Reinaldo Teixeira tomou posse na presidência da Liga a 16 de abril de 2025. FOTO JOSÉ COELHO/LUSA
Reinaldo Teixeira tomou posse na presidência da Liga a 16 de abril de 2025. FOTO JOSÉ COELHO/LUSA

É altura de voltar a exigir qualidade às lideranças do desporto português

O escrutínio tem de voltar a fazer parte do dia a dia do jornalista, mesmo numa altura em que órgãos e clubes têm meios para comunicar diretamente (o que querem) com o seu público

A mudança está à nossa volta, mesmo que nem todos dela se apercebam. É como aqueles sismos de escala menor, de Richter ou de Mercalli, que acordam de noite os menos sensíveis apenas o suficiente para soltarem um ou dois sons impercetíveis e se virarem para o outro lado, antes de novo adormecerem. Portugal encontra-se em fase de mudança, ainda que nem tudo se passe à superfície.

As placas tectónicas chocam já, antes de se voltarem a ajustar num novo figurino, que pode apenas estar ligeiramente desfocado daquele que existe no presente. Não o sabemos. Idealmente essa até nem seria a paisagem mais desejável, mas sim outra, renovada, que fizesse encarar o futuro de outra maneira. Mesmo que com vários epicentros em vários locais se corra o risco de libertar um tsunami que mude por completo a superfície do nosso país. Se fosse para o melhor, porque não? Ser radical, quando tudo parece estar errado, será assim tão mau?

O país vai a eleições à procura de um rumo, do mesmo, ainda que sem certezas de que saia reforçado, bem pelo contrário, ou de outro, provavelmente tão frágil ou ainda mais do que o primeiro. Entretanto, esbarramos em incompatibilidades, devoluções falhadas de IRS e percentagens e idades de reforma — quando o descabelado Trump, Putin ou Israel e a Palestina não nos forçam a mudar por completo o foco da atenção — que se juntam às dúvidas do dia a dia, mais reais e impactantes, sobre a renda da casa que pouco ou mal já não se consegue pagar ou o racionamento que é preciso fazer no combustível ou nas compras de supermercado.

Também as mais importantes instituições do desporto português, a Liga e a Federação no futebol, e o COP no olimpismo, o fizeram, aí menos limitados pelas ideologias e com maior facilidade de gerar consensos, ainda que não necessariamente aqueles que vão ao encontro da ideia de bem maior. Essa ideia não existe em Portugal há muito tempo, dificilmente terá aparecido mais do que uma ou outra vez desde o dia em que eu nasci.

Já nos clubes, o FC Porto quebrou uma liderança que parecia eterna e o Benfica se prepara para, lá para outubro, reforçar o rumo (se é que verdadeiramente existe) ou escolher um outro, falando-se já em nomes do passado, como Bernardo Silva, João Félix ou Nélson Semedo enquanto angariadores de votos ou armas de arremesso, uma vez que no campo ainda nada é certo. Entretanto, o Sporting terá mais uns anos de liderança de Frederico Varandas, se nada se estranho acontecer. No futebol não se ganha pelas ideias, mas sim pelos resultados ou, se não existirem, pela esperança de melhores dias. Clube é amor e religião, dizem.

A ligação entre política e desporto sempre existiu, umas vezes até deu em caminhos cruzados, todavia, hoje sobretudo, obriga-nos a repetir muitas vezes que o segundo é o reflexo perfeito do primeiro, enquanto nos lembra também, a cada aparição pública, o deserto de referências que este país atravessa, um pouco por todo o lado. No jornalismo também.

A precaridade, a sensação de uma crise permanente, está ao nosso lado no dia a dia. No entanto, paradoxalmente, é neste momento difícil que a missão do jornalismo é mais urgente. Centrando-nos no desporto, que é do que tratamos aqui por muito confusas que sejam quase sempre as fronteiras, não podemos passar mais um mandato que seja, um ano apenas, sem escrutínio. Não podemos deixar que vença a propaganda. Há quem lhe chame coragem, para mim é uma obrigação. No que me compete.

O novo presidente da Liga confiou que não há, para já, qualquer proposta para a centralização dos direitos televisivos, a solução mágica para resolver todos os problemas do futebol indígena de acordo com muita gente, depois de ouvirmos a anterior direção apontar para valores estratosféricos e irrealistas, antes de se escapulir para a Cidade do Futebol. Porque ninguém quer acreditar no básico: não se parte um mealheiro vazio, é preciso enchê-lo primeiro. Ou seja, fazer crescer a cultura desportiva a fim de se encher as bancadas, tornar os clubes sustentáveis, acelerar a justiça e garantir a sua eficácia, formar melhores árbitros e dirigentes, além de aproveitar o gosto muito nosso de ser treinador com cursos rápidos e abrangentes, acabar com o ruído e atrair melhores jogadores. Só assim se melhorará o produto, se criará um verdadeiro espetáculo que captará interesse. Primeiro o nosso, depois os de fora. Só o interesse fará com que as propostas apareçam. Vejam as dificuldades que França tem passado. Ou o desinteresse progressivo lá fora pelo jogos do campeonato do país de Cristiano Ronaldo.

O mesmo se passará na Federação, que para já parece mais interessada numa espécie de purga da instituição que poderá chegar em breve até ao cargo de selecionador nacional, de acordo com uma ou outra notícia que tem circulado, tendo também no gabinete da presidência um trampolim para um cargo internacional, falhada a entrada no Comité Executivo da UEFA.

Mesmo que tenha o apoio generalizado de todos os que preferem a paz podre à verdadeira mudança, alinhavado com promessas de que nenhuma rotura os irá colocar em causa no futebol profissional ou simplesmente alimentados pela crença na centralização dos direitos, Pedro Proença terá o caminho livre para a gestão tranquila da posse de bola até ao fim do seu mandato ou até conseguir a promoção que persegue. Se não cumpriu o que prometeu na Liga, porque o fará agora na Federação? Por isso, teremos de ser nós a lembrar que Portugal não pode passar mais quatro anos a ver passar navios ou arrisca-se a ficar mais perto da classe média desportiva do que da nata europeia. Da formação à Seleção, na reestruturação dos quadros competitivos e em todas as áreas abordadas antes, há muito a fazer por todos os gabinetes do jogo em Portugal.

E quem fala do futebol, tem de lembrar as outras modalidades, a lutar pela existência. E aí entra Governo, federações, COP e todos nós. Se fazem tanto com tanto pouco, garanta-se mais para que sejam ainda maiores.