Pedro Miguel Lima explica a ligação umbilical do Fabril ao Grupo Mello, desde a fundação do clube até aos dias de hoje

No Barreiro, há um clube a lutar contra o tempo para continuar a ser grande

Encerramento parcial de instalações do Grupo Desportivo Fabril por decisão judicial coloca em causa bom funcionamento de um dos corações desportivos da Margem Sul do Tejo. Longe da glória dos anos 60, clube do Barreiro é movido pelo desporto jovem masculino e feminino

A tarde calma e solarenga que ilumina o Estádio Alfredo da Silva contrasta com a tempestade vivida pelo lado verde da cidade do Barreiro nos últimos dias. A 27 de fevereiro, uma decisão judicial precipitou o encerramento de três campos de relva sintética e natural e do Pavilhão Vítor Domingues, onde diariamente centenas de crianças praticam Futebol, Hóquei em Patins e Patinagem Artística com o escudo do Grupo Desportivo Fabril. 

Da fábrica até San Siro em menos de 30 anos  

A roda dentada no cimo da rotunda verde do complexo desportivo do clube transporta-nos para um tempo em que o Barreiro era uma das capitais do desporto português impulsionado pela CUF, uma das maiores empresas da Europa na primeira metade do século XX. 

O clube fundado em 1937 por Alfredo da Silva, para promover a Companhia União Fabril, tornou-se nas décadas seguintes, numa autêntica potência desportiva nacional, à boleia do futebol e do hóquei em patins.  

Em claro destaque na sala dos troféus do clube, estão as Taças referentes à conquista do campenato nacional de hóquei em patins em 64/65 e da Segunda Divisão de Futebol em 53/54 (Miguel Nunes)

Durante 22 temporadas consecutivas (1954/1955-1975/1976), a CUF entrou sempre em campo no escalão mais alto do futebol português, tendo mesmo chegado ao pódio em 1964/1965, o que lhe valeu uma qualificação inédita para as competições europeias. O adversário? Nada mais nada menos que o AC Milan, na 1ª eliminatória da Taça das Cidades com Feira, percursora da Liga Europa. Após uma vitória sensacional em casa por 2-0, a CUF vergaria em Milão pelo mesmo resultado na segunda mão e perderia novamente no jogo de desempate (1-0). 

Manuel Fernandes pela CUF durante seis temporadas antes de rumar ao reino do Leão (Miguel Nunes)

O clube verde e branco voltaria à Europa por mais duas ocasiões, em 1967/1968 e 1972/1973, a última das quais com um dos maiores avançados da história do futebol português nas fileiras. Manuel Fernandes apresentou-se à Primeira Divisão na CUF em 1969 e por lá ficou até 1975. 

Após o 25 de abril, a perda de fôlego da CUF enquanto empresa precipitou a queda a pique do clube rumo às profundezas das divisões inferiores, já sob o desígnio de Quimigal. Na viragem para o século XXI, no sobe e desce entre os distritais e os nacionais, o agora denominado Grupo Desportivo Fabril, estabilizou-se como entidade formadora para a Primeira Liga. Eduardo Quaresma, Leandro Santos e Fabrício Garcia são os mais recentes exemplos de atletas de elite que começaram a carreira no Estádio Alfredo da Silva.

Apesar do distanciamento entre clube e esfera empresarial, a família Mello, herdeira da CUF, continuou a contribuir para a estabilidade estrutural do clube, ao conceder-lhe em 2002 o direito de superfície para os 50 anos seguintes dos terrenos onde está localizado todo o complexo desportivo do clube, perto da fronteira entre os concelhos do Barreiro e da Moita.

Contudo, a compra dos mesmos por um empresário, vinte anos depois, em março de 2022, precipitou o início de uma história pouco encantada que nos traz de volta ao presente incerto, mas que contrasta com o passado de glória.  

Para não deixar o Fabril sem teto, o acordo inicialmente estabelecido entre as três partes previa que o clube passasse a ser proprietário do Estádio Alfredo da Silva e que pudesse utilizar o pavilhão que viria a ser construído nos terrenos vendidos pela família Mello, mediante determinadas condições.  

Este é um dos campos sintéticos que não pertencem ao Grupo Desportivo Fabril (Miguel Nunes)

Apesar de a primeira parte do acordo se ter concretizado, negociações entre as várias direções do clube e o novo proprietário sobre os termos da entrega e posterior utilização dos terrenos atrasaram o processo de transição e precipitaram, três anos depois, o fecho das instalações por ordem do tribunal.

Com três campos de futebol e um pavilhão serve-se uma comunidade inteira 

Barreirense de gema e criado nos corredores do Estádio Alfredo da Silva, Pedro Miguel Lima assumiu a presidência do Fabril há menos de um ano, para «retribuir» o impacto do clube na formação enquanto atleta e indivíduo. 

Ao ter entrado em funções já com todo o processo de transição a decorrer, o dirigente estava consciente que o dia 27 de fevereiro podia chegar a qualquer momento: «Quando tomámos posse sabíamos que o maior desafio que estava pela nossa frente era exatamente esse. Nós tentámos sempre gerir a situação em silêncio para não criar um grande alarido.» 

