Lembrar e viver em Manchester: uma visita ao maior museu do futebol
A entrada do National Football Museum (Foto: Luís Mateus)

Lembrar e viver em Manchester: uma visita ao maior museu do futebol

INTERNACIONAL20.12.202322:00

National Football Museum é ponto de paragem obrigatório para quem visita a cidade e é apaixonado pelo jogo; história e interatividade param os visitantes no tempo; incluída viagem emocional imperdível à nossa infância

MANCHESTER – O icónico e futurístico Urbis, que há 11 anos alberga o National Football Museum (anteriormente localizado em Preston desde 2001), o maior do mundo, não passa despercebido a quem caminhe pelo centro da cidade. 

A dois minutos a pé da estação de caminhos de ferro Victoria Station, a terceira mais movimentada de Manchester, o edifício ergue-se para se distinguir do que o rodeia, localizado do lado oposto à imponente catedral e com entrada a partir dos seus jardins, prometendo, ainda cá fora, uma experiência única, muito mais do que um simples regresso ao passado. Algo que cumpre sempre que reclama a interatividade do adepto, quase sempre apaixonado pelo beautiful game, talvez até fanático, ou apenas criança deslumbrada com o que vê no pequeno ecrã ou no estádio, e que não perde a oportunidade única de entrar.

Além de expor objetos e imagens de uma modalidade ainda arcaica na Velha Albion, o museu britânico do futebol, o maior da atualidade, convida os visitantes a vestir inúmeras outras peles. As de quem viveu num outro tempo, sim, mas também os que hoje, de uma ou de outra forma, fazem parte do mundo do futebol. Já lá vamos, ainda temos de reviver mil e uma histórias do desporto-rei.

National Football Museum (Foto: Luís Mateus)

À entrada, esperam réplicas das taças da Premier League masculina e da feminina Superliga, pontos de paragem obrigatória para uma fotografia para a posterioridade, antes de os olhos descobrirem o Mini Cooper do irreverente extremo irlandês George Best e a exposição fotográfica sobre o dérbi de Manchester: «A City United» («Uma Cidade Unida», trocadilho com o nomes dos dois rivais).

Espaço dedicado à seleção inglesa no National Football Museum (Foto: Luís Mateus)

A história recontada por objetos e imagens

Umas primeiras escadas introduzem-nos à história do association, no primeiro andar. Pelo museu, distribuem-se cerca de 2.500 objetos e há mais de 40 mil que fazem parte do espólio, ainda em Preston. Entre os que se encontram no Urbis incluem-se a ata com as 13 leis originais, a mais antiga Taça de Inglaterra a resistir à passagem dos anos, o troféu original da First Division, uma réplica da Jules Rimet conquistada em 1966 pela seleção dos três leões diante da Alemanha e, no Hall of Fame, a estátua de Lily Parr, antiga futebolista profissional das décadas de 20 a 50, durante as quais teve um enorme impacto no jogo. 

Gravura do Preston North End no National Football Museum (Foto: Luís Mateus)

Obviamente, há muito mais. Continuemos: a camisola usada por Arnold Kirke Smith no primeiro encontro internacional, entre Inglaterra e Escócia, em 1872, uma gravura colorida do primeiro campeão, o hoje praticamente desconhecido Preston North End, cujos futebolistas foram cognominados de Os Invencíveis, a bola com que se jogava no século XIX e uma semelhante à usada na primeira final do Campeonato do Mundo, entre Argentina e Uruguai, em 1930, e o programa do Match of the Century de 1953, em que os Poderosos Magiares da Hungria derrotaram a Mãe do Futebol Inglaterra em Wembley, por 6-3, e provocaram o primeiro grande escândalo a nível planetário. 

