Benfica: «A nossa visão é continuar a ser um dos maiores centros de formação do mundo»
— O que é que se proporcionou para que esta fosse uma época de sucesso para a formação do Benfica?
— No futebol de formação, mais do que ganhar ou do que perder, importa a maneira como se ganha e a maneira como se perde. Isso é muito importante. É um contexto completamente diferente do contexto de alta competição. E aquilo que mais nos deixa orgulhosos, independentemente das conquistas, é o modo como o fizemos. Aquilo que as nossas equipas demonstraram. Aquilo que foi a evolução dos atletas ao longo da época e ao longo destes anos, muitos deles têm muitos anos já de futebol de formação de Benfica, é o que nos orgulha mais. Porque às vezes o resultado não se controla. Aquilo que nós controlamos são as diretrizes, a filosofia, as linhas orientadoras de um projeto de futebol de formação. E depois temos um conjunto de indicadores que nos diz se de facto estamos a concretizar os nossos objetivos ou não. E admitimos que a questão dos títulos é um deles.
— Como se concilia a parte competitiva do jogador com a parte formativa do ser humano?
— Nós costumamos dizer que não há grandes jogadores se não forem grandes homens. É muito difícil. E nós aqui, felizmente, temos muitos exemplos positivos. Aqueles jovens jogadores que conseguem atingir o nível do futebol profissional do Benfica, se há coisa que têm em comum é aquilo que é a sua dimensão humana, a sua mentalidade, o seu caráter, a sua personalidade. E isso é uma coisa que também se desenvolve e à qual nós damos muita importância e conseguimos incutir. Isso para nós é um fator de sucesso determinante e acho que temos tido jovens jogadores que têm tido esse sucesso também à custa dessa mentalidade.
O foco do nosso processo de desenvolvimento de jovens jogadores está no seu individual.
— E na prospeção de treinadores para a formação, também se olha mais para a parte pedagógica do que para a parte técnico-tática?
— Eu não sei se nós temos de chamar treinador ou se temos de chamar formador. A importância que a componente pedagógica tem, se calhar às vezes até nos leva a pensar que são mais formadores do que treinadores. També depende do escalão. Uma coisa é ajudar à prática e ao desenvolvimento de uma criança com 6, 7 e 8 anos, que nós já temos aqui no Benfica. Outra coisa é ajudar um jovem que está num contexto de sub-23, equipa B, juniores, o que for, a desenvolver-se. O jovem jogador passa por várias etapas e cada uma delas requer um conhecimento e um foco num conjunto de aquisição de conhecimentos diferentes, distintos, mas é evidente que a parte pedagógica é fundamental porque a dimensão humana do jogador é determinante para atingir o sucesso.
— Nesse sentido, o Benfica não pretende contratar para a formação um treinador que esteja só focado em ser o próximo Guardiola ou o próximo Mourinho?
— O foco do nosso processo de desenvolvimento de jovens jogadores está no seu individual. É evidente que o jogo é um jogo coletivo, que existem relações do ponto de vista humano, do ponto de vista social, do ponto de vista tático, porque os miúdos não jogam sozinhos. Agora, eu acho que as coisas têm de ser feitas com equilíbrio. Tem de haver uma correlação entre aquilo que é a importância das componentes mais coletivas, das componentes mais individuais, naquilo que é o processo de aprendizagem e da aquisição de conhecimento destes jovens jogadores. O foco não está todo na componente tática, na componente coletiva. Tem de haver conteúdos que vão aumentando à medida que as faixas etárias vão sendo maiores.
— Então, como é que é introduzida a parte tática nestes jogadores?
— A ideia é, gradualmente, eles irem aprendendo. Mas isso não é só no conhecimento tático. É no conhecimento do ponto de vista técnico, as coisas também vão aumentando, vai aumentando a complexidade, eles vão tendo mais volume e começam a adquirir coisas que ainda não sabem. E as questões táticas são assim também.
— Para além dos títulos ganhos, como mede o sucesso da Academia?
— A nossa missão está bem clara: preparar estes jovens jogadores para chegarem ao futebol profissional do Benfica, para nos darem vitórias, títulos, a nós, aos sócios, aos adeptos. A nossa visão é ser, e continuar a ser, um dos maiores centros de formação de jovens jogadores na sua dimensão mundial.
— Como tem visto a integração de jovens formados no Benfica na equipa principal, desde que é diretor do futebol de formação do clube?
— Se nós olharmos para aquilo que está para trás, percebermos a quantidade de jovens jogadores que chegaram a futebol profissional, naturalmente, uns com mais impacto, outros com menos impacto, faz parte, consegue perceber que, de facto, há uma linha orientadora, há uma estratégia, e que os jovens da formação do Benfica têm tido as oportunidades, à medida das capacidades e do nível de competências, para dar resposta a um nível de exigência muito grande, como é o futebol profissional do Benfica.
Bruno Lage? Neste momento, acho que é difícil encontrar alguém que conheça melhor o futebol de formação.
— Como funciona a ligação entre a formação e a equipa principal?
— Há um conjunto de pessoas no futebol de formação que têm a competência de avaliar aqueles jogadores que estão mais perto da transição para o futebol profissional. Existem pessoas também no futebol profissional que assumem esse papel, o nosso treinador do futebol profissional é o primeiro a ter o conhecimento daquilo que é o futebol de formação, e, portanto, há um conjunto de pessoas que acompanham os jovens, que os avalia. Eles também têm a oportunidade de treinar com muita regularidade na equipa principal.
— Ajuda que o treinador da equipa principal seja Bruno Lage, que teve o percurso que é bem conhecido na formação do Benfica?
