Sporting: Rui Borges tem o direito de ser o treinador que quer ser
Há muitas décadas que os despedimos de forma febril e talvez nunca antes tenhamos reconhecido tanto a influência positiva de um técnico no sucesso de uma equipa como nos tempos em que vivemos. Não se deixem enganar: sempre foi réu, quase sempre o declararam culpado entre falinhas mais ou menos mansas, porém poucos viraram fenómenos de culto e, mesmo assim, o reconhecimento chegava mais tarde, nos livros de história.
Ter o treinador como principal responsável da glória, mais do que o craque do grupo, é algo recente. Mourinho, na sua versão rockstar, terá sido a primeira superestrela a ter o trono num banco de suplentes, na linha do provided you dont’t kiss me Brian Clough, suplantando o carisma de Cruijff e antecipando génios low profile como Guardiola, viciados em adrenalina como Klopp e gerações de cientistas que prometem deixar pouco espaço para os ex-jogadores.
Numa era em que a afirmação da identidade de um treinador é tão importante, percebe-se o quão crucial é para cada um ganhar com as suas ideias. É, a meu ver, o que se passa com Rui Borges, que conquistou com todo o mérito o lugar no Sporting, ainda que a sucessão de Amorim não estivesse planeada assim. Havia um plano que não o contemplava e que falhou, e só aí o seu nome surgiu. Mas, aos poucos, percebeu que não podia comandar uma revolução, que só mantendo conceitos conseguiria cumprir o objetivo e ganhar o direito a começar a época seguinte. E, agora, tem todo o direito a quebrar o ciclo e, se morrer, será com as suas ideias. Vale o risco.
O futebol não é só ganhar. Tem que ver com os meios. Há quem, por exemplo, insista numa primeira fase de construção associativa, para muitos arriscada sem os jogadores certos. O prémio, caso corra bem, é valioso espaço descoberto. O castigo, correndo mal, serão golos sofridos ou derrotas. Todavia, não é tão redutor assim: ao jogador é retirado conforto e evolui. Não é também o papel de um técnico? Se não é, porque todos querem ser orientados por Guardiola?
Rui Borges só não deve desvalorizar conceitos porque lhe dá jeito. O esquema não é só ponto de partida, é referência e pode condicionar dinâmicas, como parece que o 4x2x3x1 está a fazer ao trio de apoio ao ponta de lança, mais fixo e com menos espaço para explorar. Ao técnico, cabe-lhe entender o que não está a funcionar bem e encontrar um compromisso entre a sua ideia e aquela que melhor se aplica aos que tem. Sem recuar.