A propósito do Sporting-FC Porto: Duarte Gomes esclarece 'faltas na passada'

A propósito do Sporting-FC Porto: Duarte Gomes esclarece 'faltas na passada'

NACIONAL19.12.202318:33

Esclarecimento técnico sobre o lance do golo invalidado aos leões, no final da primeira parte do clássico

Há quem lhes chame "troca pés", toque na passada, contacto ligeiro, toque involuntário e por aí fora. 

O mais certo é que tenham todos razão, porque qualquer uma das definições assenta bem na descrição de lances como aquele que ontem valeu a anulação de um golo ao Sporting CP (por pretensa falta de Quaresma sobre João Mário), frente ao FC Porto.

Mas já lá vamos. 

Este esclarecimento técnico, que nem é inédito neste tipo de lances, é sobretudo dirigido a quem está predisposto a tentar entender a lei, de preferência com a cabeça afastada do coração. Não há nenhuma pretensão em tentar "converter" pessoas que têm a sua verdade fechada ou que não consigam,  por esta altura, fazer uma análise mais distante e racional. 

Dito isto: 

- Ao contrário de desportos como o basquetebol, o futebol permite contactos físicos. E quais são? Regra geral, todos os que decorram de movimentos naturais, que sejam totalmente inevitáveis ou acidentais e/ou que não pressupunham abordagem descuidada, desatenta ou negligente da parte de quem os inicia. 

Alguns exemplos: tocar no adversário numa marcação "homem a homem", atingi-lo depois de abordar a bola/jogada de forma correta e legal, tocá-lo por mero acidente ou de forma meramente fortuita (às vezes até lesionando-o com gravidade), chocar inadvertidamente com ele, etc, etc. 

Quer isto dizer que quando um jogador nada faz "a mais" ou "acima" do que tem que fazer em cada movimento, em cada disputa, regra geral não é punido. E faz sentido que assim seja. 

Mas (e há sempre um mas) a linha que separa a legalidade desses contactos daqueles que as regras consideram imprudentes pode ser muito ténue e é aí, é precisamente aí, que nascem discórdias nas opiniões de lances como o de ontem. E foi precisamente isso que aconteceu: para uns, o toque de Quaresma foi involuntário ou acidental, logo não devia ser punido; para outros, foi suficiente para derrubar João Mário, logo tinha que ser sancionado.

Onde mora a verdade numa meio disto tudo?

Permitam-me que vos esclareça: o lance foi, de facto, irregular. E não, não sou eu que digo. São as regras. Esta não é uma opinião pessoal, é análise técnica pura.

A explicação:

- Nestes casos, as leis de jogo consideram que o jogador que vai atrás tem que medir a forma como se aproxima do que está à frente. Se essa aproximação, geralmente em corrida e em velocidade, não tiver a atenção ou o cuidado de calibrar a distância a que está do adversário, o mais certo é que um dos seus pés/pernas/joelhos acabe por atingi-lo.

Claro que geralmente isso não acontece de forma intencional ou deliberada, mas a "imprudência" ignora a voluntariedade do contacto: ela pune apenas a tal falta de cuidado/atenção de quem podia evitar um contacto, não o tendo feito. No fundo, o toque não acontece por acidente, mas porque não foram tomadas as precauções para evita-lo.

Neste caso, o que chocou parte da perceção pública foi a evidente "inocência" do jogador do Sporting e isso é perfeitamente compreensível. Mas o que a lei faz é diferente. Ela foca na inocência de quem está à frente, na do jogador que, não tocando em ninguém, não fazendo nada de errado, sofre um contacto promovido por um adversário, que é suficiente para desequilibra-lo e/ou derruba-lo, deixando-o irremediavelmente fora da jogada. 

Pensem um pouco nisso. Será justo uma equipa sofre um golo legal, quando alguém provocou a queda a um seu atleta, que estaria em condições de disputar o lance de igual para igual, ficando inibido de o fazer? 

Tirem o foco em quem promove o contacto e coloquem-se na posição de quem defende e é derrubado.

Sem prejuízo do que cada um de nós possa pensar, seria importante que se entendesse que toques na passada (ainda que involuntários), promovidos por um jogador sobre outro, que tenham como consequência o seu derrube, desequilíbrio ou afastamento da jogada (esta parte é importante), devem ser sempre punidos tecnicamente.

O VAR esteve muito bem ao chamar o árbitro e o árbitro esteve muito bem ao anular o golo. 

Se, em lances exatamente iguais, a decisão for diferente, o árbitro errou (infelizmente já aconteceu esta época, num lance que o árbitro entendeu ignorar erradamente a intervenção oportuna do seu VAR). 

É por situações como esta (e tantas outras) que é fundamental que quem joga, treina, dirige aplaude, comenta, analisa (e sobretudo arbitra) futebol, deve conhecer bem as regras do jogo e o seu alcance prático. 

Às vezes, um pequeno esclarecimento no momento certo pode evitar semanas de grandes contestações. Certo?