Râguebi: Lobos Portela e Storti, uma amizade nascida na escola
Seguem juntos, mas às vezes separados, no râguebi desde os 10 anos. De lobinhos a lobos, a amizade nasceu no Colégio do Sagrado Coração de Maria e mostra-se no Campeonato do Mundo
O ensaio de Raffaele Storti ao minuto 57 na partida com a Geórgia (18-18), uma correria que encontrou um espaço aberto após passe de gancho servido com a mão esquerda (offload) de Jerónimo Portela, vai muito além de uma jogada coletiva cujo resultado se traduziu no segundo ensaio de Portugal (e de Storti) e ter, decerto, contribuído para a nomeação de Homem do Jogo a Portela.
«Um prémio individual [Man of the Match] num jogo coletivo como este até pode ser um bocado ingrato. Qualquer jogador dentro de campo podia ter recebido este prémio. Os avançados fizeram um trabalho enorme, o [Raffaele] Storti marcou dois ensaios espetaculares, por isso qualquer um podia ter recebido este prémio», disse, Jerónimo Portela, no meio do campo de estátua na mão.
«Ele merece o prémio por tudo o que fez. Organizou muito bem a equipa, conseguiu desequilibrar a defesa no meu segundo ensaio. Podia ser ele, o José Madeira também esteve muito bem, coletivamente estivemos muito bem, mas o Jay [Jerónimo Portela] merece», sublinhou Storti no rescaldo do empate com a seleção georgiana.
Entre os dois, além da química detetada a olho nu em campo, algo mais forte extravasa o trabalho conjunto na Seleção Nacional, na qual ambos se estrearam sob a batuta de Patrice Lagisquet. Nem mais, nem menos, do que uma longa amizade.
«Um resultado espetacular de um esforço coletivo, talento, inteligência e celebração de uma amizade especial», sintetizou Dante Storti, pai de Raffaele, nas redes sociais, ao descrever a jogada do ensaio.
Recém-casado, Portela depositou em Storti [e Rodrigo Marta] a confiança de apadrinhar a união, reforçando a ligação entre os dois à margem da bola oval. O padrinho mora longe dos ex-noivos, mas a distância não quebra laços.
Em 2021, Raffaele Storti deixa o amadorismo do campeonato português, parte em busca do sonho da profissionalização, aterra no Stade Français (Paris), clube do Top-14, mas acaba emprestado ao AS Béziers, da Pro D2, a segunda divisão gaulesa.
Tudo acontece um ano depois de, a nível doméstico, Raffaele (AEIS Técnico) se ter sagrado campeão nacional, em maio de 2021, numa final disputada contra Jerónimo (GD Direito), no CAR do Jamor.
De lobinhos a lobos
Rafaeel Storti, 22 anos, estreou-se frente à Espanha (Rugby Europe Championship 2019/2020). Já vestiu 25 vezes a camisola da Seleção Nacional e foi o primeiro português a marcar cinco ensaios numa só partida, com os Países Baixos, em julho de 2021, na jornada de encerramento da primeira volta do REC-2021/2022, torneio bi-anual de qualificação europeia para o Mundial França-2023.
)
Jerónimo Portela, 22, permanece amador em Portugal, transformou-se em lobo num test-match (jogo internacional) na janela de novembro de 2019, frente ao Brasil, numa digressão pela América Latina (São Paulo e Santiago do Chile), partida em que levou, até agora, o único amarelo em 28 internacionalizações e marcou a estreia de Patrice Lagisquet como selecionador de Portugal.
No início de 2020, os amigos Portela e Sorti partiram juntos para o Clube Atlético Peñarol, na primeira experiência profissional de ambos, no arranque da recém-criada Superliga Americana de râguebi. Durou um par de meses. Traídos pelo Covid-19, regressaram aos clubes de origem.
)
As exibições dos dois finalistas vencidos no Mundial B sub-20, em 2019, no Brasil (Storti foi o maior marcador de ensaios e considerado a revelação da prova), numa final perdida (34-35) para o Japão, tinham deixado o clube uruguaio a salivar pelos lobinhos.
Lobinhos desde as seleções de sub-16 a sub-20, peças de um puzzle de jogadores tricampeões europeus (2017 a 2019) e duas vezes finalistas vencidos no mundial do mesmo escalão (2017 e 2019), sempre juntos, os dois lobos estão hoje no França-2023, um cume de uma carreira a representar o país.
Da escola à faculdade
Companheiros de Seleção, adversários entre linhas, a amizade foi sempre construída e reforçada de livros nas mãos. Sentavam-se, por alturas de 2018, nos bancos do Instituto Superior Técnico (IST), curso de Engenharia e Gestão Industrial.
Não era a primeira vez que Jay e Storti dividiam carteira. Os dois conhecem-se desde a primeira dezena de primaveras. Tudo começou no Colégio do Sagrado Coração de Maria, em Lisboa, escola perto da casa dos pais, Miguel Portela, um ex-lobo que abriu a porta dos mundiais ao país, França-2007, e Dante Storti, italiano radicado em Portugal mais inclinado para a bola redonda (de forma amadora, em Itália), do que para aquela que parece um melão.
)
Entre os dois, Jerónimo Portela e Raffaele Storti, muitos dos rescaldos de duelos clubísticos e histórias por contar das idas às Seleções começaram e acabaram em casa do pai Portela. Era debaixo do teto do lobo que tinha ida a França que, por vezes, Storti ficava a dormir depois dos jogos ou antes das concentrações.
Miguel Portela foi um dos culpados de Jerónimo Portela e Rafael Sorti terem chegado onde chegaram. Ora levava o filho aos treinos, ora dava boleia, nos primeiros tempos, ao amigo do descendente. Um ponto que mereceu umas linhas no discurso de Sorti na despedida de solteiro de Jerónimo Portela. O tal amigo, de quem é padrinho de casamento, que o levou para o râguebi, segundo reza a lenda.