No Barreiro, há um clube a lutar contra o tempo para continuar a ser grande
A tarde calma e solarenga que ilumina o Estádio Alfredo da Silva contrasta com a tempestade vivida pelo lado verde da cidade do Barreiro nos últimos dias. A 27 de fevereiro, uma decisão judicial precipitou o encerramento de três campos de relva sintética e natural e do Pavilhão Vítor Domingues, onde diariamente centenas de crianças praticam Futebol, Hóquei em Patins e Patinagem Artística com o escudo do Grupo Desportivo Fabril.
Da fábrica até San Siro em menos de 30 anos
A roda dentada no cimo da rotunda verde do complexo desportivo do clube transporta-nos para um tempo em que o Barreiro era uma das capitais do desporto português impulsionado pela CUF, uma das maiores empresas da Europa na primeira metade do século XX.
O clube fundado em 1937 por Alfredo da Silva, para promover a Companhia União Fabril, tornou-se nas décadas seguintes, numa autêntica potência desportiva nacional, à boleia do futebol e do hóquei em patins.
Durante 22 temporadas consecutivas (1954/1955-1975/1976), a CUF entrou sempre em campo no escalão mais alto do futebol português, tendo mesmo chegado ao pódio em 1964/1965, o que lhe valeu uma qualificação inédita para as competições europeias. O adversário? Nada mais nada menos que o AC Milan, na 1ª eliminatória da Taça das Cidades com Feira, percursora da Liga Europa. Após uma vitória sensacional em casa por 2-0, a CUF vergaria em Milão pelo mesmo resultado na segunda mão e perderia novamente no jogo de desempate (1-0).
O clube verde e branco voltaria à Europa por mais duas ocasiões, em 1967/1968 e 1972/1973, a última das quais com um dos maiores avançados da história do futebol português nas fileiras. Manuel Fernandes apresentou-se à Primeira Divisão na CUF em 1969 e por lá ficou até 1975.
Após o 25 de abril, a perda de fôlego da CUF enquanto empresa precipitou a queda a pique do clube rumo às profundezas das divisões inferiores, já sob o desígnio de Quimigal. Na viragem para o século XXI, no sobe e desce entre os distritais e os nacionais, o agora denominado Grupo Desportivo Fabril, estabilizou-se como entidade formadora para a Primeira Liga. Eduardo Quaresma, Leandro Santos e Fabrício Garcia são os mais recentes exemplos de atletas de elite que começaram a carreira no Estádio Alfredo da Silva.
Apesar do distanciamento entre clube e esfera empresarial, a família Mello, herdeira da CUF, continuou a contribuir para a estabilidade estrutural do clube, ao conceder-lhe em 2002 o direito de superfície para os 50 anos seguintes dos terrenos onde está localizado todo o complexo desportivo do clube, perto da fronteira entre os concelhos do Barreiro e da Moita.
Contudo, a compra dos mesmos por um empresário, vinte anos depois, em março de 2022, precipitou o início de uma história pouco encantada que nos traz de volta ao presente incerto, mas que contrasta com o passado de glória.
Para não deixar o Fabril sem teto, o acordo inicialmente estabelecido entre as três partes previa que o clube passasse a ser proprietário do Estádio Alfredo da Silva e que pudesse utilizar o pavilhão que viria a ser construído nos terrenos vendidos pela família Mello, mediante determinadas condições.
Apesar de a primeira parte do acordo se ter concretizado, negociações entre as várias direções do clube e o novo proprietário sobre os termos da entrega e posterior utilização dos terrenos atrasaram o processo de transição e precipitaram, três anos depois, o fecho das instalações por ordem do tribunal.
Com três campos de futebol e um pavilhão serve-se uma comunidade inteira
Barreirense de gema e criado nos corredores do Estádio Alfredo da Silva, Pedro Miguel Lima assumiu a presidência do Fabril há menos de um ano, para «retribuir» o impacto do clube na formação enquanto atleta e indivíduo.
Ao ter entrado em funções já com todo o processo de transição a decorrer, o dirigente estava consciente que o dia 27 de fevereiro podia chegar a qualquer momento: «Quando tomámos posse sabíamos que o maior desafio que estava pela nossa frente era exatamente esse. Nós tentámos sempre gerir a situação em silêncio para não criar um grande alarido.»
