João Neves brilhou de pé direito e fora da área. Foto Catarina Morais/KAPTA +
João Neves brilhou de pé direito, de fora da área, dentro da área, de bola parada e de bola corrida. Foto Catarina Morais/KAPTA +

Quiseram trancar a casa mas deixaram as chaves na fechadura (crónica)

Portugal entrou bem, deixou a vida complicar-se por momentos, mas soube aproveitar a benevolência arménia para garantir o óbvio apuramento. João Neves e Bruno Fernandes estratosféricos

Portugal escancarou as portas do apuramento para o próximo Campeonato do Mundo com uma goleadas das antigas, e aí vão nove fases finais para a coleção. Curiosamente chegou a jogo com vontade e acutilância, mas encontrou essas portas bem trancadas pela Arménia.

Logo aos sete minutos, Bruno Fernandes — exibição superlativa do princípio ao fim, na luta, no passe e na finalização — bateu um livre de forma exemplar, o guarda redes arménio defendeu como pôde contra o poste mas Renato Veiga estava lá para a emenda e o 1-0. A porta, no entanto, não abriu à primeira. Estava já só no trinco, sim, mas uma displicência defensiva aliada a bons movimentos de jogadores visitantes originaram o empate.

A Arménia tentou ser cuidadosa e trancar a casa, mas alguém se esqueceu das chaves na própria fechadura e Portugal não demorou mais de dez minutos a descobri-la. Foi Serobyan o esquecido. Ele, que tão bem tinha atuado no golo do empate, quis atrasar para o guarda-redes mas Gonçalo Ramos percebeu. Estava lá, antecipou-se e fez o 2-1. Dois minutos mais tarde nova facilidade concedida pelo adversário na tentativa de saída a jogar (estas manias têm os seus custos, e quanto menos talentosos os jogadores maiores os riscos), belíssima triangulação entre Semedo, Vitinha e Bruno Fernandes e João Neves aparece na primeira pintura da maravilhosa manta que apresentou no Dragão.

Futebol é futebol, sim, mas também não vale a pena brincar aos inocentes: com 3-1 estava tudo resolvido, Portugal garantia o nono Campeonato do Mundo, restava perceber como correria a vida daí para a frente. Correu muito bem porque Bruno Fernandes e João Neves — sobretudo eles, mas de modo geral bastante bem secundados pelo resto da equipa — estavam endiabrados. Tinham o Diabo no corpo para jogar e o golo a sair-lhes das entranhas em golfadas. Aos 41 minutos Bruno ganhou um livre (mal assinalado, há que dizê-lo, e quanta tinta poderia isto ter feito correr num qualquer jogo de Liga...). João tirou as medidas à baliza e espetou com a bola no ângulo. E iam quatro...

O intervalo já vinha a caminho mas havia mais. Bruno Fernandes (mas o homem estava em todo o lado?!) bateu canto, um arménio puxou Rúben Dias na área, penálti, golo. Uma manita para o descanso.

Era dia de Portugal. Umas vezes falha-se muito, noutras acerta-se mais que a média. A segunda parte poderia ter sido de uma enorme sonolência, com jogadores cheios de compromissos a pouparem-se e a deixar passar os minutos. Mas era dia de Portugal, já se disse. Bruno Fernandes e João Neves não pararam de criar (sobretudo o primeiro) e marcar (ficaram cada um com seu hat trick), vieram mais um golo, mais um penálti, mais dois golos e uma chuvada monumental a abençoar o apuramento da Seleção Nacional para o Mundial americano.

É certo que a Arménia ajudou na altura fulcral com aquelas duas ofertas, mas mais certo ainda é que ninguém ganha por oito (!) de diferença sem mérito, por melhor ou pior que seja o adversário. Venha o Mundial!