Um bocadinho menos, João Diogo Manteigas
A minha coluna neste jornal, tal como o nome faz questão de indicar, é especialmente dedicada ao Sporting. Dito isto, talvez para algumas pessoas fosse expectável que me dedicasse a escrever apenas sobre o clube que desde sempre assumi publicamente — aliás, se há coisa que me incomoda e que chego a abominar são comentadores, sejam de futebol ou política, que se tentam vender como isentos quando todos sabemos que não o são.
Acontece que o expectável é quase sempre aborrecido e, por coisas cá da minha vida, nomeadamente o facto de ser casada com um benfiquista, acabei por assistir à entrevista completa de João Diogo Manteigas, candidato à presidência do Benfica, na SIC Notícias.
Ao início, confesso, a minha postura era idêntica à que adoto quando assisto, por exemplo, aos debates dos candidatos autárquicos à Câmara de Lisboa: ainda que não vote no município, reconhecendo a sua importância para o país, interessa-me saber o que propõem os diferentes programas e quais as possíveis consequências da eleição de cada um. E, sim, aqui é a parte em que assumo que o Benfica é um clube de enorme importância para o futebol português e que, por isso, a sua posição em temas estruturais como, por exemplo, a questão da centralização dos direitos televisivos, é absolutamente determinante.
Seria tolice da minha parte, ou da parte de qualquer fã de futebol e de desporto no geral, achar que as eleições do clube com mais adeptos em Portugal não têm impacto direto em todo o ecossistema desportivo. Então, sim, fez-me sentido assistir à entrevista ao longo da qual fui, aliás, experimentando diferentes estados de espírito.
Em primeiro lugar, e antes de avançar para análises mais específicas, deixem-me dizer que João Diogo Manteigas falou, como é óbvio, para os benfiquistas e que, por isso, nunca seria expectável que uma sportinguista adorasse o seu discurso.
O candidato à presidência do Benfica teve, obviamente, intervenções muito positivas, ainda que o tom geral tenha sido marcadamente arrogante. Aliás, o próprio João Diogo referiu diversas vezes que «isto pode parecer sobranceria» — e não pareceu, foi mesmo. Mas, como dizia no início deste parágrafo, o candidato teve algumas intervenções de grande assertividade, como quando falou, por exemplo, na necessidade de um novo modelo desportivo ou na gestão financeira de Rui Costa e mostrou coragem e determinação quando desafiou a que se promovessem debates entre candidatos. Mas à medida que a entrevista foi avançando, João Diogo começou a mostrar alguns sinais preocupantes.
A determinado ponto, afirmou o entrevistado que cerca de 95% dos adeptos de futebol se distribuiriam entre Benfica, Sporting e FC Porto, sendo que, dentro desses, 70% seriam do Benfica. Não sei de onde João Diogo tirou estas percentagens, mas todos os estudos feitos em Portugal revelam valores completamente diferentes. A parte dos 95% até parece ser correta, mas dentro desse valor o Benfica terá cerca de 46% dos adeptos, enquanto o Sporting e o FC Porto andarão cada um deles pelos 24%.
Portanto, o candidato poderia ter dito, sem mentir, que o Benfica tinha praticamente o dobro dos adeptos dos seus rivais diretos, mas decidiu hiperbolizar a coisa de tal forma que o seu discurso começou a ficar ferido de credibilidade. Especialmente quando usou esta percentagem de 70% para sustentar uma posição especial no que à centralização de direitos televisivos diz respeito.
Quanto a mim, que gosto de futebol, a centralização dos direitos televisivos é a forma mais saudável de colmatar o fosso entre os clubes grandes e os mais pequenos. Não há, aliás, outra opção que permita garantir a sobrevivência de todos os clubes bem como a competitividade da Liga.
Desgraçadamente, João Diogo não percebe que o Benfica não joga sozinho e que só existe campeonato porque os outros, aqueles que ele não parece muito interessado em apoiar, também lá estão. E quando se colocam perguntas retóricas como «quando o Benfica joga fora, quem é que enche os estádios? É o Vizela? É o Tondela?», tudo o que se está realmente a fazer é a inferiorizar e desrespeitar os adversários que lutam diariamente contra adversidades que os grandes nem conhecem e que, mesmo assim, se batem com dignidade no onze contra onze.
O modelo de centralização dos direitos televisivos da Liga espanhola, que podemos tomar como exemplo, permitiu um maior equilíbrio, uma maior estabilidade financeira dos clubes que não Real Madrid ou Barcelona e um reforço da marca La Liga. E a forma de distribuição dos lucros é bastante justa, com 50% do valor negociado a ser distribuído equitativamente pelos clubes, 25% a atribuir consoante os resultados desportivos e os últimos 25% a distribuir consoante o impacto social e mediático dos clubes. Mas, pelo que se percebeu da entrevista, isto não chega para João Diogo, que prefere uma Liga eternamente coxa e desequilibrada e que entende que os 25% do impacto social e mediático seriam insuficientes para o Benfica.
E como se não fosse suficiente este empolamento da grandeza, durante a entrevista ainda foi dito sem qualquer pejo que o Sporting não foi um justo bicampeão nacional. E se na questão da Taça de Portugal, independentemente da minha opinião, eu até possa dar de barato ouvir isto, no que toca ao bicampeonato juro que até senti urticária.
Na época 2024/2025, o Sporting foi líder em 30 jornadas das 34 disputadas. E naquelas em que perdeu a liderança (derrota com Moreirense e empates com Gil Vicente e SC Braga) tratou de a recuperar na semana seguinte. E, sim, falamos do Sporting que perdeu Ruben Amorim, que teve uma fase negra com João Pereira e que, ainda assim, foi a equipa com mais vitórias, menos derrotas e, obviamente, mais pontos conquistados no campeonato.
Ah, também fomos a equipa com mais golos marcados, menos golos sofridos e foi nosso o melhor marcador da Liga. Alguém merecia mais ser campeão do que este Sporting? Alguém acredita mesmo nisso? Eu sei que não é simpático falar do demérito do nosso clube, mas diminuir o mérito alheio sempre foi sinónimo de mau perder.
Não sei se João Diogo Manteigas vai ser o próximo presidente do Benfica. Mas sei que, se lá chegar, talvez não lhe faça mal nenhum meter os olhos em Frederico Varandas e em André Villas-Boas, que herdaram dois clubes em situações difíceis, mas que perceberam que o trabalho para mudar isso teria de ser feito de dentro. João Diogo Manteigas, pelo menos nesta entrevista, disparou demasiado para os rivais e para o que, diz ele, se joga fora das quatro linhas.
Sabem o que vos digo? Nós, sportinguistas, já vimos este filme porque já tivemos um presidente com esta postura. E todos sabemos como é que a história acabou.