Presidente do Fabril não quer que o clube dê um passo maior que a perna (Miguel Nunes)

Em conversa rodeada pela história do clube em forma de troféus, o líder do clube esclarece o peso do encerramento de instalações frequentadas por quase 600 atletas a meio da temporada desportiva: «Estamos a falar em toda a formação do clube, a nível de futebol, que afeta o futebol 5, o futebol 7 e o futebol 11. No pavilhão, temos o hóquei em patins, o judo e a patinagem artística, que são modalidades que vão ficar diretamente afetadas.» 

O presidente do Fabril vinca que o maior impacto do encerramento da atividade nas atuais instalações não é financeiro, mas sim social, fruto de «protocolos firmados que não trazem qualquer retorno ao clube». Além das equipas desportivas, o pavilhão Vítor Domingues, construído em 1971, alberga aulas de Educação Física de uma Escola Secundária, treinos da Polícia de Segurança Pública e um projeto com a Câmara Municipal do Barreiro de apoio a jovens carenciados.  

Apesar do alarmismo provocado pelo fecho parcial das instalações, Pedro Lima elogia repetidamente a boa vontade do proprietário que permitiu que os campos e o pavilhão fossem reabertos a tempo dos treinos da tarde de dia 27. Nós tivemos uma reunião esta semana com o novo proprietário, no sentido de continuar, pelo menos até o fim da época, a utilizar as instalações. Estamos a dialogar e a tentar chegar a pontos de encontro», vincou Pedro Lima, confiante de que as negociações vão chegar a bom porto.  

Em esclarecimentos enviados ao jornal barreirense Rostos, a 28 de fevereiro, o proprietário vinca que tem a intenção de negociar «a continuidade da prática desportiva». À mesma fonte, a empresa encabeçada por José Pedro Rodrigues, antigo comentador afeto ao Sporting, garante que aguardou que as várias direções do Fabril procedessem à entrega voluntária dos terrenos adquiridos a 16 de março de 2022. 

O Estádio João Pedro serve de casa para os principais escalões de formação do Fabril (Miguel Nunes)

O novo proprietário acusou ainda o clube barreirense de ter contribuído para a degradação gradual das instalações e de ter «abandonado sucessivamente várias modalidades amadoras que foram uma referência na formação desportiva no Barreiro».

Já consciente de que a partir do verão o clube terá de procurar alternativas aos terrenos que ainda ocupa, a direção verde e branca procura, à mesa das negociações, garantir que todas as modalidades do clube conseguem terminar a temporada com vista para o Estádio Alfredo da Silva.  

Pavilhão Vítor Domingos foi inaugurado em 1971 (Miguel Nunes)

Pedro Lima garante que nesta fase todas as possibilidades estão em cima da mesa, incluindo aproveitar a área do Estádio Alfredo da Silva para albergar alguns escalões. E, entretanto, a Câmara Municipal do Barreiro já entrou em contacto com o clube para disponibilizar um terreno para a construção dos novos campos.

No caso do hóquei em patins e da patinagem, o presidente do Fabril admite que será mais delicado encontrar uma alternativa, mas recusa suspender atividade: «São duas modalidades que trabalham com patins e nem todos os pisos estão preparados para recebê-las. Não há muitas alternativas. Teremos de nos ajustar a uma nova realidade.» 

A esperança mora no Estádio  

Todos os dias, como tantos outros dirigentes nos escalões inferiores do nosso futebol, Pedro divide-se entre a ocupação laboral primária na Margem Norte durante o dia e a «missão» no Estádio Alfredo da Silva ao cair da noite. Dar mais do que receber é o lema de quem abdica do descanso e até de uma vida familiar estável para não deixar os gigantes adormecer de vez: «Ninguém é profissional, ninguém tira retorno financeiro clube, toda a gente está aqui para ajudar a manter esta casa e, se possível, ainda fazê-la crescer.» 

Pedro Miguel Lima veste a camisola pelo Fabril (Miguel Nunes)

O peso da responsabilidade de encontrar soluções para manter a essência de um clube histórico e central para o desporto de uma região, contrasta com a leveza da mensagem de Pedro Lima: «O nosso objetivo é que este clube continue a manter a sua génese, que é ser um clube eclético. Estamos a trabalhar para que o Fabril possa durar no mínimo mais 100 anos.» 

Uma dar razões para o otimismo do presidente dos verdes e brancos assenta no facto do clube ser proprietário do Estádio Alfredo da Silva, o centro da atividade desportiva e, desde a semana passada, administrativa. «O Fabril não deixou de ter casa, finalmente tem património», frisou visivelmente animado.

A CUF recebeu o AC Milan já no Estádio Alfredo da Silva, inaugurado em 1965 (Miguel Nunes)

A partir deste pedaço de história viva, o Fabril vai procurar começar de novo, construir os próprios campos e continuar a permitir que jovens rapazes e raparigas pintem o futuro, seja com os patins ou com uma bola de futebol nos pés. Como habitual, pelos caminhos do futebol puro nacional, esse caminho será feito gradualmente, sob o risco de voltar a ser traído pelo destino.