Mais vale ter dedos sem anéis do que anéis sem dedos (crónica)
Nem sempre a bola é tudo. O SC Braga teve muito mais posse, quase sempre soube o que fazer com ela, rodando-a, rodando-a, rodando-a, em busca de um buraco na muralha do FC Porto. Mas foi este que, com dois esticões no jogo — a finalizar a primeira parte e já perto do fim da segunda —, chegou ao essencial num jogo de futebol: os golos. Teve sorte no primeiro (um remate desenquadrado de Samu bateu em Mora e entrou) e crença no segundo (Borja Sainz forçou o erro de Victor Gómez). Por muito que os românticos sugiram que o essencial é jogar bonito para encantar adeptos, a verdade é que o futebol é radicalmente prático: ganha quem marca mais golos.
Houve momentos — e largos foram — em que o FC Porto levou um banho de futebol. E Farioli, um banho tático de Vicens. Tirando os primeiros 10/15 minutos, durante os quais quase encostou o SC Braga junto à área de Hornícek, o dragão arrancou para uma exibição cinzentinha. Não por culpa própria, mas porque os guerreiros jogavam no Dragão como se estivessem em casa contra uma equipa pequena. Não estavam — claramente não —, mas parecia. A partir dos 15 minutos, o SC Braga pegou na bola e, desinibido, começou a mandar no jogo, encostando o FC Porto bem junto de Diogo Costa. Sem bola, sem controlo e sem oportunidades de golo. Chegou a parecer o Benfica de Mourinho que, há menos de um mês, jogara no terreno do FC Porto.
O primeiro remate verdadeiramente perigoso do jogo nasceu, claro, dos pés de Ricardo Horta: um tiraço pela esquerda que obrigou Diogo Costa a uma defesa complicada pela linha de fundo. Froholdt, Varela e Mora não conseguiram travar o maior poderio físico — e até técnico — dos médios contrários, e o primeiro momento de perigo do FC Porto surgiu pouco depois da meia hora, quando Froholdt marcou, mas após falta de Bednarek sobre Hornícek, lance prontamente invalidado pelo árbitro.
O SC Braga continuou a mandar no jogo, com muita posse, mas pouco perigo, sendo surpreendido (como toda a gente) pelo insólito golo do FC Porto que fechou o primeiro tempo: Samu recebeu de Froholdt, galgou meia dúzia de metros e, de muito longe, rematou à baliza de Hornícek. A bola ia sair bem ao lado, mas, pelo meio, apareceu Mora a correr em diagonal; a bola tabelou na perna direita do número 86 dos dragões e, numa carambola feliz para os azuis e brancos, entrou na baliza: 1-0. Golo feliz, mas golo. Não há golos feios, diz-se, e é verdade.
O segundo tempo começou com o golo do SC Braga. E, de novo, um golo feliz. Canto à esquerda, bola a sobrevoar a área dos dragões, Zalazar remata pessimamente, paralelamente à linha de fundo, mas na pequena área apareceu a cabeça de Victor Gómez a igualar: 1-1 aos 51 minutos. O golo dos guerreiros foi apenas o reflexo da superioridade do seu jogo: sempre com muito mais bola, sempre com personalidade, embora, sejamos justos, sem criar oportunidades de golo à altura da exibição coletiva.
O FC Porto, sem bola, sentia muitas dificuldades, e Farioli sentiu necessidade de mexer. Tirou Mora e Moura, lançou Gabri Veiga e Martim Fernandes. Vicens respondeu com as saídas de Pau Victor e Grillitsch e as entradas de Mourinho e Fran Navarro. O espanhol mexeu para tentar ganhar; o italiano, para tentar equilibrar. Pouco depois, ainda com o SC Braga por cima (com mais bola e controlo, mas sem muito perigo), Farioli voltou a mexer: Samu por Gul e Pepê por Borja Sainz.
Fran Navarro, após passe de Ricardo Horta (71’), teve a última hipótese de desfazer o 1-1 a favor do SC Braga e, pouco depois, aparentemente insatisfeito por ter perdido, em definitivo, o controlo do jogo, Farioli trocou William Gomes por Pablo Rosario, passando a jogar com três centrais (Rosario–Bednarek–Kiwior). A ideia era clara: vão-se os anéis, mas fiquem os dedos. Pelo menos, um: o pontinho do empate.
Porém, os últimos minutos viraram o jogo. Gul, aos 76’, teve o 2-1 no pé direito, mas o remate saiu ao lado e, pouco depois, numa abertura soberba de Gabri Veiga, Borja Sainz antecipou-se a Victor Gómez, isolou-se frente a Hornícek e fez o 2-1 final. O SC Braga ficou com os anéis, mas sem dedos; o FC Porto ficou sem os anéis, mas com os dedos. O essencial, afinal, é o visível aos olhos: golos e pontos. E o FC Porto, pela primeira vez na Liga, teve menos de 40 por cento de posse de bola...