Mourinho e o Benfica
José Mourinho na estreia como treinador, no Benfica, em 2000 (Foto: A BOLA)

Mourinho e o Benfica

OPINIÃO10.04.202409:00

De tempos a tempos parece haver a necessidade de um acerto com o passado

«Sei que um dia voltarei a treinar o Benfica». Foi assim, de forma desabrida, no longínquo ano de 2001, que um jovem José Mourinho revelou a um ainda mais jovem repórter qual das estradas por onde caminharia novamente. Fê-lo numa daquelas conversas que seriam impossíveis nos tempos atuais: ele em pleno balneário no Estádio Municipal da Marinha Grande, onde o UD Leiria se treinava, eu de bloco e caneta em riste, sem quaisquer intermediários, cada um nas suas funções, onde a palavra e o respeito pelo que se podia dizer ou não dizer obedecia a acordos tácitos que são hoje difíceis de explicar a quem não está ser habituado ao contraditório saudável.

Aquela entrevista tinha um motivo: havia indícios claros de que o Benfica se tinha arrependido de o mandar embora uns meses antes e tentava emendar a decisão, pelo que quisemos perceber, em primeiro lugar, o que havia de concreto e, de seguida, qual seria a sua recetividade em voltar. Mesmo com a pouca experiência no terreno recordo-me de perceber, quase na hora, que aquelas palavras consubstanciavam uma espécie de fundo de poupança e que o seu futuro imediato não iria passar pelo regresso à cadeira onde se sentou pela primeira vez para dirigir uma equipa. Até porque durante a conversa também lhe perguntei se já tinha sido contactado pelo FC Porto, ao que me respondeu com não tão redondo quanto o seu sorriso. Há coisas que só se confirmam formalmente depois, mas que parecem já escritas nas nuvens.

A verdade é que logo no princípio da carreira José Mourinho mostrou estar muito à frente dos outros na forma como utilizava as palavras (e muito mais tarde, os silêncios). Era, em certa medida, um três em um: treinador, diretor desportivo (porque definia o perfil de jogadores a contratar) e diretor de comunicação, muito antes, sequer, de o termo surgir no léxico do futebol nacional.

Deixar janelas em aberto sempre foi uma das suas estratégias e mesmo quando surgiram convites como aquele que Luís Filipe Vieira lhe fez em 2019, encontrou uma forma de nunca beliscar nem dirigentes, nem adeptos, nem o clube. Mesmo que em bom português a justificação da recusa fosse um simples ‘Isso é pouco para mim’.

Cinco anos depois, eis que Benfica e José Mourinho voltam a entrar na mesma frase, mesmo que os verbos (ou os seus tempos verbais) variem consoante a hora do dia. É uma espécie de sebastianismo ao qual os encarnados parecem estar fadados, como se houvesse um acerto obrigatório com o destino.

Rui Costa (ele próprio um produto do programa Regressar) será sensível a isso e nenhum presidente de um clube português fecharia a porta à possibilidade de, pelo menos, estudar a possibilidade de contar com Mourinho, caso os astros assim o determinassem.

A questão de fundo, porém, não é de casos mal resolvidos no passado ou mesmo temas de ordem financeira: é que se porventura este cenário avançasse (estamos, apenas, no capítulo das hipóteses, mas o futebol é um campo cheio de possibilidades) era todo um futebol diferente que se poderia esperar dos encarnados, obrigando a outros perfis de jogadores. Seria, no fundo, a confirmação de uma gestão desportiva assente em golpes de asa. À boa maneira antiga. Às vezes resulta…  

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