Novelas de verão e uma Vuelta onde se perdeu a noção
Nunca fui grande fã de novelas e, confesso, desde a famosa ‘Avenida Brasil’ que não acompanho nenhuma. E é por isso, e porque, se calhar, gosto de viver em negação, que quero mesmo acreditar que não se começa a montar uma — daquelas de péssimo argumento — no balneário do meu clube.
A saída de Harder deixou-me um gosto amargo de boca. Tão amargo que ainda me custa engolir. E não me interessa se veio Fotis Ioannidis e se era ele o grande objectivo do Sporting. Interessa-me que Harder era um miúdo com garra, amor à camisola e uma enorme margem de progressão.
E depois há Eduardo Quaresma, atirado para o banco e, ao que parece, despido da alegria que sempre o caracterizou. A fotografia publicada pelo jogador aquando da saída de Ricardo Esgaio (onde aparecia ladeado por este, Coates, Paulinho e Adán) veio, na minha cabeça, associada ao som de uma marcha fúnebre.
E Jeremiah St. Juste e aquela publicação que deixa qualquer sportinguista preocupado? Até pode ser que seja o jogador quem está a faltar à verdade, mas, como costumam dizer os espanhóis, cuando el río suena, agua lleva e, por isso, seja de um lado ou do outro, há qualquer coisa que não bate certo aqui.
Reparem, Rui Borges tem todo o direito a fazer as suas escolhas e a entender que, no seu sistema de jogo, sendo o quinto central, St. Juste não tem lugar. Mas o Sporting tem o dever de, independentemente das circunstâncias, tratar de forma correta os seus jogadores e isto também implica protegê-los nem que seja de si mesmos.
Não tenho dúvidas de que um dos factores decisivos para a conquista dos nossos dois últimos campeonatos foi a coesão do balneário, onde, percebia-se a léguas, reinava um extraordinário ambiente. Mas começo a ter sérias dúvidas de que essa coesão e esse bom ambiente se mantenham. É que começam a ser demasiados casos, demasiados desabafos mais ou menos inocentes e demasiadas despedidas para que consigamos evitar somar dois mais dois.
Oxalá eu não tenha a mínima razão. Oxalá isto sejam as vozes na minha cabeça e o plantel do Sporting esteja numa fase maravilhosa. Oxalá haja uma avaria no meu sexto sentido e, ao mesmo tempo, no meu raciocínio lógico. Acreditem que ninguém quer tanto estar enganada como eu própria. Mas, e é este mas que não me deixa descansar, não consigo tirar da cabeça, como dizia Marcellus em Hamlet, que «algo está podre no reino da Dinamarca» ou, neste caso, no Reino do Leão. Já vos disse que quero muito estar errada, não disse?
Entretanto, mudando de assunto — porque esta semana aconteceram tantas coisas no mundo desportivo que fica difícil focar-me só numa delas —, acho que não posso ignorar que, a nível de selecções, saí duplamente vencedora por estes dias. Esta parte de ter origem em dois países às vezes é meio confusa, mas acaba por ter destas vantagens. De um lado Portugal e do outro Espanha, ambas com boas prestações e ambas a deixarem boas indicações para o mundial que aí vem. Do lado de cá da fronteira, um Ronaldo que insiste em mostrar aos haters que está vivo e de boa saúde e, do lado de lá, um Mikel Merino que teima em dar-nos provas objectivas de que é impossível cansá-lo (vocês já viram bem o que ele corre por jogo sem nunca mostrar sinais de perder aquele fôlego que parece inesgotável?).
E já que acabei por falar em Espanha, deixem-me dar a última volta (ou devo dizer Vuelta?) nesta crónica. Mas, desta vez, aviso já que a volta é de tal ordem que vou inclusivamente mudar de desporto. Estão preparados para a mudança abrupta de sentido?
Gostava muito de não ter de escrever isto por todas as razões e mais algumas, mas especialmente porque a não necessidade de falar do tema significaria que não teríamos, neste momento, uma guerra e um desastre humanitário na região de Gaza. Mas a verdade é que temos e que, enquanto sociedade, devemos responder-lhe da melhor forma que soubermos que, infelizmente, é coisa que não está a acontecer na Vuelta que se realiza em Espanha.
Ponto prévio: não adoro especialmente ciclismo, mas cresci com um pai que acompanhava religiosamente a volta a Portugal e a Vuelta e, como há coisas que ficam connosco, tento sempre acompanhar as duas provas também. Não o faço com dedicação ou fanatismo, mas com a esperança e talvez a ingenuidade de quem procura regressar a um tempo feliz. E o que tenho visto na Vuelta, este ano, tem sido uma tristeza.
Eu percebo, obviamente, a revolta de algumas pessoas com a participação de uma equipa israelita na prova — embora, que fique claro, eu defenda que política e desporto devem caminhar separados e que, por isso, não faz sentido barrar equipas ou atletas de provas importantes para castigar os seus governos. O que sou incapaz de entender é a forma como têm decorrido os protestos organizados pelos movimentos espanhóis pró-Palestina e que para pouco mais têm servido do que para perturbar a prova e colocar em sério risco a segurança dos atletas.
Na quinta etapa, uma invasão da estrada foi provocada para atrasar a Israel-Premier Tech no contra-relógio por equipas. Um dos manifestantes acabou detido. Na décima primeira etapa, em Bilbau, os protestos acabaram por provocar a interrupção da prova a três quilómetros da meta. Na décima quinta etapa, um manifestante abalroou ciclistas ao invadir a estrada com uma bandeira da Palestina nos braços e provocou a queda de um ciclista — sendo que, obviamente, uma quedas nestas circunstâncias, bem o sabemos, pode ser fatal. E isto são apenas alguns exemplos.
As pessoas estão revoltadas com a participação da equipa? Pois que protestem e se manifestem que é um direito que lhes assiste. Mas que o façam respeitando a lei, a prova e, acima de tudo, a segurança dos atletas participantes.
A equipa, ainda por cima, cedeu e retirou das camisolas a menção a Israel, ficando apenas Premier Tech. Mas nem isso serviu para acalmar os manifestantes que, começa a parecer-me, sofrem de uma total falta de racionalidade. Ou alguém acredita mesmo que vai mudar alguma coisa para a população de Gaza derrubando um ciclista em Espanha?
Neste momento, ninguém sabe bem o que vai acontecer com a Vuelta. O ponto é que, se os protestos deste tipo continuarem ou escalarem, a prova pode mesmo ter algumas etapas suspensas. E eu pergunto, com toda a honestidade, para quem é que isto é bom?
Quem é que ganha quando todos perdem?