Em conversa rodeada pela história do clube em forma de troféus, o líder do clube esclarece o peso do encerramento de instalações frequentadas por quase 600 atletas a meio da temporada desportiva: «Estamos a falar em toda a formação do clube, a nível de futebol, que afeta o futebol 5, o futebol 7 e o futebol 11. No pavilhão, temos o hóquei em patins, o judo e a patinagem artística, que são modalidades que vão ficar diretamente afetadas.»
O presidente do Fabril vinca que o maior impacto do encerramento da atividade nas atuais instalações não é financeiro, mas sim social, fruto de «protocolos firmados que não trazem qualquer retorno ao clube». Além das equipas desportivas, o pavilhão Vítor Domingues, construído em 1971, alberga aulas de Educação Física de uma Escola Secundária, treinos da Polícia de Segurança Pública e um projeto com a Câmara Municipal do Barreiro de apoio a jovens carenciados.
Apesar do alarmismo provocado pelo fecho parcial das instalações, Pedro Lima elogia repetidamente a boa vontade do proprietário que permitiu que os campos e o pavilhão fossem reabertos a tempo dos treinos da tarde de dia 27. Nós tivemos uma reunião esta semana com o novo proprietário, no sentido de continuar, pelo menos até o fim da época, a utilizar as instalações. Estamos a dialogar e a tentar chegar a pontos de encontro», vincou Pedro Lima, confiante de que as negociações vão chegar a bom porto.
Em esclarecimentos enviados ao jornal barreirense Rostos, a 28 de fevereiro, o proprietário vinca que tem a intenção de negociar «a continuidade da prática desportiva». À mesma fonte, a empresa encabeçada por José Pedro Rodrigues, antigo comentador afeto ao Sporting, garante que aguardou que as várias direções do Fabril procedessem à entrega voluntária dos terrenos adquiridos a 16 de março de 2022.
O novo proprietário acusou ainda o clube barreirense de ter contribuído para a degradação gradual das instalações e de ter «abandonado sucessivamente várias modalidades amadoras que foram uma referência na formação desportiva no Barreiro».
Já consciente de que a partir do verão o clube terá de procurar alternativas aos terrenos que ainda ocupa, a direção verde e branca procura, à mesa das negociações, garantir que todas as modalidades do clube conseguem terminar a temporada com vista para o Estádio Alfredo da Silva.
Pedro Lima garante que nesta fase todas as possibilidades estão em cima da mesa, incluindo aproveitar a área do Estádio Alfredo da Silva para albergar alguns escalões. E, entretanto, a Câmara Municipal do Barreiro já entrou em contacto com o clube para disponibilizar um terreno para a construção dos novos campos.
No caso do hóquei em patins e da patinagem, o presidente do Fabril admite que será mais delicado encontrar uma alternativa, mas recusa suspender atividade: «São duas modalidades que trabalham com patins e nem todos os pisos estão preparados para recebê-las. Não há muitas alternativas. Teremos de nos ajustar a uma nova realidade.»
A esperança mora no Estádio
Todos os dias, como tantos outros dirigentes nos escalões inferiores do nosso futebol, Pedro divide-se entre a ocupação laboral primária na Margem Norte durante o dia e a «missão» no Estádio Alfredo da Silva ao cair da noite. Dar mais do que receber é o lema de quem abdica do descanso e até de uma vida familiar estável para não deixar os gigantes adormecer de vez: «Ninguém é profissional, ninguém tira retorno financeiro clube, toda a gente está aqui para ajudar a manter esta casa e, se possível, ainda fazê-la crescer.»
O peso da responsabilidade de encontrar soluções para manter a essência de um clube histórico e central para o desporto de uma região, contrasta com a leveza da mensagem de Pedro Lima: «O nosso objetivo é que este clube continue a manter a sua génese, que é ser um clube eclético. Estamos a trabalhar para que o Fabril possa durar no mínimo mais 100 anos.»
Uma dar razões para o otimismo do presidente dos verdes e brancos assenta no facto do clube ser proprietário do Estádio Alfredo da Silva, o centro da atividade desportiva e, desde a semana passada, administrativa. «O Fabril não deixou de ter casa, finalmente tem património», frisou visivelmente animado.
A partir deste pedaço de história viva, o Fabril vai procurar começar de novo, construir os próprios campos e continuar a permitir que jovens rapazes e raparigas pintem o futuro, seja com os patins ou com uma bola de futebol nos pés. Como habitual, pelos caminhos do futebol puro nacional, esse caminho será feito gradualmente, sob o risco de voltar a ser traído pelo destino.