ENTREVISTA A BOLA José Luís Arnaut: «Portugal não pode prescindir do saber de Fernando Gomes»

NACIONAL14.02.202510:55

José Luís Arnaut concede primeira entrevista como presidente da Mesa da Assembleia Geral da FPF, no dia em que abandona o lugar, que ocupa desde novembro de 2011. Um olhar sobre o consulado de Fernando Gomes de alguém que sempre fugiu ao protagonismo...

José Luís Arnaut, 61 anos, advogado, atual presidente do Conselho de Administração da ANA, Aeroportos, cessa hoje funções, que vem a exercer desde 2011, como presidente da Mesa da Assembleia Geral (AG) da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), tendo antes assumido funções idênticas na Liga de Clubes, presidida por Fernando Gomes, com quem manteve contacto institucional direto durante década e meia. Num momento marcante não só para o futebol nacional como para a nossa sociedade em geral, o Euro-2004, José Luís Arnaut, à altura ministro da Presidência no Governo de Durão Barroso, teve a tutela do Desporto e coube-lhe coordenar, na parte portuguesa, a construção do edifício do primeiro Campeonato da Europa de Futebol do século XXI. Na primeira entrevista que concede em doze anos de presidência da AG da FPF, Arnaut fala como testemunha privilegiada do salto quântico dado pela FPF na liderança de Fernando Gomes, que gostava de ver como presidente do Comité Olímpico de Portugal.

— O primeiro salto foi com Gilberto Madail, não da magnitude que conhecemos com Fernando Gomes, mas de qualquer forma tratou-se de um primeiro sinal de modernidade e visão...

— De facto isso aconteceu, e depois Fernando Gomes potenciou tudo. A FPF fez a Cidade de Futebol, ainda antes de 2016, uma infraestrutura única que serve de modelo a todos os continentes, e a FIFA utiliza como exemplo; depois fez-se a Casa dos Atletas, que teve uma utilização social importante durante a pandemia; e agora foi edificada a Arena Portugal, que é uma outra infraestrutura completíssima, tudo feito com recursos próprios, sem dívida. Fernando Gomes acaba este mandato sem dívida, e era bom que toda a gente que termina um mandato pudesse fazê-lo, em instituições públicas ou privadas.

— Estou a ver que lhe apetece falar de Fernando Gomes e do legado que deixa...

— Com ele e a sua equipa, conseguimos 18 títulos, não se esqueça disso, Campeonato da Europa, a Liga das Nações, o Mundial e os Europeus do Futsal, o Futebol de Praia, o impulso no futebol feminino, tudo isto em três mandatos. É um orgulho ter sido testemunha desta obra, com aquela discrição e sensibilidade de Fernando Gomes. Temos 30 seleções, em 50 competições permanentes, a Federação é uma grande instituição, e ainda me parece que os portugueses não têm bem noção do que é a FPF. Estamos a falar de 240 mil praticantes desportivos que a Federação, através das diversas estruturas distritais, locais e profissionais, desenvolve, o que é uma força muito importante da atividade desportiva e social do País.

— Surpreendeu-o a decisão de Fernando Gomes de, sendo vice-presidente da FIFA, se candidatar à presidência do Comité Olímpico de Portugal (COP)?

— Não. E se quer que lhe diga, até o incentivei. Trata-se de uma pessoa, na história do futebol e da FPF, que atingiu um sucesso ímpar. Deixa um legado extraordinário, dos pontos de vista desportivo, organizacional e financeiro. Portugal não pode desperdiçar uma pessoa com as qualidades, com o know-how, com a redes de contactos internacionais que o Fernando Gomes tem. Se ele ficar a trabalhar exclusivamente para a FIFA é Portugal que perde. Tem havido uma tentativa de partidarizar as eleições para o COP, e Fernando Gomes também é a garantia de que o COP não será partidarizado. O COP tem de estar fora da política, tal como aconteceu com a FPF. Mais a mais, o COP, do ponto de vista dos patrocínios, não vive o seu momento mais famoso, e terá de ser alguém capaz de bater às portas certas e encontrar os parceiros necessários, para devolver a vitalidade que foi criada por José Manuel Constantino, que infelizmente já não está connosco. A curva de revitalização tem de ser retomada, e isso só pode ser feito por Fernando Gomes.

— Ao longo da sua carreira política e profissional, que começou muito cedo, já se cruzou com muita gente competente, outros nem tanto, presumo, mas em que lugar nesse ranking de competências colocaria Fernando Gomes?

— Trata-se alguém de uma competência, lealdade e verticalidade, como raramente conheci. Estou com ele há 15 anos, sem atritos institucionais. E há nele uma seriedade que é uma garantia inestimável. Além disso é frontal, pensa muito bem e foi capaz de rodear-se de uma boa equipa, mostrando que não se vê como um homem providencial, mas como um verdadeiro líder. Ao longo deste tempo que estive com ele, vi-o sempre a saber aquilo que queria, e identifiquei-lhe uma particularidade fundamental: nunca pensa no que vai fazer a seguir, ou no próximo ano, o que o preocupa é o que realizar daqui a cinco anos e construir daqui a dez. Tenho ótima impressão dos outros candidatos, mas Fernando Gomes é incapaz de se pôr em bicos de pés, colocou sempre as instituições à frente da sua pessoa, gerando confiança. Todos os que trabalhamos com ele sabíamos que nunca nos tiraria o tapete, mesmo na discordância. E em várias matérias, que não eram institucionais, discordámos bastante, até porque como sabe não tenho fama de ter bom feitio. Mas com frontalidade fomos sempre capazes de ultrapassar as divergências estratégicas que pontualmente tivemos. Creio que é de alguém como Fernando Gomes que o COP precisa.