Bruno Lage e Rui Borges abraçados no dérbi de Alvalade: ambos fazem parte do lote de 21 mudanças de treinador em 2024/25 (Foto: Bruno Carvalho/IMAGO)
Bruno Lage e Rui Borges abraçados no dérbi de Alvalade (Foto: Bruno Carvalho/IMAGO)

Lage na capela do Bonfim, Rui Borges na Igreja da Encarnação

Às 18 horas de sábado joga-se muito mais do que um título, jogam-se vidas... Resta saber quem quer mais ser feliz num jogo para o qual todos os deuses e todos os santos são convocados. Eu sou o Jorge Pessoa e Silva e esta é a crónica semanal do meu Livro do Desassossego

Às 18 horas do próximo sábado, no Estádio da Luz, é muito mais do que um jogo que vai começar. É muito mais do que um título de campeão que está em jogo. É muito mais do que um duelo intenso de gigantes entre Benfica e Sporting. É muito mais do que uma celebração de uma história rica que o futebol tem sabido guardar e contar de pais para filhos. De avós para netos...

Às 18 horas do próximo sábado, no Estádio da Luz, são vidas que se jogam em noventa minutos. E que se jogam menos nas questões técnicas e táticas e mais na coragem, na atitude, na crença, na capacidade de sacrifício, no espírito de equipa, nos olhares que se cruzam entre camaradas de armas numa energia que não se explica e que a todos convoca à transcendência. E se no jogo a equipa será mais equipa na comunhão dos guerreiros, na antecipação do duelo cada protagonista prepara-se de acordo com rituais próprios. De acordo com as suas crenças, hábitos ou superstições.

Estou a imaginar Bruno Lage a visitar a Capela do Senhor Jesus do Bonfim, em Setúbal. E é por um bom fim que o Benfica tanto almeja. Vejo o treinador encarnado parado a apreciar pela enésima vez a imagem denominada Nossa Senhora dos Homens, porque é de Homens, com H bem grande, que vai precisar mais do que nunca.

Estou a imaginar Rui Borges a visitar a Igreja Nossa Senhora da Encarnação, em Mirandela. Senhora que encarnou e deu à luz Jesus, mas desta para lhe pedir que... esverdeie e dê na Luz um título. O treinador leonino tem apenas de andar alguns metros para pedir a proteção de São João Paulo II, cuja estátua abençoa a cidade. E promete que voltará com a Taça na mão. Com o rio Tua aos pés, à noite, olha o céu com olhos de água na direção da estrela que o guia: o avô. Gritando bem alto: consegui.

Estou a imaginar, no balneário do Sporting, minutos antes do jogo, Gyokeres a vestir as vestes de Odin, o pai dos deuses da mitologia nórdica, deus da Guerra, da Sabedoria e Vitória. Já no do Benfica, Pavlidis a encarnar Zeus, o deus dos deuses gregos. Odin contra Zeus, o duelo final dos deuses. Um duelo tão intenso que nem Hollywood se atreveu ainda a imaginar. Um duelo final deste e de todos os mundos.

Os menos dados à religiosidade e à mitologia e mais à superstição, talvez possam adicionar uma colher de sopa de sal grosso a uma taça de vinho. Depois de mexer bem, e com muita concentração, juntam uma colher de chá de pimenta em pó. Misturam tudo novamente e acrescentam uma folha de hortelã. Escrevem o nome do adversário num papel. Levam a taça de vinho para um terreno abandonado e colocam o papel por baixo. Com o tempo, o adversário começa a perder forças e na hora do jogo não terá poder para fazer mal...

Estou a imaginar Otamendi e Hjulmand, de olhar gélido e imperturbável mas com fogo na alma, caminhando à frente da equipa, sem lugar a hesitação. No apito inicial do árbitro uma corrida que se inicia à felicidade. Como li algures, sem conseguir identificar o autor, «a felicidade requer algo para fazer, algo para amar e algo pelo qual ansiar.» Quem quer mais ser campeão? Quem tem mais fome? Quem está mais disponível para ser feliz?