Rui Borges, dá-me a tua camisola
Rui, chegaste ao Sporting num período bastante conturbado, ainda na ressaca da saída de um treinador que foi muito mais do que isso (presidente, diretor de comunicação, diretor de scouting, diretor da Academia, diretor de formação e por aí fora...). Assumiu todas as frentes num clube que estava em queda livre, mergulhado em lenços brancos e descrença.
Tudo (ou quase tudo...) passou a funcionar sob o seu comando e sob a sua voz, a única que falava em nome do clube. As contratações passaram a fazer sentido, o futebol passou a ser de qualidade e... vieram os títulos. Porque houve, também, paciência para esperar. É preciso dizê-lo. Mas, na verdade, não havia outra hipótese. Rúben Amorim foi a tábua de salvação de uma Direção que estava por um fio, mas o clube ficou dependente da visão e da força de um só homem que, após juras de amor, decidiu seguir outro caminho.
Havia imensa expectativa em torno do pós-Amorim e a primeira decisão de gestão não podia fazer lembrar mais o pré-Amorim: João Pereira foi o homem escolhido. Claramente impreparado para o cargo e, sobretudo, para aquele momento. Durou um mês. Além disso, foi apresentado como o próximo grande treinador português, com o presidente a apontar-lhe, «daqui a 4/5 anos», o caminho de «um dos clubes mais poderosos da Europa».
E é aqui que, mais uma vez, está um dos grandes problemas: a incapacidade de compreender que o Sporting é um grande europeu, «tão grande como os maiores da Europa». Claro que não temos o mesmo poder financeiro de outros clubes por essa Europa fora, mas este não é discurso que se tenha na apresentação de um treinador ou jogador. Quem lidera o Sporting não pode tratá-lo como um clube de passagem ou um trampolim para outros voos. Isso é inaceitável. O Sporting não é um degrau; é um destino.
É neste contexto que chegaste tu, Rui Borges. Tinhas pela frente a tarefa ingrata de suceder a quem tinha começado a época com 11 vitórias em 11 jogos para o campeonato e, ao mesmo tempo, limpar o rasto de um erro de gestão que nos fez recuar anos em apenas quatro jornadas: apenas uma vitória, frente ao aflito Boavista.
Não viraste a cara à luta. Chegaste com confiança, num momento em que muitos teriam recuado, e logo na tua apresentação, antes de um dérbi com o Benfica, mostraste que não vinhas para te esconder. «Como se prepara um dérbi em três dias? Em três dias!» Mudaste o chip, entraste com coragem e ganhaste. A partir daí, o caminho foi tudo menos fácil. Lesões atrás de lesões, obstáculos em todas as direções. Foste humilde, recuaste na tua ideia, adaptaste-te. Isso diz tudo sobre o teu caráter. Mas aí, Rui, devias ter exigido.
Chegámos às dez lesões e o que te deram? Um guarda-redes. Onde estava a estrutura? E, mesmo assim, aguentaste. Sem soluções, sem reforços à altura, com um plantel curto e desgastado. Em dezembro, ouvi alguém dizer que o Trincão estava «morto», mas há dois mercados que esperamos uma solução para revezar. Até um camisola 6 tiveste de descobrir dentro de casa, e jogaste com miúdos que hoje nem no Sporting estão. Aguentaste, superaste e conquistaste a dobradinha.
E depois? Depois veio a novela Gyokeres e um mercado em que todos sabiam que ias mudar a tática, que a equipa precisava de tempo e sangue novo. Mas será que te deram o que precisavas? Será que, depois do bicampeonato, o treinador que manteve o barco à tona recebeu o apoio que merecia? Enquanto uns tiveram tudo, a ti parece que te pedem milagres. E, mesmo assim, continuas.
Lembro-me de, nos tempos de Amorim, alguém dizer que quem achasse que tínhamos de ganhar ao Marselha seria «inteletualmente desonesto» ou perceberia «pouco de futebol». Pois bem, obrigado, Rui Borges. Vale sempre a pena acreditar. Mesmo quando, à partida, não temos as mesmas armas. O problema é que, no Sporting, parece haver alguma resistência em tê-las. Em dar o salto qualitativo que nos permita entrar com outra força nos jogos teoricamente mais difíceis. Perdemos jogadores e adiamos decisões. O Lyon descobriu um Afonso Moreira; nós descobrimos um Biel. É o que dá perder talento e tentar remendar com promessas. Como seria com o Yeremay ou com o Alberto Costa? Não sei, não vieram. O segundo até foi parar ao Dragão.
Mas acredito que vais resolver, como sempre fizeste. Não tens a estrelinha do minuto 90+3, mas tens a estrelinha do caráter e essa é a que mais conta. Confesso-te, Rui, não eras o treinador que eu escolheria, mas digo-te: mereces toda a minha consideração e o meu apoio. E se algo correr mal, nunca te culparei a ti.
Também mereces outro tipo de ambiente em Alvalade, um ambiente que intimide, que empurre, que faça os adversários entrar em campo já a perder por 1-0. Mas não é isso que se sente. Falta emoção, falta a atmosfera que faz da nossa casa uma fortaleza. E mais uma vez digo: isto deve fazer-nos pensar. Somos bicampeões. O ambiente no Estádio devia refletir que estamos de peito feito, numa onde de crescente entusiasmo e não reflete. Porque será?
Rui Borges, se um dia te faltar o aplauso das tribunas ou o eco dos holofotes, lembra-te disto: há sportinguistas que ainda sabem ver para lá do resultado, que reconhecem quem trabalha com resiliência, quem lidera com verdade e quem dá mais do que recebe. E isso vale muito. Para mim é simples: Rui Borges mais onze. Independentemente de tudo, a minha consideração já conquistaste. Por isso, sim, Rui: dá-me a tua camisola!