Rui Manuel Trindade Jordão
H Á pouco mais de 70 anos, a 7 de março de 1953, surgia na capa de A BOLA um artigo de um dos fundadores deste jornal e, então, diretor-adjunto, Cândido de Oliveira. O título dizia tudo: «O problema das arbitragens não tem solução enquanto a paixão clubística dominar tudo e todos.» Relembro: há 70 anos! Não admira, pois, que engenheiros e doutores, pobres e ricos, altos e baixos, gordos e magros, entre muitos outros, continuem a sofrer deste mal, mesmo sete décadas após a frase de Cândido de Oliveira. Só num ambiente doentio e bolorento como existe no futebol português fez sentido, por exemplo, colocar em causa a nomeação de um árbitro da Associação de Futebol do Porto (Artur Soares Dias) para o jogo de Portimão. Só num país doente, adeptos e dirigentes estão interessados em saber quem são os árbitros dos seus jogos e dos jogos dos principais adversários, bem como os nomes dos VAR, auxiliar dos VAR e, se possível, pais, mães, filhos e enteados de árbitros, VAR e AVAR. Conheço árbitros, bem de perto, que ainda hoje são acusados e apontados a dedo porque, há mais de 20 anos, assinalaram erradamente uma grande penalidade. Há mais de 20 anos, meus caros! Fôssemos assim com os nossos políticos e muitos dos nossos ministros, das Finanças e não só, seriam igualmente apontados a dedo por terem ajudado Portugal a estar como está. Enfim, razão tinha mesmo Cândido de Oliveira.
Oódio, meus caros, instalou-se na sociedade portuguesa antes de chegar ao futebol. O futebol e o desporto em geral são, pois, apenas reflexo da sociedade. Há três anos, quando a pandemia apareceu, instalou-se a ideia de que os Homens passariam, finalmente, a ordenar com lógica a remuneração das pessoas mais importantes. Mais ou menos assim: médicos, anestesistas, enfermeiros, auxiliares de enfermeiros, agricultores, industriais de panificação, pescadores e por último (muito por último) os futebolistas. Não haveria mais guerras, insultos ou ódios e as pessoas com ordenados mais elevados seriam, obviamente, as que mais falta fazem às pessoas: médicos, anestesistas, enfermeiros, auxiliares de enfermeiros, agricultores, industriais de panificação e pescadores. Foi um período de enorme catarse para a Humanidade. Porém, depressa se viu que era o medo e o cinismo a vigorar na era da Covid-19. O ódio continua a imperar (e sempre imperará) na sociedade, por extensão no desporto e, por extensão ainda maior, no futebol. Onde houver um homem, haverá ódio. Onde houver um homem a arbitrar um jogo, haverá ódio. Se calhar, quem tinha razão era Rui Manuel Trindade Jordão, genialíssimo jogador das décadas de 70 e 80 e um dos melhores portugueses de todos os tempos, quando depois de 22 de maio de 1989, dia seguinte ao seu último jogo como profissional, raramente falou sobre futebol e raramente foi visto em jogos de futebol.