Os três centrais do Benfica: experiência, viragem ou fuga para a frente de Schmidt?
Benfica esteve melhor sem bola do que com esta; ataque ainda encontrou menos largura do que antes, tornou-se mais direto e dependente de esticões e individualidades; maior coesão no momento da pressão e da reação à perda; triunfo relativamente tranquilo
Em Arouca, Roger Schmidt experimentou pela primeira vez de início um sistema de três centrais. Uma decisão que não tem enquadramento com o que fez no resto da carreira, passe uma ou outra aposta de circunstância. O que pretendeu realmente o técnico das águias, após as derrotas europeias e o empate em casa com o Casa Pia na Liga?
Influenciado por Ralf Rangnick, Roger Schmidt usou o 4-2-2-2 em Salzburgo, com dois falsos 10 e outros tantos avançados-centro, jogadores dinâmicos e velozes, apontados à baliza contrária.
Em Leverkusen, recuperou o 4-2-3-1 favorito desde os primeiros passos na carreira, nomeadamente no Dellbrücker, Preussen Münster e Paderborn, embora, sem a bola, mantivesse a estrutura de 4-4-2 (transversal ao resto da carreira), com a subida do médio ofensivo para o lado do ponta de lança para manietar a construção dos rivais.
Depois, tanto em Eindhoven como na Luz, o técnico germânico já sentiu conforto para aplicar quase sempre o sistema original, embora situações de inferioridade numérica o tenham levado a defesas mais compostas. Foi assim em Braga na Taça de Portugal na época passada, a primeira vez que usou tal recurso desde que assinou pelo Benfica.
Porém, foi na China sobretudo, por culpa de um plantel diferente dos demais, perante a idade avançada de algumas unidades do Beijing Guoan, que experimentou uma maior pausa no ataque organizado e derivações do esquema, com incursões no 4-3-2-1 e no 4-3-1-2, e, aí sim, esporádicos desenhos com três centrais e linhas estreitas, o 3-4-2-1 e 3-4-1-2, à imagem precisamente do que se passou em Arouca, com os médios sem perfil para oferecer largura.
Arouca não colocou muitas dificuldades aos encarnados
É necessário agora colocar o que passou hoje em perspetiva, favoreça ou não a nova abordagem de Roger Schmidt. A conjuntura da partida da Taça da Liga não oferecia elevado grau de dificuldade, já que o Arouca atravessa um período mais cinzento, não apresenta uma grande altura e intensidade no momento da pressão e, como é natural, há uma desigual capacidade de argumentação através da qualidade individual. O moral dos encarnados não era, por sua vez, o melhor e havia baixas importantes, e o novo esquema não tinha sido colocado em prática em jogos anteriores. Logo, neste caso, as dinâmicas nunca poderiam ser fortes, sobretudo no momentos dos desdobramentos ofensivos. Já o terreno destruía-se a cada passada e, apesar de ser mau para ambos os conjuntos, deverá ser encarado com fator dissuasor de um bom futebol.
Feitas as devidas ressalvas, é preciso sublinhar que, tirando uma ou outra transição permitida, o Benfica esteve melhor sem bola do que com esta em sua posse. Na verdade, o onze não parece ter sido pensado para criar um carrossel, mas sim tapar os buracos de uma pressão inconsequente. Se compararmos com a segunda era de Jorge Jesus, por exemplo, o bloco desta vez não baixou, a não ser circunstancialmente. A pressão e a contrapressão (reação à perda) continuam lá, agora com os jogadores teoricamente mais próximos uns dos outros e igualmente mais dotados também para executá-las.
Proteção-extra do corredor interior
É interessante tentar dissecar o pensamento de Schmidt. Mais pressionante que qualquer dos outros avançados, coube a Gonçalo Guedes fechar o corredor interior. Aursnes guardou o meio-espaço contíguo às costas de Rafa e João Neves o que surgia atrás de Di María (ao mesmo tempo que se mantinham atentos ao lado de fora). Florentino subiu para ler as linhas de passe contrárias e João Mário manteve-se no apoio. Por vezes, surgiu um quadrado irregular no corredor central logo a seguir ao trio da frente. E obrigava o Arouca a passar dificuldades, recuperando cedo a bola. Uma melhor decisão teria certamente depois produzido mais oportunidades e eventualmente mais golos.
Já nos momentos de ataque posicional, o esquema desde logo não favorecia sobreposições (momento em que um jogador passa nas costas de um colega para lhe oferecer uma opção de passe em largura) e estava demasiado dependente dos esticões dados por Rafa e Guedes nas costas da defesa ou dos dribles de Di María a procurar espaço por dentro para finalizações. O futebol dos encarnados tornou-se bem mais direto, com João Mário, protegido pela linha à sua frente, numa espécie de quarterback. E é aqui que surgem mais dúvidas sobre o futuro do esquema, porque apesar de ter surgido menos caos e um pouco mais de critério, as oportunidades nasceram mais de bolas longas, desempenho individual e de transições conseguidas após recuperações da bola no meio-campo ofensivo.
Se Schmidt quiser manter o 3-4-2-1 e trocar os falsos alas por verdadeiros para ter mais poderio atacante é muito provável que volte a perder coesão na pressão. Ou então terá de reformular o trio da frente. Se mantiver a ideia com os atuais pressupostos, faltar-lhe-á muito provavelmente largura para rivais mais encorpados e poderá ser facilmente anulada.
Resta saber o que o alemão pretende fazer. Se o que se passou é circunstancial ou uma experiência. Ou até o início de alguma coisa. De qualquer forma, o 4-2-3-1 ainda pode voltar a funcionar. E até beber coisas desta sua fuga para a frente de hoje.