Ventos de futuro
«A BRE a semana europeia. É outra música, são outras orquestras. As mais ilustres, nos maiores palcos, depois da festa de ranchos folclóricos e coretos da Taça de Portugal», escreveu Vítor Serpa, com avisada oportunidade, no editorial de ontem, em A BOLA, alertando para uma realidade diferente da que o futebol da nossa liga proporciona, impregnada de vícios, em que os seus principais intérpretes e habituais representantes nos cenários internacionais ora apregoam méritos imensos para consumo interno, ora se lembram de Santa Bárbara quando têm de atravessar a fronteira…
Apenas nestas alturas de maior exigência os treinadores dos mais importantes emblemas lusos trazem à colação as diferenças orçamentais em relação aos países que albergam as mais fortes ligas europeias, além de infindo rol de inúteis desculpas, embora, cá dentro, se resguardem em argumentação de sentido contrário, desvalorizando o peso do valor dos plantéis. Felizmente, que novos ventos sopram, de mudança, de um futuro melhor.
Quando questionado sobre a lesão de Pedro Porro, substituído no jogo com o Belenenses, devido a entrada brutal de um adversário, incentivada por treinadores e consentida por árbitros, a culpa divide-se, Rúben Amorim respondeu que em caso de impossibilidade alinharia outro, Esgaio ou até o promissor Gonçalo Esteves. Não se lamentou, o que exprime inestimável prova de confiança no grupo, em que o coletivo deve valer mais do que a soma das partes.
Rúben Amorim enriqueceu a área do treino com novo discurso, simples e descomplexado, em que um dos seus mais fortes atributos reside, precisamente, em confessar que também ele é um aprendiz na sua nova profissão. Reflete a humildade de um campeão, como já foi, e a afirmação de um líder natural, que não precisa de gritar nem, muito menos, de se vangloriar das suas proezas. Os adeptos apreciam e creio que os jogadores também.
SÉRGIO CONCEIÇÃO, dos treinadores portugueses na Liga dos Campeões, é o mais dotado, ou de currículo mais rico, como quiserem. Mesmo em condições pouco favoráveis, devido ao controlo financeiro determinado pela UEFA, foi com um plantel de dispensados que tudo começou. Além de dois campeonatos conquistados, deu prestígio e riqueza ao FC Porto através de uns oitavos e de dois quartos de final na mais preciosa montra da UEFA. Na última participação, por exemplo, bateu-se com o Manchester City na fase de grupos, afastou a Juventus nos oitavos e foi eliminado pelo Chelsea, campeão em título, nos quartos de final, com derrota (0-2) e vitória (1-0).
Este ano, de entre os três clubes lusos, ficou no grupo mais forte. No entanto, empatou em Madrid, com o Atlético, foi goleado pelo Liverpool e hoje tem o primeiro teste na jornada dupla com o Milan. Se ficar em vantagem neste confronto direto, acredito que sairá vitorioso quando receber o Atlético Madrid, no Dragão. Será um feito notável, mais um, mas perfeitamente possível. Goste-se ou não do feitio dele, a verdade é que Sérgio Conceição já deu provas mais do que suficientes de ser um treinador de Champions, de justificar uma liga grande da Europa.
JORGE JESUS reclamou o estatuto de segundo melhor treinador do mundo, atrás de Jurgen Klopp, quando, ao serviço do Flamengo, foi o finalista vencido no Mundial de Clubes de 2019, diante do Liverpool. A comparação até poderia fazer algum sentido não se desse o caso de, ao nível da organização e do futebol praticado, entre outras evidentes diferenças, serem incomparáveis os continentes europeu e americano, na medida em que a Liga dos Campeões é, irrecusavelmente, a melhor competição de clubes do Mundo, enquanto a Taça dos Libertadores, com o devido respeito, não passará de uma Liga Europa B.
Mais recentemente, o treinador encarnado voltou a exceder-se, antes da Supertaça perdida para o FC Porto (0-2), em agosto do ano passado, quando teve esta declaração espantosa: «Vim do futebol mais evoluído do mundo (…). Se o campeonato brasileiro passasse por cá como o inglês iam ver qual é que é realmente o mais forte do mundo.»
Enfim, Jesus recebe, amanhã, o Bayern, na opinião dele a melhor equipa do Mundo, e depara-se-lhe uma ocasião de ouro para inovar bem, fazer história e surpreender o poderoso emblema alemão, em vez de inovar mal, como fez no jogo da Taça de Portugal, em que quase foi surpreendido pelo Trofense, sujeitando os seus jogadores a escusados trinta minutos suplementares por causa de uma incorreta gestão de plantel: se tivesse sido mais moderado no volume de alterações, não dando a entender aos utilizados que estavam ali, tão-somente, para preencherem um lugar no onze, sem consequências, boas ou más, talvez tivesse poupado a equipa ao prolongamento.
Há trinta anos é que os treinadores portugueses se desculpavam com os jogos às quartas-feiras quando as coisas lhes corriam mal no domingo seguinte. Era o cansaço, diziam. Hoje, sinceramente, acho que fica mal a quem assim pensa. Repare-se, o Bayern jogou este domingo, meteu a carne toda no assador, como costuma dizer-se, e em meia hora despachou o Leverkusen. Ou seja, acelerou na primeira parte e descansou na segunda. Jesus fez ao contrário, construiu uma espécie de equipa sem alma e depois disse que não esperava «ter tantos jogadores a jogar 120 minutos». Ninguém esperava, mas o treinador é ele…