— É evidente que sim, não é? Neste momento, acho que é difícil encontrar alguém que conheça melhor o futebol de formação. Mas permitam-me dizer, nós também já tivemos este sucesso com treinadores que não conheciam tanto como o Bruno o futebol de formação do Benfica. Mais do que conhecer ou não, é uma questão de competência. No futebol ninguém não dá nada a ninguém. Bruno Lage não vai dar oportunidades por dar. Eles têm de conquistar o seu espaço.
— Roger Schmidt podia não conhecer tão bem a formação do Benfica, mas permitiu que jogadores como António Silva e João Neves se afirmassem.
— Há sempre uma linha de comunicação estreita, com uma relação próxima, com um processo completamente alinhado, e, neste caso, culminou quando António Silva conquistou o seu espaço, à custa do seu trabalho e à custa das oportunidades que lhe deram, e com o João Neves foi exatamente igual.
— Sente que, ao longo dos anos, as portas dos jogadores para a formação estão mais abertas?
— Há uma coisa que eu sei. Fechada não está de certeza, mas também não está completamente escancarada. Como alguém dizia, uma coisa é um elevador, uma coisa são escadas. E chegar à equipa profissional de elevador não é muito bom. É preciso saber subir as escadas. A porta estará sempre aberta à dimensão da competência e da capacidade dos jovens jogadores, e da resposta que eles possam dar em determinado momento.
— O Bruno também já trabalhou e liderou o departamento de prospeção do Benfica: como é que o clube identifica talentos com 10 anos ou menos?
— Vamos à procura de um conjunto de aptidões que essas crianças possam ter para a prática do jogo. É um trabalho denso, volumoso. É feito uma análise exaustiva dos praticantes a nível nacional. Também temos o projeto dos Centros de Formação e Treino, espalhados por todo o país.
— Onde?
— Temos seis, nos distritos de Faro, Leiria, Viseu, Aveiro, Braga e Vila Real. E isso é uma mais-valia enorme porque nos permite ter um contexto para aquilo que são os jovens que nós identificamos com mais aptidões e teoricamente mais talento.
Influência de agentes em jogadores da formação «é um fator perturbador»
— Como vê a crescente influência dos agentes em jogadores da formação, às vezes com 12 anos ou menos?
— Com alguma preocupação. Portugal é um paraíso naquilo que é o futebol. O país, o nosso contexto, a nossa dinâmica, tem um conjunto de particularidades altamente vantajosas. O sucesso que temos tido no futebol, na formação de jovens jogadores para a alta competição, para um país como o nosso, é fantástico. E temos um ou outro fator perturbador. E eu acho que esse é um fator perturbador. Precisamos de regras nesse capítulo e quem tem de assumir essas regras, acho que já o devia ter feito.
— Seria mais saudável que os agentes só entrassem na vida do jogador a partir do escalão de juniores, por exemplo?
— Eventualmente. O que eu posso dizer é que não é saudável o que se vive hoje. Crianças que têm agente, não faz sentido. Os agentes são parte integrante daquilo que é o futebol, mas representam jogadores. E não devem representar crianças. Porque alguém que tem 7 ou 14 anos, seguramente não é um jogador de futebol.
— Seria mais saudável que os agentes só entrassem na vida do jogador a partir do escalão de juniores, por exemplo?
— Eventualmente. O que eu posso dizer é que não é saudável o que se vive hoje. Crianças que têm agente, não faz sentido. Os agentes são parte integrante daquilo que é o futebol, mas representam jogadores. E não devem representar crianças. Porque alguém que tem 7 ou 14 anos, seguramente não é um jogador de futebol.
— Natural de Vila Franca de Xira, o Bruno jogou na União Desportiva Vilafranquense, mas qual é a memória mais antiga que tem do futebol?
— Foi quando comecei a praticar, no âmbito local. Naquela altura era um bocadinho jogar à bola, e essa é a primeira memória que tenho. Não tive a competência suficiente para chegar ao futebol profissional, infelizmente, mas tentei tirar o melhor, daquilo que nós passamos aos nossos jovens jogadores, que são as valências que um desporto coletivo tem no desenvolvimento da formação de um jovem.
— Como é que se deu a oportunidade de começar a trabalhar para o Benfica, em 2001?
— Comecei a servir o Benfica na qualidade de estagiário. Foi um processo muito simples. Na altura estava no início da universidade, estudava Educação Física e Desporto, e surgiu uma oportunidade no Benfica, através de um anúncio normal e o Benfica procurava estagiários que ajudassem num contexto de escola de futebol, aquilo que hoje são as Benfica Escolas de Futebol. E eu vi o anúncio e candidatei-me. Fui aceite e fiz um ano de estágio. Felizmente as coisas correram bem e foram-me dando a oportunidade de poder fazer outras coisas servindo o Benfica, e cá estou.
— Que mensagem quer deixar aos benfiquistas?
— Que continuem a sentir-se orgulhosos do trabalho do futebol de formação do Benfica. Eu falo com conhecimento de causa. As pessoas que servem hoje no Benfica, no futebol de formação, são altamente qualificadas, profissionais de excelência, com um nível de compromisso muito alto. Às vezes fazemos as coisas mais bem feitas, outras vezes menos bem feitas, mas há um compromisso grande de fazer as coisas bem feitas. Acho que os resultados estão à mostra, mas também acho que, como se costuma dizer muitas vezes, e eu sou daqueles que têm a mesma opinião, mais importante do que chegar ao topo é mantermo-nos no topo. E nós queremos continuar a ser um clube no topo do futebol mundial, daqueles que mais e melhor formam jogadores para o futebol profissional. Esse é o nosso compromisso todos os dias.