Gustavo Silva, diretor jurídico do Benfica, foi o convidado de A BOLA DAS 6 e falou sobre o tema do momento nos encarnados

Os novos estatutos do Sport Lisboa e Benfica — Do 'debate legal' à questão Magna

Gustavo Silva, advogado e antigo diretor jurídico do Benfica, analisa as dúvidas de ilegalidade na proposta final global das alterações aos estatutos

Está acesa a discussão acerca de uma notícia que dizia — um pouco por toda a imprensa — que os novos estatutos do Benfica violam a Lei.

Procurando simplificar o tema para o que importa em concreto, o que está em discussão gira em torno do artigo 66.º, n.º 2, alínea e) da proposta dos novos estatutos onde se prevê, em suma, que compete à Direção do Clube garantir que a maioria dos elementos do Conselho Fiscal da Sport Lisboa e Benfica — Futebol SAD (Benfica SAD) sejam membros do Conselho Fiscal do Sport Lisboa e Benfica.

Segundo o entendimento propalado, tal previsão estatutária seria contrária à norma prevista no artigo 414.º do Código das Sociedades Comerciais, concretamente no n.º 6, que exige para sociedades emitentes de acções admitidas à negociação em mercado regulamentado (como é o caso da Benfica SAD) que a maioria dos membros do Conselho Fiscal sejam independentes. Esse conceito de membro/pessoa independente vem previsto no n.º 5, prevendo que a pessoa «não esteja associada a qualquer grupo de interesses específicos na sociedade nem se encontre em alguma circunstância susceptível de afectar a sua isenção de análise ou de decisão», dando como exemplo precisamente para essa impossibilidade (para o que aqui se discute) «ser titular ou actuar em nome ou por conta de titulares de participação qualificada igual ou superior a 2 por cento do capital social da sociedade».

No referido entendimento, embora não totalmente concretizado, essa independência estaria posta em causa pelo facto de os referidos membros do conselho fiscal «atuarem em nome ou por conta» do SLB, dado este titular de uma participação (bem) acima dos referidos 2 por cento.

A questão é muito específica e uma provável novidade em termos jurídicos. Não obstante, com a cautela e reserva que tal merece, e percebendo os argumentos e relevância da questão suscitada, tudo ponderado, com o devido respeito por opiniões divergentes, sou levado a crer que não existirá violação da referida previsão do Código das Sociedades Comerciais, nem sobretudo se coloca em causa o que a norma legal visa proteger: a independência dos membros do Conselho Fiscal da SAD (e consequente protecção dos accionistas minoritários).

Importa desde logo realçar que a natureza do Conselho Fiscal do Sport Lisboa e Benfica e dos seus membros (e de um qualquer conselho fiscal), é (ou deve ser) de independência e controlo/fiscalização em relação à Direção, como resulta da lei e dos estatutos.

Com essa reconhecida natureza , o Conselho Fiscal não pode agir «em nome ou por conta da Direção», pois a sua natureza e finalidade é precisamente de independência e fiscalização, como se constata dos artigos 71.º e 72.º da proposta de estatutos.

Nesta conformidade, se a maioria dos elementos do conselho fiscal da SAD são estatutariamente elementos do Conselho Fiscal do Clube, a Direção do Clube não escolhe, não indica ou nomeia ninguém para agir em seu nome ou por sua conta, bem pelo contrário.

Essa aludida natureza legal de imparcialidade e independência que norteia o Conselho Fiscal da SAD (ou qualquer conselho fiscal) será a mesma que deverá nortear o Conselho Fiscal do Clube ou qualquer conselho fiscal.

A previsão dos estatutos procura exatamente assegurar essa independência, coartando à Direção do Clube a possibilidade de indicar para membro do Conselho Fiscal da SAD pessoas que, de forma não conhecida, pudessem — esses sim — agir em nome ou por conta da Direção do Clube, por não se encontrarem vinculados à natureza orgânica dos membros do Conselho Fiscal do Clube.