National Football Museum (Foto: Luís Mateus)

E por aí fora. Cartazes, cachecóis, camisolas, mais gravuras e programas, garrafas de cerveja, latas de refrigerantes, bilhetes, miniaturas, bandeiras, mascotes e tudo o que minimamente esteve relacionado com modalidade espalham-se por inúmeras vitrines, verdadeiros marcos de uma viagem por alguns dos mais significativos momentos do association

A mascote do Mundial de 1966 no National Football Museum (Foto: Luís Mateus)

O hooliganismo, o fim do peão e as tragédias de Hillsborough e do incêndio de Bradford, com curtos filmes a contar o que aconteceu e a avivar as memórias mais desertoras, não são esquecidos, enquanto a Taça de Inglaterra ocupa um dos maiores destaques da exibição pela importância que tem na cultura futebolística do Reino Unido desde a edição inaugural, a da primeira competição da história do jogo. 

National Football Museum (Foto: Luís Mateus)

O Wolverhampton, proclamado campeão do mundo pelo jornal Daily Mail, depois de vitórias sobre os soviéticos do Spartak Moscovo e os húngaros do Honved e de um registo impressionantes de invencibilidade em 1954, torna-se numa espécie de portal para as competições internacionais, não só de clubes – em que o desastre de Munique de 1958, que vitimou 23 pessoas da comitiva do Manchester United após eliminar na Taça dos Campeões Europeus o Estrela Vermelha em Belgrado e parar para reabastecer na Alemanha, é naturalmente assinalado – e de países, com a seleção de Inglaterra e os Campeonatos do Mundo a dominarem, à vez, as atenções. Por 1966, há um natural carinho, tal como pelo the (almost) impossible job («o emprego quase impossível») que é ser selecionador nacional, exemplificado com pinturas de Alf Ramsey, Bobby Robson e do atual Gareth Southgate, entre outros.

Jogos antigos relacionados com o futebol no National Football Museum (Foto: Luís Mateus)

Do outro lado da sala, novamente George Best, a homenagem às vítimas da II Grande Guerra, várias citações de treinadores históricos como Alex Ferguson e Bob Paisley, um quadro espantoso com o Rei Cantona, a referência ao filme de culto de 1981 «Fuga para a Vitória», com a camisola autografada por Pelé, que marca na película o golo decisivo de pontapé de bicicleta, Arthur Wharton, o príncipe dos guarda-redes, que adorava entreter a multidão e uma vez saltou da barra para fazer uma defesa, e a faixa com que a vila de Wythenshawe homenageou Marcus Rashford por este ter obrigado o governo inglês a voltar atrás quando, durante a Covid-19, no verão de 2020, tentou acabar com as refeições grátis nas escolas.

National Football Museum (Foto: Luís Mateus)

Antes de voltarmos a subir, é renovado o convite para mais interatividade, com vários passatempos antigos, e a possibilidade de treinar e simular o comentário desportivo em programas históricos como o Match of the Day, que recentemente tem sido protagonizado pelos antigos futebolistas Gary Lineker, Alan Shearer e Micah Richards.

Pilhas não incluídas

Se num segundo piso se pode testar a pontaria a marcar penáltis, e a técnica a passar a bola e a fazer tabelas, ou até jogar com recurso à realidade virtual sem bola, a tecnologia já não sobe connosco ao terceiro andar. 

Quadro com Cantona no National Football Museum (Foto: National Football Museum»

Os jogos são muitos, vários podem ser experimentados e outros vão mesmo para lá da nossa infância, talvez até à dos nossos pais. É impossível não parar uns minutos por causa do Subbuteo, dos matraquilhos ou de antigos títulos de consola e de computador, como o Emlyn Hughes International Soccer – tantas horas passei eu a marcar golos do meio-campo no meu ZX Spectrum –, ou de máquinas árcade com o velhinho Kick Off por exemplo. Tantas memórias!

Mais jogos no National Football Museum (Foto: Luís Mateus)

O National Football Museum é, pelo menos, uma metade de dia bem passada, porque não se trata só de ver, mas também de viver. Imperdível para quem visita Manchester e adora futebol e tudo o que o rodeia.