Morrer em absoluta solidão e a mente amputada de um racista
Não há morte mais triste do que a morte em perfeita solidão. Haverá mortes mais dramáticas, mais dolorosas, mais traumáticas para quem fica, mas nenhuma mais triste do que em absoluta solidão. E não há solidão mais absoluta do que aquela em que estamos sós até de nós próprios, incapazes de nos reconhecermos, de nos entendermos, um corpo divorciado da mente e esta sem cordão umbilical que a ligue a uma identidade, a uma personalidade, a um rasgo de memória. A pessoa morreu antes de morrer. Nem chega a morrer, apenas se torna fumaça, evaporando sem se levar a si mesma. Maldito Alzheimer. Retira a uma pessoa ser pessoa, nega-lhe o direito a dar luta, a despedir-se, a levar-se consigo para onde quer que seja.
A morte de Gene Hackman é uma verdadeira lição de vida. O famoso ator morreu aos 95 anos devido a uma doença cardiovascular hipertensiva agravada por Alzheimer em estágio avançado. A esposa, Betsy Arakawa, de 65 anos, virtuosa pianista, morreu cerca de uma semana antes vítima de síndrome pulmonar causada por hantavírus, uma doença rara transmitida por roedores. Gene Hackmam nem se apercebeu que a mulher jazia morta em casa. Foram encontrados sem vida, em casa, uns dias depois da morte. Aqueles muros daquela luxuosa mansão não protegiam o casal de mirones ou meliantes. Afinal, eram muros de uma prisão onde ninguém entrava, cárcere de indigna solidão. Pode um homem conquistar o mundo, ter milhões de admiradores, ter todo o dinheiro e, ainda assim, ser reduzido ao pó sem ponta de dignidade.
Se algum dia alguém me quiser espetar na cara um ‘mas você sabe quem eu sou?’, terei de respirar fundo e responder que não. Mas que sei quem não gostava que fosse: Gene Hackmam. E lembrava que neste tabuleiro de xadrez que é a vida, nunca esquecesse que no final do jogo o rei e o peão vão parar à mesma caixa.
Uma das melhores interpretações de que mais gostei em Gene Hackman foi a de um inspetor do FBI que chegou a uma pequena cidade do sul dos Estados Unidos para investigar a morte de militantes dos direitos civis que lutavam contra o racismo. Mississipi em Chamas, o nome do filme, é uma história de segregação, violência contra os negros. Ontem como hoje. Numa pequena cidade americana como num estádio de futebol dos nossos tempos. Um racista é, antes de mais, uma mente amputada, que só consegue valorizar-se rebaixando o outro. Que não percebe que é a diferença que nos enriquece. Que Portugal é o país africano mais a norte; o país asiático mas a oeste; o país americano mais a Este, tal como o europeu mais a sul. Alguém que é tão curto de vistas que apenas consegue ver a cor da pele. Ou censura a forma como cada um expressa a forma de amar. Ou o tamanho da barriga… Ou as roupas que veste.
Fiz ao CHAT GPT a seguinte questão: «O que achas do racismo?». Transcrevo apenas o primeiro período da resposta que me deu: «O racismo é uma forma de discriminação profundamente prejudicial e injusta que se baseia na ideia errada de que algumas pessoas são superiores a outras com base na sua raça ou etnia.». Se até a Inteligência artificial percebe o óbvio, o racista só pode ter uma mente amputada. E para essa, como exclamava Al Pacino no filme Perfume de Mulher, não há próteses…