevista concedida a Irene Palma, jornalista deste jornal, desfiou memórias e confidenciou algumas deceções ainda que sem guardar rancores ou arrependimentos. «Estou certo de que voltarei ao FC Porto. Para ser útil.» Dizia-se livre, independente e nunca subserviente, características que, segundo o próprio, lhe terão custado alguns dissabores e até oportunidades de progressão na carreira de treinador. A confidência de que mantinha uma relação de irmandade com Rui Costa, presidente do Benfica, teve o preço que Sérgio Conceição, seu amigo próximo e à altura treinador do FC Porto, o fez suportar. Em 2023 na qualidade de treinador do Académico de Viseu, aquando da visita ao Dragão, para disputar um jogo da Taça da Liga, cruzaram-se, cumprimentaram-se, mas ainda assim a relação cúmplice terá ficado beliscada.
O regresso à estrutura diretiva do FC Porto dá-se pela mão de André Villas-Boas, oportunidade que lhe devolveu a alegria e o sentido de missão de servir o clube de sempre. Com responsabilidades na direção do futebol profissional, atua com discrição e firmeza junto do plantel principal. Presente diariamente no centro de treinos do Olival e, em dia de jogo, sentado no banco de suplentes no Dragão, a sua presença inspira e transforma os recém-chegados ao universo Porto. Maniche, que foi seu colega de equipa, recorda que, acabado de aterrar no Porto, oriundo do eterno rival Benfica e sem saber exatamente o que esperar, ouviu do próprio: «Agora és um de nós.» Quaresma, por estes dias, confessava-se: «Partiu uma das pessoas que mais admirava e que muito me ajudou no mundo do futebol… Cuidou de mim, levantou-me o moral e ensinou-me muito.»
Símbolo maior do FC Porto e a encarnação do espírito de luta, Jorge Costa, transformou-se numa lenda do FC Porto. Por ele, pelo seu exemplo e pelo legado que nos deixa, voltaremos a ganhar como o próprio nos mostrou: encarando-os de frente, sem medo, olhos nos olhos.
Até sempre, Capitão.