Desta forma, é precisamente com esta previsão que a independência no CF da SAD se assegura de forma mais eficaz, dado que a maioria da composição será por membros já atestadamente independentes por fazerem parte do CF do Clube (sendo aqui essencial destacar a escolha criteriosa que deverá existir doravante dos membros do CF do Clube, tendo em conta as demais exigências legais em termos qualitativos para um futuro desempenho no CF da SAD).

Acresce ainda que a nova proposta de estatutos traz também a novação de eleições para os vários órgãos sociais em listas separadas. Em relação ao que aqui se discute, essa possibilidade estatutariamente prevista de o CF do Clube não pertencer sequer à mesma lista da Direção, sedimenta ainda mais o cunho da independência que os novos estatutos pretendem com a dita previsão legal.

Se o motivo essencial da previsão do CSC é o de proteger os investidores minoritários garantindo a independência dos membros do CF da SAD, o referido método encontrado na proposta de estatutos acaba por ser um garante maior em termos de imparcialidade do que uma possível indicação (enquanto accionista maioritário) direta ou indireta de membros desconhecidos que possam, no entanto, sem ligação aparente, agir, de facto, em nome ou por conta do SLB e não da SAD, sem a independência que advém de ocupar um cargo no CF do Clube.

Doutro passo, sem querer adjectivar as motivações de quem fomenta este tipo de polémicas, importa recordar que a proposta final dos estatutos esteve em consulta pública durante 30 dias, tendo terminado na passada semana (a 16 de Fevereiro).

Que se tenha conhecimento, a questão não terá sido apresentada à Mesa da Assembleia Geral. Tal facto leva-nos a concluir que o cérebro por trás da mencionada dúvida legal ou preferiu esperar até encerrar a consulta pública e assim semear discórdia no universo benfiquista, ou quiçá tenha sido apenas imbuído de uma súbita epifania legal casualmente logo após o período de consulta ter terminado.

Desconheço quem está por trás desta polémica e o que o move em termos de objectivos, mas não deixa de surpreender (ou talvez não) o grau de ressonância pública dada a uma questão que, convenha-se, não merecerá tamanho destaque (mesmo sendo respeitante ao SLB).

Dito isto, a soberania dos associados nesta instituição de referência que é o SLB é algo que pouco parece dizer a algumas pessoas, mas, ao mesmo tempo, tem também o condão de incomodar muitas outras (ou até as mesmas)…

A histeria criada e o manto de ilegalidade exacerbado colocados sobre um documento histórico em termos de participação democrática não deverá ser colocado em causa por dúvidas interpretativas num preceito entre tantos e que não belisca em nada o que a lei visa tutelar.

Quanto à proposta de estatutos, creio que talvez não exista um associado que esteja integralmente de acordo com todos os pontos aí previstos. Eu certamente não estou. Mas é essa a força da democracia participativa e do associativismo do SLB. Existe uma ou outra incongruência? Sim, como a questão do voto das filiais. Existe uma ou outra dúvida interpretativa? Sim, como a que abordámos. Contudo, a vontade dos sócios foi expressa, com a virtude da democracia a sobrepor-se a eventuais imperfeições.

Esta possível intervenção do MP ou outros expedientes legais que procuram ensombrar este documento não deverão ser óbice para que não se vote os estatutos no próximo dia 8 de Março.

Por não ser o objecto destas linhas, não abordarei aqui as principais alterações trazidas pelos novos estatutos, mas considero uma melhoria muito significativa para o futuro do SLB e, por isso, em consciência, apelo a todos os sócios que participem e, em minha opinião, votem pela aprovação dos novos estatutos.

Tudo a bem do Sport Lisboa e Benfica e nunca contra nada ou ninguém, como é do nosso ADN desde 1904.

Viva o Sport Lisboa e Benfica!